A voz do escuro

4 de abril de 2021

A voz do escuro

Data de Publicação: 4 de abril de 2021 21:57:00 POR DENTRO DO OLHAR DE GEORGE - Neste capítulo, a história muda novamente de tom e de um romance ela passa a ser de terror.

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A vingança move quem não tem coragem para enfrentar as suas dificuldades, mas ela é mais cruel com quem se vinga.

 

 

O palácio está todo enfeitado para receber o rei.

Uma multidão se acotovela em praticamente todos os espaços disponíveis da residência real.

- Toquem as trombetas, ordena o comandante da guarda real em saudação ao rei, que acabara de chegar e que entrava à frente dos soldados.

George chegava da guerra depois de ter anexado Crimeia aos domínios do seu reino.

A cerimônia de recepção do rei marcaria também a coroação do novo rei, que comandaria toda a região da Crimeia a partir dali.

Felipe 3º de Bragança, pai de George, seria o novo rei por escolha exclusiva de George.

Ao mexer os braços para arrumar a sua túnica, dentro da sua preparação para a solenidade, Felipe fez deslizar o lençol de seda que cobria o seu corpo nu, expondo assim todo o seu porte atlético e os seus dotes de tamanho avantajado.

Ele procurou pela túnica e não a encontrou.

O que teria acontecido?

Percebeu que seus olhos estavam turvos.

À revelia da situação que vivia no momento, a cerimônia continuava no palácio, onde o rei George ainda entrava rumo ao povo.

Uma ajudante de ordens falou ao fundo.

Quase não dava para ouvir.

- Você fica lindo assim todo nu.

Ele não entendeu.

- O que disse?

Ela respondeu:

- Eu disse que você fica lindo assim todo nu, mostrando toda essa potência, meu rei.

Felipe esfrega os olhos.

A vista ainda um tanto quanto turva começa a lhe permitir ver alguma coisa.

Então ele a percebe.

A serva é uma mulher bonita.

O rosto ovalado, branca, quase rosada; os cabelos lisos longos e negros, as mãos de dedos finos e longos com unhas enormes.

Ela está em pé ao lado da cama.

- Cama?, ele grita assustado.

Por que ele estaria na cama? Ele tinha de estar pronto para a cerimônia em que se tornaria rei.

- Onde está minha túnica?

- Onde está o quê?, ela pergunta.

- A minha túnica. Eu preciso estar pronto para a cerimônia. O rei já está entrando no palácio.

- Oi, o que está dizendo querido?

- Querido? Isto é um grande desrespeito com o rei. Com o futuro rei da Crimeia.

A ajudante de ordens ri, chega a gargalhar. Ela olha para ele e ri. Não consegue parar.

Felipe se irrita:

- Eu vou cortar a sua cabeça.

Agora mais séria, mas com cara sexy, ela diz:

- Você já me fez perder a cabeça, meu amor, com tudo isso e aponta para o sexo dele.

Ao acompanhar o gesto do dedo indicador dela, ele se dá conta da situação.

Tudo o que estava vivendo era um sonho.

Não havia reino, nem rei, nem coroação.

O que havia é que ele estava nu na cama com aquela mulher que ele achava que era uma serva antes de perceber que apenas sonhava.

Dominique fazia tudo por ele, mas não era uma ajudante de ordens do palácio.

- Acordou meu rei, disse ela docemente agora.

- Sim, você me acordou quando eu ia me tornar rei, justo nesse momento.

- Essa história de novo amor?

- Eu não posso controlar.

- Mas já está virando obsessão.

- Eu sei, mas ainda vamos ter o George.

- E como vamos ter se você continua casado?

-  Casado, ele repete e só agora percebe onde está, a hora que é e que realmente é casado.

-  Nossa Dominique, eu preciso ir.

-  Eu sei. Só não quis te acordar antes para que descansasse um pouco. Você quase me matou hoje. Esse seu fogo é demais, sabia?

Ele ri e a beija com carinho enquanto ela toca seu sexo com a ponta dos dedos para atiçá-lo.

- E essa estrovenga também.

Os dois riem novamente e se beijam.

De repente, começam a ouvir lá de fora da casa:

- Saia, seu cachorro, senão eu vou aí te buscar.

O grito é desesperado e alto, muito alto.

- É a minha mulher, ele diz.

- Chegou a hora de você por um fim nisso, Dominique o encoraja e cobra ao mesmo tempo.

- Não, não dá para ser agora.

- Saia, seu desgraçado, grita Lilian lá de fora.

- Eu vou sair pelos fundos. Diga que eu não estou aqui. Ela vai embora. Resolvo lá.

- Não, você precisa resolver isso agora.

- Agora não, ele grita e logo depois abaixa o tom para dizer a última palavra: - Fui.

Lilian quase quebra a porta de tanto bater.

Depois que Felipe sai, Dominique abre.

- Cadê o meu marido?

- Do que está falando?

- Sua sonsa, estou falando do Felipe, o seu amante. Cadê aquele cachorro?

Ao ouvir a palavra amante, Dominique se irrita profundamente e reage.

Aquela era a palavra que ela mais odiava.

- Olha aqui, quer saber de uma coisa, ele é meu. Não sou amante de ninguém. Você é que é chifruda. Saiba que ele vai ficar comigo...

Lilian nem esperou ela terminar e começou a dar tapas, socos e chutes na rival.

Se Dominique odiava a palavra amante, Lílian odiava a palavra chifruda.

Uma agarrou a outra pelo cabelo e a pancadaria continuou firme. Lilian era maior e mais forte que a adversária. Por isso dominava a outra com uma facilidade assombrosa.

Vizinhos começaram a chegar para separar.

Outros chamaram a polícia.

No bairro Floresta, em Governador Valadares (MG), brigas assim não eram comuns, mas também não eram novidade completa.

Os policiais chegaram antes que a briga tivesse terminado e levaram as duas para a delegacia a fim de registrar a ocorrência.

 

Da delegacia, Lilian chama Felipe, mas o telefone dele está desligado.

Ela se irrita profundamente.

Ele sempre agia daquela forma: desligava o telefone e depois dizia que ela não chamou.

Lilian recorre então à irmã Paula.

Apesar de ser sexta-feira, dia em que ela mais trabalhava no escritório de exportações, Paula consegue dar uma escapada do trabalho e vai ao encontro da irmã para ajudá-la.

Alguém precisava ir lá buscar Lilian. Ela não tinha condições de andar direito por causa da briga. Não se machucara quase, mas estava muito nervosa e temia não se atentar ao trânsito.

Ao mesmo tempo que a rival, Dominique liga para Felipe com o mesmo objetivo.

Ele tem um outro telefone para falar com ela.

Dominique pede que ele vá buscá-la, pois também não consegue andar normalmente.

No seu caso era pela surra que levara. Ela apanhou muito e estava bastante machucada.

As duas estão separadas em salas pequenas e contiguas. Elas podem se ver por um vidro que divide os ambientes. As salas são usadas normalmente para interrogatórios.

O delegado não queria novas agressões.

À entrada de cada sala havia um policial.

- O que foi isso minha irmã?, diz Paula.

- Hoje eu tive certeza Paula. O desgraçado tem um caso com aquela piranha ali. Ela aponta.

Ao mostrar Dominique, Lilian vê a mulher apontando-lhe o dedo do meio. Ela fica com mais raiva ainda e parte para cima dela, mas é contida por Paula. O policial da porta se prepara também.

- Você quer ficar presa Lili? Não adianta bater nessa vagabunda. O problema é ele. Você precisa tomar uma atitude em relação a isso.

- Eu sei, eu sei. Sabe, é muito injusto isso tudo comigo. Nós estamos fazendo tratamento para eu engravidar. Ele tem o sonho de ter um menino. Eu embarquei nesse sonho de cabeça. Estou tomando remédios fortes, fazendo controles, me esforçando. Até deixei de dançar, que é uma coisa que eu amo. Tudo para conseguir o objetivo dele. Como ele destrói tudo?

- Lili, você precisa cair na real. Esse casamento é um sonho só seu. Não é porque vocês começaram a namorar ainda adolescentes que tinham de se casar. Ele não queria, e você forçou.

- Eu achei que ele ia se entusiasmar depois que eu desse um filho a ele. Era o sonho dele desde quando começamos a namorar.

