You cant do anithingh

3 de agosto de 2021

You cant do anithingh

Data de Publicação: 3 de agosto de 2021 22:35:00 SOMOS DIFERENTES - Cada um de nós carrega uma mensagem particular, que encerra todos os nossos significados e todas as nossas considerações.

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Precisamos aprender a ler o que os nossos corpos escrevem e a respeitar as barreiras que eles impõem.

 

 

Era magra, malhada, com os músculos tonificados e barriga negativa, onde exibia um piercing de prata em forma de girassol, cravejado de pedras de várias cores.

Uma negra de cabelos cacheados e longos, olhar vivo e boca carnuda.

Ao vê-la, Ivan dos Santos Amorim não pode desviar o olhar nem por um segundo, por mais que tentasse. E isto o deixou bastante nervoso, com o coração acelerado, o que poderia dar a qualquer um a impressão de que estivesse excitado.

Não estava.

Mas realmente ela prendera o seu olhar.

É que hoje em dia as pessoas estão muito agressivas e extremamente sem noção. Olhar detidamente uma mulher bonita pode significar assédio. Pior que isto: pode gerar uma série de consequências indesejadas.

Geralmente ele não olhava.

Ou melhor, olhava, mas não deixava o olhar se prender. Se era bonita, batia o olho no rosto, focando em olhos e boca. Depois, passava rapidamente pelos seios. Finalizava vendo a proeminência do ventre.

Era um exame tão rápido que já confundira detalhes, achando que havia coisas maiores ou menores do que eram realmente, constatando-as depois.

Tudo para não incorrer no risco de ser flagrado e contra ele se erguerem todas as acusações possíveis da nova criminologia, que, ele achava, estava destruindo o flerte.

Quando a mulher passava por ele, Ivan também a observava por trás. Via como era o caminhar, a bunda, se rebolava. Como ficavam os cabelos nas costas.  

Coisa de homem.

Alguém vai dizer que é coisa de tarado.

Não é, nunca foi.

Homens são muito visuais e corpos bonitos excitam a imaginação sempre.

Na maioria das vezes, ao menos no caso de Ivan dos Santos Amorim, um competente advogado da Vara de Família, o olhar capturado para uma mulher bonita não era assédio ou demonstração inoportuna de interesse sexual, mas o inexplicável movimento da imaginação.

Quantas não foram as oportunidades em que olhava e a sua mente viajava para outro lugar, levando aquela mulher consigo.

Uma vez viu uma ruiva, cabelos longos como os da Marina Ruy Barbosa.

Ficou embasbacado.

Ela era tão bonita que parecia cheirar a jasmim mesmo à distância.

Rapidamente, Ivan se transportou para a Índia, onde o Deus do amor, o kama, usa setas de flores de jasmim para despertar o amor e a sensualidade nos humanos.

Então ele a viu de branco com um vestido de sobreposição, cuja saia, ajustada ao corpo, permitia uma fenda frontal.

Com um olhar, que parecia um barco convidando-o a viajar por mares nunca navegados, a ruiva puxou o elástico dos ombros e abaixou as mangas ciganinhas com babados para que ele visse os seus seios brancos e volumosos de bico rosa.

No meio da embarcação, um susto.

De repente, um homem com vastos bigodes arrumados com as pontas para cima, rosto queimado de sol, exibindo uma enorme testa e braços fortes como os de um lutador, apesar de parecer mais velho, deu-lhe uma facada espetando a barriga.

Devia ser o pai da ruiva.

Despertou do transe hipnótico sentindo o cotovelo magro e duro da ruiva golpeando onde a facada havia entrado.

- Isto é para aprender a não assediar as pessoas nas ruas, seu tarado, ela disse.

E Ivan rolou no chão em seguida se contorcendo de dor. Demorou para perceber que a ruiva, além de linda, era exímia lutadora de muay-thay.

Evidentemente, ela tinha se incomodado com o olhar capturado dele.

Tudo fora por causa da sua imaginação.

Ivan dos Santos Amorim adorava isso.

Voltou a sua concentração para a negra que adentrava a sala de espera do médico vinda direto da academia de ginástica.

Uma camiseta branca, que ela usava, exibia, como se cobrisse os seios fartos, a frase: You cant do anithingh.

Não sabia inglês.

Ficou curioso para saber o que significava a frase, mas não teve tempo de perguntar.

Viu-a pelas costas entrando na sala.

Tinha o caminhar inseguro, às vezes até torto, mas os cabelos formavam a silhueta perfeita nas costas, pois iam até perto do final das costas e exibiam volume.

Ficou imaginando como eles cairiam sobre ele enquanto ela o beijasse com aqueles lábios carnudos sedutores.

Foi desperto novamente.

Desta vez com mais sorte.

A secretária do médico só tocou o seu ombro para avisá-lo que a moça já estava liberada do exame de corpo de delito.

- Obrigado, ele disse.

Já tinham registrado queixa da agressão praticada na saída da academia.

O exame era a prova contra o agressor.

Foram para o seu escritório e lá, com muito autocontrole, ele evitou olhar diretamente para aquela mulher tão bonita.

- Você terá agora uma medida protetiva e ele não poderá se aproximar mais.

A mulher foi embora com seu andar inseguro ainda, mas exibiu antes, para o seu encanto e lembrança doce, um largo sorriso de agradecimento.

Sozinho na sala, Ivan dos Santos Amorim ficou pensando outra vez na cliente.

Ela parecia uma linda borboleta de muitas cores que desfilava a sua beleza por uma estrada cheia de flores: girassóis.

De mãos dadas com ele, como se fossem namorados, e ela parou no meio do caminho para segurar o seu rosto com as duas mãos, onde havia vários anéis, e em seguida beijá-lo suavemente.

A secretária o acordou do transe.

Mais uma vez felizmente sem agressão.

- Que ótimo não ter agressão, balbuciou.

- Mas teve, ela retrucou.

- Como assim?

- Ele a matou doutor. O senhor precisa ir até a delegacia. Prenderam o marido.

Ao ver a mulher no caixão pouco depois, lembrou-se da camiseta da tal frase e procurou um tradutor no celular, constatando que a frase dizia tudo:

- Você não pode fazer nada.

Ele não podia mais e não pode antes.

O marido matou por ciúme.

O advogado comentou com um amigo ao lado que o acompanhara ao velório.

- Precisamos mudar os conceitos.

 

 

Informação complementar

Toda terça-feira você encontrará uma crônica nova neste espaço.

Imagem da Galeria O carinho é fundamental em quaisquer situações
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