Santo vinho

16 de novembro de 2021

Santo vinho

Data de Publicação: 16 de novembro de 2021 21:37:00 QUE SITUAÇÃO - O que Everton queria era o que todos os homens que saem com uma mulher querem: impressionar, mas não teve vida fácil.

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O que pode estragar uma noite perfeita? Qualquer coisa que não esteja sob controle. Mas como controlar o que não se sabe?

 

 

No começo era o medo de não saber o que fazer.

Beber vinho é chique, é coisa de gente que tem dinheiro, é um charme para o bom conquistador.

Tudo isso passava pela cabeça de incauto de Everton.

Mas ele tinha de tentar.

Afinal, estava com ela e não podia decepcionar.

Era o seu primeiro dia com a mulher que ele queria que fosse sua companheira para o resto da vida.

E era tarde para desistir.

Já estavam sentados à mesa à espera do garçom.

O nervosismo o fazia tremer as pernas.

Por sorte, nenhum garçom se aproximara rapidamente.

 

Everton sempre acreditou que existe um santo que ajuda os desesperados no momento de maior desespero.

Não é São Judas Tadeu não.

Nem é religiosidade: é necessidade mesmo.

Pois então, São Já Foi, sim é esse o nome do santo, deu a ele uma ajuda.

Ele sempre aparece quando parece que tudo já foi para o beleléu.

Ela disse que ia à toalete e que já voltava.

Everton acompanhou-a com os olhos até que entrasse na porta da toalete para não ter surpresas nem deixar que percebesse o seu desespero.

 

Quando ela entrou, ele chamou o garçom e disse que lhe desse umas dicas rápidas para não decepcionar.

O garçom foi solícito.

Era o São Já Foi em ação.

O homem sabia tudo de vinhos.

 

Já de volta, ela presenciou que Everton escolhesse o vinho.

- Traga um Cabo de Hornos 2012.

- Boa escolha senhor.

- Esse vinho é bom?, ela quis saber.

- Sim, essa é a primeira safra deste vinho, que é um dos ícones do Chile. Ele passa 18 meses em barris de carvalho francês. Depois mais 12 meses em garrafa. É um sabor completo.

Ela não sabia nada sobre vinhos, ele imaginou.

 

Antes de fazer a prova do vinho.

Pediu que o garçom trocasse os copos.

- Traga copos com a boca mais estreita, por favor.

- Por quê?, ela se interessou.

- Porque isto evita que o aroma se dissipe com facilidade. Além disso, a temperatura se mantém nos 18 graus de que precisamos.

O leve sorriso dela pelos cantos da boca, ampliando o batom vermelho, bonito, deu a ele o sinal de que se encantara com os seus conhecimentos de vinho e de que a noite prometia.

 

O vinho chegou e Everton fez a prova, um teste que dá ao homem um poder semelhante ao da conquista. A mulher o olha como se dissesse: “Estou em suas mãos. Não me desaponte”.

Ele tocou o copo de pé alto exatamente na sua parte mais inferior.

Ela olhava cada detalhe com curiosidade.

Pegar o copo pelo pé evita que o calor da mão altere a temperatura, o que é fundamental para o teste.

Primeiro olhou a intensidade da cor.

Enquanto observava dizia:

- A cor nos mostra a idade do vinho. Os tons mais violetas indicam que é mais jovem. Os mais acastanhados o contrário.

Inclinou o copo sobre a toalha branca para avaliar.

Depois foi a prova olfativa.

Enfiou o nariz dentro do copo, sentiu o aroma inicial e agitou o copo.

Por fim, colocou o vinho na boca e se certificou de que todas as partes da língua estavam em contato com ele.

Ali pode avaliar que havia um equilíbrio entre amargura e doçura, que produzia uma acidez mais fácil de beber.

Aprendera a lição tão rapidamente quanto ela lhe fora passada.

- Pode servir, ordenou.

 

O jantar transcorreu sossegado.

Todo o seu ensaio para se apresentar ousado, inteligente e simpático funcionara muito a contento.

Talvez o vinho também tenha ajudado a relaxá-la.

Estava tudo certo para o arremate final.

Enquanto ela se divertia, internamente Everton parecia funcionário da casa de máquinas de um navio tentando mantê-lo em atividade.

O nervosismo não o abandonara por isso, apesar do sucesso.

Quando ficava muito nervoso -e aquele era um momento-, tinha vontade de ir ao banheiro para o número um.

A bexiga apertava de uma tal maneira que se poderia dizer que parecia mais apertar outra parte, sim aquela que nocauteia qualquer homem.

Pediu licença antes de saírem para ir à toalete.

 

Voltou logo depois um outro homem.

Estava pronto agora para finalizar a conquista.

Preparara-se tanto para aquilo que já vislumbrava os dois exaustos trocando beijos preguiçosos depois do amor.

Chamou o garçom e pediu a conta.

Ele disse que Everton se dirigisse ao caixa na saída e que acertasse lá.

Fez todas as honras e ela o acompanhou.

- São R$ 486, disse-lhe o caixa.

O valor alto, nossa um gasto único para todo aquele mês sem dúvida, também a impressionaria.

Viu pelos olhos dela, que se mexiam de um lado a outro ao ouvir o valor, talvez imaginando o tamanho do seu poder para que gastasse tanto com apenas um jantar para agradá-la.

Everton estava preparado para uma noite ótima.

Enfiou a mão no bolso e aí se lembrei do santo outra vez.

Percorreu o bolso todo e nada da carteira.

- Como assim, meu Deus? Onde está essa carteira? Eu não posso passar por isso? Vai estragar toda a minha noite, a cabeça dele pensava tudo ao mesmo tempo, enquanto o suor escorria por tudo.

Ela percebeu o incômodo.

- Aconteceu alguma coisa querido?

- Não, não. Eu só não estou achando a carteira. Eu não sei...

Secretamente, ele implorava ao santo: “Me ajude”.

Mas com esse nome de santo, ele já estava certo de que era ele o que aconteceria naquela hora: Já Foi. Já tinha ido mesmo.

No auge do seu desespero, o garçom tocou o seu ombro.

- Senhor, é sua essa carteira?

Olhou para as mãos dele como um asmático olharia para uma bombinha de asma e reconheceu a dita cuja.

- Sim, sim, sim, sim é minha. Onde estava? Agarrou-a suando frio.

- Estava no banheiro. Deve ter deixado cair. O funcionário da limpeza achou. Reconheceu-o pela foto.

- A foto, pronunciou mais envergonhado ainda. Ninguém mais carrega foto na carteira. Ele tinha uma e fazia pose para a câmera.

Ela olhou para o alto escondendo o verde dos olhos nas pálpebras.

Everton pagou a conta e foram embora, mas o sumiço da carteira colocou um fim aos seus planos de uma noite ótima.

O santo do desespero falou mais alto:

- Já foi, ela lhe disse quando tentou. - O clima acabou. Desculpe.

 

O episódio encerrou aquela noite, mas não derrotou o soldado.

No mês seguinte, Everton voltou à carga e no outro e no outro e no outro, até que conseguiu reconquistá-la seis meses depois.

Estava todo endividado, mas conseguiu.

Hoje Everton pode dizer que não sofre mais assim.

Os vinhos não custam tanto, a impressão é boa e o santo dos desesperados realmente já foi.

Ele não precisa mais dele, felizmente.

 

 

Informação complementar

Toda terça-feira você encontrará uma crônica nova neste espaço.

Imagem da Galeria Um vinho celebra o amor, mas pode ser a razão de dor também
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