- Mas não deu, né?

- Não, eu não sabia que tinha dificuldade para engravidar, mas estou batalhando junto com ele para resolver esse problema. Não era para ele me abandonar justamente agora que preciso dele.

- Ele não vai te abandonar se você não quiser, mas tenha certeza de que ele vai ficar com as duas. O traste não vai abandonar a amante.

Lilian começa a chorar e abraça a irmã.

- Eu não sei o que fazer Paula.

- Bom, tem de pensar então, porque terá de tomar uma decisão quando chegar em casa.

- Sim.

- Agora vamos embora. Precisamos passar em uma farmácia para cuidar desses arranhões. Você está com a cara péssima.

- Que nada. Eu tenho mertiolate em casa. Depois, não sofri nada perto do que ela sofreu.

As duas começam a sair.

Lilian vai na frente de cabeça baixa.

Antes de deixar a sala, Paula dá uma última olhada em Dominique para guardar a imagem da rival da irmã e aí vê que Felipe acabara de chegar na sala ao lado e a ampara agora.

Apesar da raiva que sente, Paula resolve não falar para a irmã, pois isso geraria uma nova discussão e a irmã, esquentada como é, poderia acabar presa, piorando ainda mais a situação.

Felipe conversa com o delegado para se inteirar do boletim de ocorrência, mas se apresenta como amigo de Dominique e não com seu nome real.

Os dois saem da delegacia quando Lilian e a irmã já se foram e ele a leva para uma farmácia para curativos e depois vai para a casa dela novamente para se certificar de que ficará bem.

- Fê, você precisa tomar uma decisão agora. Não pode ficar mais lá. Eu não aguento mais essa situação. Hoje foi a gota d’água.

- Dô, as coisas não são tão simples assim.

- Como não?

- Você sabe que moro com a minha sogra, né? Fomos para lá porque eu não tinha dinheiro e ela me forçou a casar, já que engravidou.

- Então você já teve o George e tudo o que me disse era mentira? Ninguém engravida sozinha Felipe. Você me enganou todo esse tempo?

- Não, calma. A gente se prevenia. Eu disse a ela que não queria filho. Ela tomava anticoncepcional. Mas aí ela teve de parar de tomar porque deu uma merda qualquer lá, não sei. Eu disse: vamos usar camisinha então. Só que ela odeia camisinha...

Sem deixar que ele termine a frase, Dominique questiona:

- Eu não quero saber das suas intimidades com ela. Isso me enoja. O que eu quero saber é onde está esse filho que você nunca me falou?

- Ele não existe. Ela engravidou e nos casamos por causa disso. Como eu não tinha dinheiro, fomos morar na casa dos pais dela. Mas ela perdeu a criança e desde lá não consegue engravidar. Essa é a razão da nossa separação. Eu não quero viver com uma mulher que não pode me dar um filho. Foi por isso que você entrou na minha vida e por isso que vamos ser felizes.

- Tá, mas não entendi o que isso tem a ver para que você não saia de lá agora que tudo veio à tona e que não existe mais clima.

- Não tinha dinheiro para nada. Eu não ia me casar. Mas com tudo isso acabei me casando e me enfiando em uma dívida enorme. Comprei uma casa com a ajuda e a pressão do pai dela.

Dominique se levanta irritada.

- Quer dizer que eu sou a amante mesmo? Você está tocando a sua vida com ela normalmente. Eu só sirvo para sexo, não é? Que merda Felipe. Você vem aqui se diverte comigo, diz que quer ter um filho comigo quando ficarmos juntos, mas isso nunca chegará a acontecer, não é?

- Não é isso Dô, eu juro. Eu te amo. Você é a minha vida. Não quero nada com ela, nunca quis. Ela me forçou, me enganou. Vou sair disso.

- Então por que não larga dela e vem morar comigo? É só isso o que tem de fazer. Será que é tão difícil assim para você?

- Como eu disse: investi todo o dinheiro que ganhei nessa casa que eles me forçaram a comprar, mas a casa está sendo construída ainda. Se eu sair de lá agora, nem ela nem o pai dela vão devolver o meu dinheiro. Eu não tenho outro dinheiro para tocar a minha vida fora de lá. Veja o carro que estou usando. Até o carro é dela. Eu não posso sair de mãos abanando disso.

- E você quer que eu acredite que vai sair de lá depois que a casa estiver pronta? É bem capaz de você estar transando com ela ao mesmo tempo que transa comigo. Ela pode ficar grávida do George. Como eu fico nessa história Felipe?

Dominique começa a chorar desesperada.

- Não transo com ela não. Eu juro. Nossa vida é um inferno. Não saí de lá ainda por causa da grana. Só por isso. Mas vou sair: prometo.

Ela levanta a cabeça, colocando os longos cabelos para trás, alguns fios grudam nas lágrimas, e então ela o olha nos olhos:

- Você jura?

- Juro. Nossa relação acabou por causa das brigas. E porque ela não conseguia engravidar. Você sabe o quanto eu quero o George.

- Eu não sei o que dizer.

- Dô, tenha paciência, tudo vai se resolver.

- Será?

- Sim, confie. É você que eu amo. Vamos ser pais ainda de um menininho de olhos azuis.

Os dois se beijam e se abraçam por algum tempo demonstrando o amor que sentem.

Depois acabam se tocando e se beijando mais freneticamente. Por fim, tiram as roupas impulsivamente e fazem amor.

 

Ao chegar em casa, Lilian diz para a irmã que não vai mandar Felipe embora.

- Bom, se você quer sofrer, a escolha é sua.

- Não é isso. Você não entende. Eu amo o Felipe. Minha vida toda eu passei pensando nele. Temos um relacionamento desde quando éramos adolescentes. Eu tenho certeza de que ele vai mudar quando o George nascer.

- Olha Lili, se você vai insistir nisso, eu preciso te contar uma coisa. Você precisa saber.

- O que Paula?

- Quando saíamos da delegacia, eu dei uma última olhada para ver a vagabunda e aí você não imagina o que eu vi.

- Como assim?

- O Felipe. Ele estava lá amparando ela. Eles se abraçaram e ele ficou lá com ela.

- Não acredito nisso. Por que você não me falou? Eu ia arrebentar os dois.

- Exatamente por isso que eu não falei. Sei como é esquentada. Acabaria presa.

- Não importa. Pelo menos quebrava a cara dele e acabava de quebrar a dela. Ai que ódio.

- Irmã, você é muito maior que isso. Esqueça esse cara. Você precisa refazer a sua vida.

- Paula, eu queria muito, mas é difícil. Como vou esquecer o amor da minha vida? Como vou refazer a minha vida se ela é ele?

- Pare com isso. Enquanto está morrendo de amores por esse bosta, ele está usando o seu carro para levar aquela vagabunda para cuidar dela. Você não pode ser tão tonta assim.

Paula deixa a irmã e vai para o trabalho de volta, já que tinha saído só para socorrê-la.

Lilian olha para o chão e só sabe chorar.

 

No final da tarde, Felipe volta para casa.

Estaciona, desce e entra como se nada tivesse acontecido, já que não foi visto pela mulher na casa de Dominique e teoricamente ela não sabe de nada do que aconteceu e nem ele.

Ele a encontra chorando ainda.

Ela está deitada na cama de barriga para baixo, vestindo um short curto que sempre usava em casa e soluça de tanto chorar.

Para surpreendê-la e tentar fazer uma entrada triunfal, Felipe deita-se ao lado dela e começa a alisar o seu corpo dizendo que está com saudade.

Lilian se vira e dá um tapa no rosto dele.

- Seu cachorro.

- Ei, calma lá. O que está pegando? Acabei de chegar e não sei o que está acontecendo.

- Acabou de chegar de onde? Da casa da sua amante? É da casa da Dominique que você veio?

- Quem é essa? Do que você está falando? Amor, eu estava trabalhando.

- Trabalhando coisa nenhuma. Eu fui até lá. Você estava na casa dela. Eu achava que estava trabalhando, mas estava é me traindo.

- Você está enganada.

- Estou? Estou mesmo. Achei que você me amava. Que queria ter um filho comigo. Você quer se divertir e só isso, não é?

- Amor, pare com essas acusações.

- Vou parar, mas não é com as acusações apenas. Vou parar com tudo. Quero que você desapareça da minha frente, entendeu?

- Que isso amor? Eu não tenho para onde ir. O que está fazendo? E o nosso amor?

- Cachorro, o nosso amor morreu. Suma. Antes que faça você sumir. Quer que eu faça?

Ele muda o tom.

- Olha aqui: eu não vou sair daqui coisa nenhuma. Eu não tenho para onde ir. Se você quer terminar tudo, nós terminamos, mas eu não vou sair. Eu não vou sair, ele grita.

- Está bem: se você não sai, saio eu.

Em seguida, Lilian arruma as malas, chama a irmã e diz que sairia de casa.

- Por favor, reconsidere Lili. Nós nos amamos. Não pode agir por impulso.

- Eu amo você. Você não. Você ama a boa vida.

Mais alguns dias e Lilian comprou passagem para os Estados Unidos e se mudou para lá.

Ela já vinha conversando com uma amiga que se mudara havia alguns anos e, embora não pensasse em ir para os Estados Unidos, vinha pegando todos os detalhes.

Quando decidiu, já estava pronta.

Mudou-se no dia 26 de julho de 2008.

Lilian se instalou com a amiga e passou a procurar emprego.

Não estava fácil encontrar.

A amiga não se importou que ela ficasse lá sem ter emprego, mas ela queria resolver logo.

Foi quando viu um anúncio da boate Private Sky, que oferecia vaga para dançarina.

Lilian se candidatou e conseguiu a vaga.

 

Os pais de Lilian não concordaram que Felipe ficasse na casa como ele pretendia.

A partir do momento que a mulher deixou o local e se mudou para os Estados Unidos, eles pediram que ele saísse. Ele não concordou. Com a ajuda de Paula, a irmã de Lilian, eles chamaram a polícia e o expulsaram definitivamente sem devolver o seu dinheiro.

Felipe não tinha para onde ir.

Não queria se mudar para a casa de Dominique, pois isto significaria que estava assumindo o relacionamento e ele não queria assumir nada com ela, não naquele momento.

Sem ter lugar, Felipe foi morar com Clóvis, um amigo do trabalho, que morava sozinho.

No dia em que se instalou, ele recebeu uma mensagem no seu telefone que o intrigou:

- Estou seguindo seus passos. Você não vai se dar bem com o que fez. Eu sei de tudo.

- Deve ser da Lilian, ele disse para Clóvis.

- Mas do que está falando? Sabe de tudo o quê? O que você fez que ela sabe?

- Eu não fiz nada. É só pressão. Ela quer voltar comigo. Tenho certeza disso.

- Por que não a procura de novo?

- Ela sumiu. Não sei onde encontrá-la. Aquela família dela não fala nada.

- E esse telefone?

- É desconhecido.

A conversa terminou, mas Felipe ainda ficou pensando na mensagem.

O que será que ela sabia?, se perguntou mentalmente enquanto vasculhava papéis que trouxera na mala para o novo endereço.

Felipe não disse para Dominique que a mulher havia deixado a casa. Continuou se encontrando com ela como fazia antes e dando desculpas.

Sua intenção era retomar o casamento com Lilian e voltar a morar na casa para recuperar o dinheiro que havia investido.

Ele procurou a família dela no dia seguinte.

Mas nem Paula, a irmã de Lilian, nem os pais dela disseram que ela havia se mudado para os Estados Unidos. Para ele, a informação era apenas de que Lilian tinha ido para São Paulo para estudar, já que não terminara a faculdade.

- E qual é o telefone dela lá? Ela mudou de número. Não atende mais naquele.

- Felipe, você não entendeu que terminou?, disse Paula, afastando-se em seguida.

- Paula, eu preciso saber.

- Não, você não precisa saber. Deixe a minha irmã em paz de uma vez por todas.

- Você ainda vai se arrepender disso.

 

Nos Estados Unidos, Lilian ficou sabendo que Felipe a procurara e que estava querendo saber do seu telefone, o que ela já esperava.

- Ele disse o que sobre mim?

- Lili, esqueça esse cara. Você não merece um traste desses. Cuide da sua vida aí.

- Eu sei, mas está muito difícil aqui. Procurei emprego como um louca e só hoje encontrei. Estou de favor aqui, você sabe.

- É mesmo? Que legal ter arranjado o emprego finalmente. O que vai fazer?

- Vou trabalhar como dançarina em uma boate. Chama-se Private Sky.

- Boate? Tem certeza?

- Sim, o que tem?

- Não sei. Não acho um emprego adequado. Mas sei lá. Talvez seja impressão.

- Várias meninas de Valadares estão lá.

- É?

- Sim, o dono disse que emprega muita gente da nossa cidade e gostou de mim.

- Gostou por quê?

- Sei lá. Devo dançar bem.

Lilian riu sem muito jeito.

Ela queria uma aprovação da irmã.

- Ah tá.

- Nossa, você não me anima.

- Lili, eu amo você minha irmã. Quero o melhor sempre. Mas não sei essa história de boate.

Quando desligou, Lilian contou sobre a conversa para a amiga Susan.

- Eu acho melhor você não criar expectativas com seus familiares. A vida aqui não é fácil. Ou você encara ou volta. Não tem saída.

- Susan, eu gastei todas as minhas economias para vir para cá. Não tenho como voltar agora. Não tem volta: eu vou encarar.

Naquela noite, ela foi para o trabalho e descobriu que ele não seria fácil mesmo.

- Olhe, disse Agnus, o dono da boate, você precisará mudar de nome. Aqui você se chamará Anny. E vai precisar fazer algumas coisas mais que dançar. Você me entende? Está preparada?

- Como assim?

- Alguns clientes querem companhia. Eles veem você dançar e, se gostam, querem conversar. Sabe, é ser bom papo, simpática. Sua função é levá-lo a gastar com nossas bebidas.

- Entendi.

 

Alguns dias depois, no Brasil, Felipe recebe mais uma mensagem anônima.

- Você pensa que pode escapar fácil, mas não pode. Tudo foi registrado. Você está na minha mão e eu não vou deixá-lo escapar.

O ex-marido de Lilian atira o telefone na parede com raiva da ameaça.

Irritado, ele vai até a casa dos pais de Lilian.

Os pais dela dormem.

O homem ateia fogo à casa e foge.

O incêndio toma conta rapidamente do imóvel. Os vizinhos chamam os bombeiros. Ao mesmo tempo tentam apagar as chamas.

Um deles resgata a mãe de Lilian, mas o pai acaba preso no quarto e morre.

- Não é possível, não, grita Paula.

Ela chora abraçada à mãe. Dona Laura não consegue entender como a casa pegou fogo de repente. E chora muito a perda do seu marido.

- Estávamos dormindo. Não deixei nada ligado. Não sei o que pode ter causado o fogo.

- Não importa isso agora mãe. Independentemente do que causou o incêndio, o pai foi com ele. Isso nada repara.

- O Jorge não conseguiu sair porque ele dormia do lado contrário da porta. Eu chamei por ele para que saíssemos, mas ele não teve tempo, disse dona Laura abraçando mais ainda a filha.

- Precisamos falar com a Lili.

- Sim, será que ela vem ver o pai?

- Não sei. Ela disse que tinha arrumado emprego só ontem. Não deve ter dinheiro. Vamos dar um jeito. Vou ligar para ela.

A ligação não se completa.

Lilian não atende ao telefone porque agora se transformou em Anny e está na boate trabalhando como dançarina.

Nesse dia, um empresário que viu a sua apresentação a chama para conversar.

- Você é nova aqui, não é?

- Sim, estou há bem pouco tempo.

- Gostei de você. Quero que me faça companhia. Você topa beber comigo?

- Sim, claro. Só um momento que vou trocar de roupa. Logo volto.

Algum tempo depois, Anny aparece mais linda que antes e vai se sentar ao lado dele.

Mas é puxada pelo braço por Agnus.

- O que foi?

- Preciso que faça companhia àquele homem, ele aponta um senhor grisalho com um charuto.

- Mas estava com aquele que me pediu para beber com ele e eu nem cheguei a sentar.

- Richard? Não, não se preocupe. Ele é da casa. Frank é mais importante. Faça-o gastar.

Richard Daniels, o homem deixado de lado, é educado, fino e muito rico também.

Apesar de se decepcionar com a atitude do dono da boate, ele não reclama e continua bebendo só.

Anny se aproxima de Frank.

- Você é quem vai ficar comigo?

Ela faz que sim com a cabeça.

- Então, vamos sair daqui, ele diz.

A dançarina não tem tempo de nada.

O homem a coloca no carro e o motorista os deixam no hotel. Anny não quer subir com ele, mas Frank puxa-a com força.

Ela resiste e tenta se soltar.

Então ele lhe dá um soco.

A dançarina desmaia.

Em seguida, o homem a carrega para o quarto.

Quando acorda, ela está nua e amarrada à cama pelos braços e pelas pernas.

Frank também está nu e em cima dela.

Ela tenta gritar e tem a boca tapada.

O homem a estupra várias vezes naquela noite e quando ela é libertada está toda machucada.

Susan quer levá-la ao médico, mas ela não aceita temendo ser deportada.

No dia seguinte, Anny comunica o dono da boate e ele não se abala:

- Essas coisas fazem parte mocinha. Se não quiser, eu te demito hoje. Você não é obrigada.

- Eu não quero me prostituir.

- Está certo. Não precisa. Como disse, não é obrigada. Só que está ilegal aqui. Não creio que consiga ficar sem ter amigos como eu.

- Você está me ameaçando?

- Não, só estou abrindo seus olhos. Faz o seguinte: vá para casa e pense no que quer.

Quando chega em casa, Anny recebe a ligação da irmã informando sobre a morte do pai.

Ela não tem dinheiro para voltar.

Nem que tivesse, não chegaria a tempo, a menos que o enterro fosse atrasado.

- O que eu faço Susan?

- Sobre se prostituir, eu não acho que deva. Sobre seu pai, eu lamento e entendo que não deve voltar para participar do enterro. Sei que é difícil, mas é um gasto alto demais e você não tem. Também não tenho. Se tivesse, ajudaria.

Quando volta à boate para se demitir, Anny se depara com representantes da embaixada.

- É ela senhores, diz Agnus.

- O que significa isso Agnus?

- Eu disse a eles que você está ilegal aqui.

- Por que fez isso?

- Porque você veio aqui para se demitir, não veio? Então, eu não tenho nenhum compromisso com você mais. Assim, ilegais são pessoas que devem ser deportadas do nosso país.

- E se eu não me demitir?

- Bom, então você terá vínculos comigo. Tudo muda. Ninguém mexe com quem está comigo.

- Seu porco, eu vou ficar. Não vou me demitir. Não posso voltar agora.

Ela chora enquanto fala.

Ele ri:

- Eu sabia que tomaria a decisão certa.

 

Felipe caminha por uma rua escura que leva à casa de Clóvis quando é chamado:

- Felipe, você pensa que vai escapar de tudo?

Quando se volta para ver quem falou, não há ninguém. A rua está deserta.

- Que merda é essa?

O rapaz olha para todos os lados. Nada. Não há ninguém por perto.

Ele se vira para a frente e volta a caminhar.

- Você vai pagar por tudo o que fez, ele ouve novamente e agora acha que conhece a voz.

Olha outra vez e não há ninguém.

- De onde eu conheço essa voz?

Caminha mais um pouco e ouve:

- Ninguém escapa da punição.

Volta-se mais uma vez e não há ninguém.

Agora ele se lembra.

A voz é do seu Jorge, o pai de Lilian.

- Mas esse velho morreu. Estou vendo coisas. Preciso esquecer disso.

Ele segue caminhando.

Quando dobra uma esquina para um trecho mais escuro do percurso, dá de cara com o ex-sogro, que está com uma faca na mão.

Felipe sai correndo para o lado oposto.

Ele olha para trás e o homem o persegue.

O rapaz corre cada vez mais rápido.

Bem perto da casa de Clóvis, ele olha para trás e vê o ex-sogro se transformar em um monte de sal. Para, observa com mais detalhe. De repente, tudo desaparece como se não tivesse nada antes.

Felipe entra em casa assustado.

- O que foi?, pergunta Clóvis.

- Desgraçado.

- O que foi?

- Nada, não foi nada. Eu pensei ter visto alguma coisa. Mas não era nada.

- Eita, você está cada vez mais estranho.

O rapaz vai para o banheiro e Clóvis avisa:

- Dominique esteve aqui.

- A Dominique?, ele se assusta.

- Sim, meu caro, ela descobriu que você está aqui e queria falar com você.

- E o que você disse?

- Que você não estava.

- Fez bem, fez bem.

Depois de tomar um banho, Felipe se deita.

Ele demora a dormir.

- O rei George o chama Felipe 3º de Bragança.

- Eu?

- Sim, o rei determinou a sua prisão. O senhor descerá à masmorra. Ficará lá até o fim dos seus dias. Guardas, levem o prisioneiro.

- Não, não. Eu não posso ser preso. Eu vou ser o rei da Crimeia. Vocês não podem fazer isso.

Ao se voltar para o comandante dos guardas para implorar a sua libertação, Felipe vê o pai da ex-mulher vestido com as roupas da guarda.

- O senhor? O que faz aqui? Seu Jorge!

- Acorde Felipe, acorde, grita Clóvis. – O que há com você? Está gritando feito doido.

Felipe acorda e percebe que tivera um pesadelo.

- Desculpe Clóvis.

Os dois voltam às suas camas.

Antes de se acomodar para dormir, Felipe olha o telefone e vê uma mensagem:

- Você está na minha mão. Eu sei de tudo. Chegou a hora de todos saberem.

O nervosismo dele é nítido.

- O que foi agora Felipe?, pergunta Clóvis.

- Nada, nada.

Os dois se deitam.

Ao recostar a cabeça no travesseiro, o rapaz ouve a voz de seu Jorge novamente:

- Você não vai escapar.

Ele olha assustado para todos os lados.

Não há ninguém.

 

Clóvis acorda com batidas fortes na porta.

São 6 horas da manhã.

- O que é isso? Quem será a essa hora? Felipe, você ouviu as batidas na porta?

- Sim, eu ouvi.

O rapaz se levanta ainda de short e sem camisa como dormia e vai atrás de Clóvis.

Quando abre a porta, Clóvis dá de cara com a polícia. Eles estão com uma ordem de prisão.

- O senhor é Felipe Araújo?, pergunta o policial.

- Não, eu sou Clóvis Monteiro.

- E quem é Felipe Araújo?

- Sou eu, diz Felipe se aproximando enquanto veste uma camiseta.

- O senhor está preso.

- O quê? Como assim? O que eu fiz?

- O senhor é acusado de furtar equipamentos de alta tecnologia da empresa Tiger.

- Eu trabalho lá, mas nunca furtei nada. De onde tiraram isso? Eu sou inocente.

- Temos uma gravação de quando o senhor retirou os equipamentos e temos dois depoimentos que confirmam o furto.

- Depoimentos? Quem?

- A senhorita Dominique, com quem o senhor teve ou tem um relacionamento, e o senhor Duda Assis, que comprou os equipamentos do senhor.

- Que merda, diz Clóvis.

Levado à delegacia, Felipe fica sabendo que as mensagens que recebia eram de Dominique. Ela descobriu o furto quando Duda Assis procurou pelo rapaz na sua casa, já que não o encontrou no endereço onde ele vivia com a ex-mulher.

Dominique ficou indignada com o fato de Felipe não se decidir a assumir o relacionamento e ficou possessa quando soube que ele morava com Clóvis e não mais com ex-mulher.

Empregada da mesma empresa (fora lá que conhecera Felipe), ela procurou imagens das câmeras de segurança e encontrou o namorado em atitudes suspeitas carregando um pacote.

 Como tinha a informação de Assis, juntou os fatos e o entregou à polícia.

Fora com o dinheiro da venda dos equipamentos que Felipe investira na casa que comprou com o pai de Lilian.

Clóvis não sabia de nada.

 

O disparo atingiu em cheio a cabeça de Daniels no exato momento em que ele ia beijar Anny.

O projétil atravessou a parte detrás e saiu na região do olho esquerdo, arrancando-o e deixando no lugar apenas um buraco, um enorme buraco, equivalente a três vezes o tamanho do olho.

O impacto fora tão violento que o empresário escorreu pelo corpo da dançarina como se fosse o próprio sangue, que já jorrava em jatos por todo o seu corpo e atingia também o dela.

Eram 2h48 de 09 de agosto de 2008.

Anny arregalou os olhos desesperada e olhou para todos os lados tentando ver de onde viera o tiro. Por fim, descobriu aquele homem de chapéu e jaqueta preta de couro, que guardava a pistola.

O suspeito estava a poucos metros deles.

Não deu para vê-lo antes, quando se aproximou, porque estava envolvida com os carinhos de Daniels e não era comum aquele tipo de crime ali, já que apenas empresários com dinheiro, vindos de Wall Street, frequentavam a boate Private Sky, onde ela trabalhava como dançarina, no centro de New York.

Anny tinha Daniels ainda como escudo quando viu o atirador, mas o homem não esboçava intenção de matá-la. Se tivesse, o teria feito sem se preocupar, como executara o empresário à queima roupa há pouco.

Assim que fez o disparo, ele guardou a arma na cintura e voltou para o carro.

Estava tranquilo e isto deu a Anny a impressão de que o crime fora encomendado.

O homem era alto, forte, musculoso. Aparentava 30/35 anos. Ela notou que andava mancando a perna esquerda.

Mas o que mais ficou marcado para Anny foram os olhos grandes e o bigode grosso.

O suspeito a olhou com extrema frieza.

Tanto que ela achou que ele fosse matá-la também após ela tê-lo visto.

Não era mesmo o que ele tinha em mente, conforme se comprovou depois.

Assim que entrou no carro, olhou para ela fixamente mais uma vez e acelerou. Havia outras duas pessoas no mesmo veículo. Anny não identificou se eram homens ou mulheres.

Assim que o carro arrancou, as pessoas começaram a chegar para o socorro.

O tiro ocorrera bem na entrada da boate.

Rapidamente chegaram vários homens fardados em pelo menos cinco viaturas. Investigadores da polícia de New York vieram interrogá-la antes que Anny tivesse tempo sequer de se limpar do sangue de Daniels.

- O que você viu?, perguntou o investigador Arthrus, que parecia comandar a operação.

- Não vi nada. Estávamos abraçados aqui. Íamos para o hotel. Daniels esperava o manobrista trazer o carro dele.

Anny resolveu ser cautelosa nas informações.

Não falaria nada sobre o homem suspeito até ter certeza de que não correria riscos.

Ela era nova na atividade, mas já aprendera.

Desde que chegara a New York fora ensinada pelas colegas da boate a evitar a polícia.

Normalmente, os policiais não as respeitavam e gostavam de tirar vantagens. Se descobrissem que estavam ilegais no país, faziam de tudo para deportá-las de volta às suas origens.

Anny se apresentava no pole dance e fazia programas com frequentadores.

Era a forma de ganhar algum dinheiro, pois só o salário da boate não era suficiente. Mas, mesmo com os polpudos pagamentos dos empresários ricos que frequentavam a boate, pelo menos 60% do programa ficava com a casa.

Loira, alta e com seios fartos e traseiro empinado, ela tinha o padrão que agradava aos empresários que costumavam pagar muito bem pelas mulheres com quem se divertiam.

As colegas na Private Sky eram todas de corpos esculturais como Anny, embora a vida que levassem não lhes desse condições para manterem aqueles corpos por muito tempo.

Mas não era interesse do dono da boate, Agnus, que elas mantivessem. Ele vivia trocando as dançarinas. A maioria era imigrante do Brasil, do Caribe e do México. Estava acostumado a explorá-las.

Elas vinham desesperadas à procura de emprego e normalmente estavam ilegais. Ele as ajudava com a documentação e exigia turnos alongados e a prostituição em troca.

Agnus tinha ainda um acordo com policiais para não as levar enquanto servissem a ele.

Como nem todas aguentavam aquela vida por muito tempo e a oferta de mão de obra era grande, as trocas eram comuns e cada vez mais rápidas.

A saída era conseguir cair nas graças de algum empresário para ter uma vida diferente, o que era extremamente difícil. Todos os homens que vinham à boate ou pelo menos 99% deles eram casados e não estavam interessados em nada além de sexo e diversão por uma noite.

Daniels a conhecera naquela noite.

Era moreno, bonito, carinhoso, de fala fácil.

Dissera a ela que era dono de uma corretora que atuava na Bolsa de Valores.

O empresário era o tipo que Anny gostava: era atraente, simpático e tinha muito dinheiro.

Se ela tinha de fazer programas, que fosse com alguém assim, pensava. Para ela, seria menos traumático ou menos sofrido.

- A senhorita terá de depor sobre o crime depois de amanhã, está tudo bem?

Arthrus tentava se tornar próximo dela.

Quando percebeu o decote mais exposto por ter se abaixado para assinar o depoimento inicial, Anny puxou a blusa para cima.

O investigador fechou a cara em seguida e disse que o depoimento seria às 14h.

Agnus quis saber como acontecera, mas ela não avançara em nada além do que falara à polícia, afinal seu patrão não era confiável.

Muito menos amigo das dançarinas.

 

Anny dividia um quarto em um hotelzinho barato na periferia com Susan, uma assistente social magra, sem os mesmos atributos que ela.

A companheira de quarto era profunda observadora de pessoas. Por conta do seu trabalho, se acostumara a bater o olho sobre alguém e saber o que pretendia de fato e o que não pretendia.

- Esse homem não vai te deixar em paz Anny. Tome cuidado. Ele sabe que você pode identificá-lo para a polícia. Não vai querer correr riscos.

- Se ele temesse que eu o denunciasse, teria me matado junto com o Daniels. Ele só olhou para mim com muita frieza. Mas não esboçou nenhuma atitude de agressão.

- Eu sei. Talvez ele tenha dito a você com esse olhar que você não faça nada de que possa se arrepender. Sabe, um aviso velado?

- Sim. Talvez seja isso. E eu não falei nada mesmo aos policiais. Não sei o que pode acontecer. Também não sei quem é esse homem.

- Continue sem saber, é melhor.

- Você tem razão.

- Mudando de assunto, sabe aquele meu paquera do trabalho? Aquele negro poderoso de que te falei? Aquele que deve ter uma pegada...

As duas riem.

- Sim, eu sei. Fisgou o cara?

- Sim, vamos jantar hoje. Acho que de hoje não passa. A Foz do Iguaçu precisa desaguar.

As duas voltam a rir.

Susan brincava com a queda d’água mais famosa do Paraná desde que conhecera um brasileiro de lá, que, segundo ela, era de inundar qualquer mulher mesmo.

Assim que Susan saiu, Anny ouviu um barulho estranho. Achou que fosse a companheira de quarto que tivesse esquecido alguma coisa e abriu a porta para ver.

Ao se defrontar com aquele homem que atirara em Daniels, ela se desesperou e tentou fechar a porta novamente, mas o braço musculoso dele a impediu e ele passou a forçar para entrar.

Vendo que não o venceria, Anny deu um tapa nos olhos dele e largou a porta, correndo em seguida para o quarto, trancando-se.

O homem ficou sem enxergar de pronto, o que deu tempo a ela de escapar.

Logo depois ele estava na porta do quarto.

Enquanto ele batia na porta, ela foi colocando todos os móveis que conseguiu na frente para barrá-lo de alguma maneira.

- Eu só quero conversar com você.

- Conversar o quê? Eu não tenho nada para conversar com você. Vá embora ou chamo a polícia. Vá embora, estou falando sério.

- Estou aqui exatamente por causa disso. Se procurar a polícia ou disser algo sobre mim, eu vou atrás de você até o inferno e te mato. Você entendeu o que eu disse? Eu te mato.

Os olhos de Anny pareciam querer saltar dos glóbulos de tanto que se mexiam.

Ela não sabia o que fazer.

- Eu não disse nada quando a polícia chegou e não vou dizer em nenhum momento.

- Eu sei que não disse, mas estou de olho em você e não hesitarei em estourar os seus miolos.

Anny começou a chorar.

- Por favor, eu não fiz nada. Não vou fazer nada. Pode ficar tranquilo...

Enquanto ela falava sem parar, percebeu que tudo estava em silêncio do outro lado.

Então parou de falar e passou a ouvir.

Silêncio total.

- Acho que foi embora, disse em voz alta.

Começou a afastar os móveis que empurrara para perto da porta e, ao encostar a cômoda na outra parede, sentiu tocarem nas suas costas.

A dançarina quase desmaiou.

- Estou confiando em você, disse o homem que matara Daniels e que estava dentro do quarto agora e ela não sabia como ele tinha entrado.

Anny só conseguiu dormir quando a companheira de quarto retornou.

No dia seguinte, o investigador Arthrus foi incisivo e duro com ela:

- Se a senhorita não falar a verdade, eu vou deportá-la para o Brasil. É isto o que a senhorita quer?, gritou ele após ela repetir que não sabia de nada além do que já dissera havia dois dias.

- Eu sei que a senhorita sabe mais do que está falando e não vou ser bonzinho se descobrir que estou certo, a senhorita entendeu?

Assim que pronunciou a última palavra, o investigador deu um murro forte na mesa.

Assustada, Anny acabou soltando a língua.

- Está bem, está bem. Eu vou falar. Eu vi o homem que atirou, mas não sei quem é.

- Como ele é?

Anny descreveu o homem e toda aquela cena.

Acabado o depoimento, quando se dirigia ao seu carro, na saída da delegacia, a dançarina percebeu que estava sendo seguida.

Olhou e viu à distância o homem que matara Daniels. Ela apertou o passo e ele também, mas conseguiu entrar no carro antes que fosse alcançada. Não pestanejou e arrancou.

O homem começou a persegui-la.

Ele dirigia um carro das empresas U.S. Bank Cort, uma grande financeira de New York.

Anny fica intrigada:

- Será que ele trabalhava nessa empresa ou será que ele roubou o carro para persegui-la?

O homem se aproxima e ela acelera. Ela vira uma esquina, ele vira atrás. O desespero toma conta da dançarina rapidamente. A condução do veículo já começa a se tornar difícil para ela.

Quando o carro do homem está bem próximo dela, ele saca a mesma pistola do crime e faz pontaria para ela. Anny tenta jogá-lo para fora da pista, batendo o seu carro no dele.

O homem sai da pista, mas consegue voltar.

É ele agora quem bate no carro dela.

Anny acaba perdendo o controle e se choca em uma árvore. Em seguida capota, despencando em uma ribanceira cheia de mais árvores.

O carro derruba algumas e em outras bate e muda a sua trajetória, até parar de rodas para cima no final do penhasco.

Anny consegue sair do lado oposto da estrada e rasteja para o matagal que fica logo depois.

O homem olha lá de cima e não a vê.

Em seguida, o carro explode e se incendeia.

Algum tempo depois, Anny consegue se levantar e caminha por uma trilha.

Ela segue olhando sempre para trás a fim de checar se o homem que matou Daniels não a seguia e então topa de frente com alguém.

O susto da dançarina é tamanho que ela desmaia e cai para trás sem reação.

A pessoa com quem ela topou não era o homem. Trata-se de uma mulher morena, não muito alta, magra, com brincos de ouro grandes e alguns colares também de ouro, muito bem-vestida. É essa a visão que Anny tem ao acordar.

- Quem é você?, a dançarina pergunta assustada e ainda olhando para os lados.

- Sou uma amiga. Meu nome é Jacqueline Johnson. Venha, venha comigo. Vou te levar para ser medicada. Você se machucou muito.

Pouco depois Anny recebe os cuidados médicos em uma clínica e a mulher desaparece.

Ela pergunta sobre a mulher, mas ninguém na clínica sabe nada dela ou, se sabiam, não quiseram dizer para a dançarina.

 

- George, venha aqui, grita a diretora do orfanato Santa Philadelphia, na periferia de New York, que fora construído em uma casa grande de uma antiga fazenda de gado.

É final da tarde de 22 de junho de 2016.

O menino de rosto redondo, olhos expressivos, grandes e profundamente azuis, olha na direção daquela mulher gorda e baixinha, a senhora Glade, e fica irritado: a voz dela o incomoda.

Ele está a uma boa distância dela.

- Venha George. Preciso que conheça uma pessoa. Vamos meu principezinho.

George tem pouco mais de oito anos.

É um dos mais levados meninos do orfanato, mas é também um dos mais bonitos.

Ele é chamado de Principezinho da Miséria devido aos olhos azuis e à sua condição de abandonado. Quem o chama assim são Ághata e Bárbara, duas assistentes sociais que atuam no orfanato como voluntárias. Mas elas são sempre repreendidas por Susan, a assistente-chefe, que entende o apelido como uma forma de preconceito que poderá prejudicar o menino.

- Sim, dona Glade, o que a senhora quer?

- Venha aqui George, venha.

Quando o menino chega à sala da diretoria, ela está na companhia de uma mulher morena, não muito alta, magra, com brincos de ouro grandes e alguns colares, muito bem-vestida.

Ele as olha e abaixa a cabeça envergonhado.

- Não precisa ficar tímido George, diz a diretora. – Quero que conheça dona Jacqueline Johnson e aponta para a mulher.

- Olá George, diz a estranha.

- Olá, responde ele muito envergonhado ainda.

A mulher o abraça e depois se senta ao seu lado.

Eles conversam por alguns instantes.

- E então o que achou?, pergunta a diretora.

- Eu gostei dele. Acho que vai dar certo. Só preciso acertar com meu marido.

- Mas ele sabe da sua intenção?

- Sabe sim, e ele concorda. Há muito tempo queremos isto. Só faltava encontrar o menino.

- Que bom. Fico feliz que tenha gostado do George. Ele é um bom menino.

- O que a senhora quer dizer dona Glade?, pergunta George intrigado com a conversa.

- Estou querendo dizer que a dona Jacqueline Johnson quer adotá-lo. Você vai ter um novo lar. Você quer ter um novo lar George?

O menino arregala os olhos e sai correndo da sala como se fugisse de algo muito perigoso.

A visitante fica assustada com a reação.

Mas a diretora a tranquiliza:

- Não se preocupe. Ele só está assustado. Eu vou trabalhar isso. Na próxima visita, será melhor.

- Será que ele não gostou de mim?

- Não, não é isso. Ele sofreu muito bullying aqui por ser assim tão bonitinho, de olhos azuis. Fica assustado. Acha que todos querem o seu mal. Mas logo verá que a senhora lhe dará o melhor lar que ele poderia ter na vida.

- Sim, meu marido é empresário de Wall Street e temos uma condição financeira confortável. Poderemos dar a ele uma vida que ele nunca sequer sonhou em ter.

- Eu sei, eu tenho certeza disso.

Quando a visitante vai embora, Glade tenta conversar com George, mas ele evita.

Só quem consegue conversar com ele é Susan. Ela o acompanha desde o início. Tem muita influência sobre ele. E é quem o defende.

- George, será bom para você ter um novo lar. Todos aqui querem ter uma família.

- Minha família são vocês. Não preciso de outra. Eu não quero ir embora com essa mulher.

A assistente social o abraça com delicadeza.

Após algum tempo fazendo carinhos nos seus cabelos, Susan nota que o menino dorme.

No dia seguinte, quando Ághata e Bárbara vão ao dormitório levam um susto:

- Susan, Susan, corra aqui, elas gritam.

Susan vem rapidamente.

- O que aconteceu?

- George sumiu.

 

Anny voltara a trabalhar na boate Private Sky. Depois da perseguição que sofrera do homem que havia matado Daniels, o dono de uma corretora que atuava na Bolsa de Valores, ela desaparecera por quase um mês.

A amiga Susan havia arranjado um trabalho para ela na Filadélfia e por lá ela ficou até as coisas se acalmarem, mas o dinheiro era pouco e ela sabia que na boate conseguiria bem mais.

No primeiro dia após o retorno, quando Anny se dirigia à garagem da boate, que ficava no terceiro andar, ela viu um homem de chapéu e jaqueta de couro preta parado perto do seu carro.

Não imaginou que fosse o seu perseguidor, mas não quis saber quem era também e correu para entrar rapidamente no veículo.

Quando tentava abrir a porta, ela foi puxada para trás com força e jogada ao chão.

- Então você sobreviveu àquele acidente?

Ele disse enquanto sacava a mesma pistola do dia do assassinato de Daniels.

- Eu não fiz nada. Por favor, não me mate.

- Não fez nada? E o que você disse àquele policial? Isso é nada para você?

- Eu fui obrigada. Eles me forçaram. Eu juro, ela diz chorando enquanto tenta se levantar.

- Mentira, ele grita. - Eu sei de tudo o que aconteceu lá. Você falou porque quis. Mas eu tinha dito a você que não falasse, não disse?

- Desculpe, não foi por intenção. Eles me pressionaram. Mas não aconteceu nada com você. Você está aqui livre e solto.

- Eu vou te matar agora para você não falar mais nada a ninguém, entendeu?

O homem se aproxima da dançarina e empurra-a novamente para o chão.

Em seguida, aponta a pistola para ela.

A distância que está da mulher é suficiente para que ela reaja, mesmo deitada no chão, com um chute forte no meio das pernas dele.

O homem é surpreendido com a reação e tem de se agachar para conter a dor.

Enquanto isso, Anny se levanta e corre em direção à sua bolsa, que caiu quando ela fora puxada para trás. De dentro da bolsa, ela puxa um revólver e o aponta para o homem.

Ele levanta as mãos e joga a pistola no chão.

Anny caminha em direção a ele apontando o revólver e o homem vai se afastando.

Sem perceber, ele atinge o final do piso da garagem e despenca dois andares abaixo.

O homem foi socorrido e sobreviveu, mas ficaria internado por três meses devido às fraturas que adquiriu com a queda.

Quando se livrou desse perseguidor, ela começou a ser perseguida por outros homens que deviam ter ligação com aquele.

Mas estes eram menos agressivos que o primeiro e ela conseguia ir driblando-os.

Apesar do risco e das dificuldades, era importante para Anny trabalhar na boate por causa dos polpudos pagamentos que recebia.

Os empresários, banqueiros, corretores, todos os frequentadores da boate, eram homens que ganhavam muito dinheiro e dinheiro fácil. Por isso, não hesitavam em gastar demais também.

Anny estava acostumada àquela vida.

Mas no dia 15 de setembro de 2008, uma segunda-feira que ficou conhecida como segunda-feira negra, o banco Lehman Brothers, que havia sido fundado em 1850, quebrou. Ele era um dos bancos mais tradicionais dos Estados Unidos e a sua quebra desencadeou uma crise financeira que se espalhou para o mundo.

As bolsas de valores despencaram.

A causa desse desastre tinha começado dez anos antes quando o governo liberou créditos de forma desenfreada, mesmo para pessoas que não tinham condições de arcar com as parcelas.

Com o volume tão alto de hipotecas, os bancos uniram os contratos de alto risco aos de baixo e passaram a utilizar os imóveis como garantias, mas os devedores não arcaram com os seus compromissos e foram provocando um efeito dominó que abalou a economia, com desemprego e afastamento dos investimentos.

Anthony era um dos investidores desse mercado e perdeu milhões com a quebra da bolsa. Ele estava totalmente descontrolado.

Saiu do escritório em Wall Street e foi para a boate Private Sky para tentar relaxar.

- Garçom, me mande um uísque, por favor.

Anny foi designada por Agnus para acompanhar o empresário. Ela foi simpática, agradável e atenciosa, mas Anthony não estava para bons amigos. Ele estava possesso.

- Garçom, mais um uísque, por favor.

E assim se seguiram várias e várias doses.

Até quando ele já estava bastante alterado e convidou Anny para saírem dali. Seus problemas estavam longe dele agora. A bebida o deixara livre, leve e solto para uma noitada.

O empresário carregou a dançarina para um hotel que atendia a boate e lá, depois de melhorar da bebedeira, eles transaram na varanda se mostrando a quem quisesse ver.

A direção do hotel ligou para o apartamento para pedir que eles se recolhessem, mas Anthony não queria saber de absolutamente nada.

- Fodam-se vocês. Eu estou pagando. Chio.

Ele também não aceitou o pedido de Anny para que ele usasse camisinha, mesmo com toda a insistência que ela demonstrou.

- Não vai usar. Eu não estou doente. Não, ele gritou com ela e Anny ficou assustada.

A dançarina não teve reação.

 

Passada a noite toda à disposição do empresário, Anny praticamente desmaiou no dia seguinte e dormiu até o final da tarde.

Quando se levantou, Susan bateu palmas.

- Finalmente mocinha. Pensei que ia dormir até amanhã. O que aconteceu?

- Su, nem te conto, ela disse.

Mas acabou falando em detalhes o que aconteceu e só aí se deu conta do que fizera.

- Meu Deus, você é louca?

- O que eu podia fazer?

- Poderia negar. Era isso que deveria ter feito. Você não tem ideia do risco que correu.

- Mas ele é um empresário riquíssimo. Não acho que se enfiou em alguma encrenca.

- Sei não.

Duas semanas depois, Susan chega em casa e encontra Anny desesperada.

- O que foi que aconteceu?

- Minha menstruação está atrasada.

- Como assim?

- Eu estou preocupada Su.

- Vamos fazer o teste de farmácia.

- Será?

- Claro, precisamos saber.

Ao sair do banheiro, Anny estava com uma cara pior que a que entrou.

- Deu positivo.

- O quê?

- Sim Su, eu estou grávida.

- Meu Deus.

- E agora o que eu faço?

- Agora você vai procurar o cara e pedir ajuda.

- E você acha que ele vai me ajudar?

- Ele tem de ajudar. Ele é o responsável. Se não ajudar, você ameaça.

- Como assim?

- Sei lá, descubra o que ele tem a perder e use isso contra ele para forçá-lo a ajudar.

 

Quando Anny procura Anthony, ele nem se lembra de quem ela é ou se esteve com ela.

Eles estão no bar da boate.

O empresário pegara um uísque.

- O quê? Quem é você? De onde eu te conheço?

- Olha aqui Anthony, eu preciso da sua ajuda para resolver isso. Não posso ter esse filho. Mas não tenho como resolver sozinha.

- Minha filha, dane-se. Eu não tenho nada a ver com isso. Se você não se cuida, o problema...

- Como não me cuido? Você me obrigou a não usar a proteção. Não se lembra mais?

- Não, não lembro.

A dançarina joga no rosto dele o copo de uísque que ele tomava e que estava no balcão.

O homem fica irritadíssimo.

Susan a aconselha a pesquisar sobre os pontos fracos do empresário para usar contra ele.

As duas vasculham tudo o que podem.

- Pior é que não tem nada, diz Susan. – Ele é dono das empresas U.S. Bank Cort, uma grande financeira de New York. Tem negócios imobiliários aos montes. É dono de um hotel...

- Espera, espera. Você disse que ele é dono das empresas U.S. Bank Cort?

- Sim, mas o que tem isso?

- Aquele homem, o Yohanson, que eu fiz cair da garagem da boate, lembra?

- Sim, lembro. O que tem isso?

- Ele me perseguiu usando um carro das empresas U.S. Bank Cort. Isto quer dizer que o Anthony pode ter mandado matar o Daniels.

- É, não tinha pensado por aí. Mas ele pode ter roubado o carro. Precisa ter certeza disso.

- Sim, vou ter.

No dia seguinte, Anny entra na casa saltitante com a informação que descobriu.

- Tenho duas boas notícias.

- Vai, fala logo. Fala.

- O Yohanson vai continuar internado por pelo menos mais três meses porque a perna que ele mancava quebrou em três lugares e a recuperação não se consolidou ainda.

- Muito bom isso.

- E a outra informação é que ele é diretor de operações da U.S. Bank Cort.

- Pegamos o cretino então.

- Yes.

 

A dançarina volta a se encontrar com Anthony e o ameaça agora com a informação sobre o atentado que matou Daniels.

O empresário ri.

- Você está louca. Eu não tenho nada a ver com isso. É uma invenção sua.

- Não senhor, não é invenção minha. Eu fui perseguida por um carro da sua empresa com o seu diretor de operações e eu vi o seu diretor matar o Daniels. Basta pegar as imagens das câmeras de segurança da perseguição e o retrato falado que dei à polícia quando prestei depoimento.

Anthony fica confuso.

De fato, as informações poderiam incriminá-lo, mas ele se sairia bem com seus advogados.

- Vá à merda, ele diz e encerra a conversa.

Depois procura os seus advogados para se inteirar do que seria possível fazer.

Os advogados o aconselham a fazer um acordo com ela e pagar para ela tirar a criança.

O empresário vai ao hospital para falar com Yohanson e o seu executor de ordens sentencia:

- Não corra esse risco chefe. Engane-a. Diga que vai bancar para tirar o bebê e mate-a.

Anthony olha pela janela e diz:

- É o que eu vou fazer.

 

Anny tem dúvidas sobre a sinceridade do empresário, mas não tem alternativa.

Ela aceita que ele coordene tudo.

Fica combinado que um carro irá buscá-la e que a levará até a clínica onde o aborto ocorrerá.

Susan fica de sobreaviso e combina com ela que passe cada passo do processo por telefone.

A assistente social vai com ela até a clínica.

- A senhora não pode acompanhá-la, diz um dos funcionários de Anthony que vieram buscá-la em casa. Eram dois homens e o motorista encarregados de cuidar de tudo.

- Por que não posso? Ela vai passar por um procedimento muito invasivo. Precisa de alguém próximo para ampará-la quando sair.

- Cuidaremos de tudo. Doutor Anthony já nos disse como fazer. Pode ficar tranquila.

- Não, eu não vou ficar tranquila com minha amiga nessas condições.

A insistência de Susan e o fato de ela ser assistente social fazem com que ela possa acompanhar o processo indo até a clínica, mas ela não poderá entrar na sala de intervenção.

Na antessala, Susan fica em contato com Anny pelo celular enquanto ela aguarda.

- A senhorita será sedada agora para o procedimento, diz uma enfermeira.

Anny avisa Susan.

Enquanto aguarda na antessala, Susan resolve ir ao banheiro, que fica do lado do banheiro masculino, onde estão os dois homens que acompanharam o transporte de Anny.

Eles conversam sobre os próximos passos.

- Ela vai ser sedada. Aí entramos e levamos ela para a desova. Vai morrer dormindo.

- Como um anjo.

Os dois riem.

Susan fica desesperada.

Ela precisa tirar Anny de lá antes.

A assistente social começa a pensar em como fazer e não encontra uma maneira.

Mas, ao olhar para o teto, ela nota o dispositivo para disparar o alarme de incêndio e jorrar água no ambiente e resolve usá-lo.

Susan sobe no balcão da pia e esquenta o dispositivo até o alarme disparar e começar a jorrar água em cima dela.

A sirene toca na clínica toda.

Ao sair do banheiro, Susan percebe a correria de todo mundo para controlar o suposto incêndio.

Enquanto isso, ela invade a sala de intervenção e retira Anny de lá sem que ninguém perceba por causa da movimentação.

As duas pulam uma janela lateral para não passar pela recepção novamente.

Em seguida, se embrenham no mato e fogem.

Susan leva-a para o orfanato Santa Philadelphia, na periferia de New York, onde ela trabalha como assistente social chefe.

Em um dos quartos dos fundos, sem que ninguém veja, Anny fica até o bebê nascer.

George é um garotão de rosto redondo, olhos profundamente azuis e um sorriso fácil.

- Vai se chamar George, Anny diz para a assistente social, que se encarregará do registro.

Isto porque o menino nasceu em meio à plantação de milho que o orfanato mantém nos fundos da propriedade e George quer dizer vindo da terra como um fruto que nasce da terra.

Os primeiros dias são de muito amor entre mãe e filho, mas Anny tem consciência de que não poderá cuidar dele sozinha e escondida.

- Deixe-o aqui para adoção, sugere Susan.

- Eu não sei Su. Eu não sei se tenho coragem. Amo o meu filho. Nem sei como queria tirá-lo.

- Mas não tem como cuidar e aqui ele estará bem porque o lugar é bom. Eu conheço.

Com muita relutância, Anny concorda.

George é deixado no orfanato e Anny desaparece conforme orientação de Susan.

 

Quando sumiu do orfanato, George se escondeu no caminhão que fazia o recolhimento de podas de árvores para sair.

O menino notou que o caminhão entrava sempre com dois funcionários: o motorista e um ajudante. Eles recolhiam os galhos e matos cortados e deixados amontoados. Depois iam até a cozinha filar um café com bolo que dona Mitie oferecia. Era sempre assim.

George aproveitou o momento em que foram à cozinha e se enfiou no meio dos arbustos.

Teve de esperar uma meia hora, pois a conversa na cozinha ou o bolo estavam muito bons.

Quando percebeu que já estava fora do orfanato, esperou o caminhão parar em um semáforo e saltou para o chão do lado da calçada.

Era a primeira vez que se defrontava com o mundo fora do orfanato. Acostumara-se a viver entre aqueles muros, a levantar-se no horário determinado, a tomar café, a ficar no pátio. Tinha horário para tudo e regras, muitas regras.

O único lugar onde se sentia um pouco mais livre era no banheiro, por incrível que pareça. George se sentava ali e viajava nos pensamentos. Ao menos até alguém bater na porta.

Enquanto olhava a rua com o interesse de quem nunca tinha visto uma, um homem esbarrou nas suas costas e o impacto quase o jogou no chão. George se irritou e se levantou rapidamente, mas, quando viu o tamanho do homem, perto de dois metros com certeza, resolveu baixar o tom e apenas olhar para ele.

- O que foi moleque?, perguntou o homem.

-  Nada, não foi nada.

- Então o que está olhando? Me achou bonito? Quer me levar para casa?

Bonito não era bem o termo para descrever aquele estranho. Ele era alto, perto dos dois metros ou talvez não fosse tanto, já que George era pequeno e isto pudesse dar uma impressão errada de que o outro fosse mais alto. O estranho tinha o rosto coberto por uma maquiagem pesada e vestia-se totalmente de preto.

George o olhava com curiosidade quando foi assustado novamente por ele.

O homem sacou uma faca enorme de dentro da calça e a colocou na garganta do menino.

Era impossível não sentir medo.

- Você quer morrer?

- Não, eu não quero. Por favor, não me mate. Por favor, eu não fiz nada.

Antes que o menino terminasse a fala, ele puxou a faca para o seu corpo e, colocando a mão na ponta dela, empurrou, sem se cortar, toda a lâmina para dentro do cabo.

Só aí George percebeu que se tratava de uma faca falsa, mas ela brilhava bastante.

- Qual é o seu nome garoto?

- George.

- O meu é Trannus. Prazer, disse ele estendendo a mão para apertar a do menino.

Os dois se sentaram automaticamente no meio-fio e passaram a conversar.

George não contou que fugira do orfanato.

Disse que era da região, embora o outro não o tivesse visto antes, como relatou.

O homem não era na verdade um homem. Ao menos não na concepção de que George tinha. Era um adolescente que parecia um homem feito. Tinha barba rala, mas tinha e a altura.

Trannus contou a ele que era artista de rua.

Fazia poesia, música e mágica.

Apresentava-se nas ruas por alguns trocados com os quais vivia. Não tinha família. Nenhum parente próximo. Fora largado na rua, contou com certa melancolia, olhos marejados.

George se identificou com a história.

Também fora largado no orfanato.

Só aí o menino se sentiu mais à vontade para falar do orfanato, mas ainda não disse que fugira. Contou apenas que tinha estado em um antes porque também fora largado pela mãe.

O pai nem conhecera, mas sabia por ter ouvido assistente social chefe que seu pai era um empresário milionário de Wall Street.

- Uau, você é filho de um magnata de Wall Street? Verdade isso mesmo?

- Não sei se é verdade e nem sei o que quer dizer para ter dito uau, mas preciso descobrir.

- Wall Street é o centro financeiro desse país garoto. Lá ficam as maiores fortunas dos Estados Unidos. Se você é filho de algum daqueles caras não é à toa que esteja aqui na rua.

- Por quê?

- Porque aqueles caras não ligam a mínima para nada. Não iam ligar para você.

George abaixou a cabeça chateado com a informação do estranho, mas sabia que era verdade o que ele dizia.

Trannus percebeu.

- Ei garoto, não fique assim. Você não tem culpa. E sua mãe quem era?

- Pelo que a Susan disse, ela era dançarina em uma boate e conheceu meu pai lá.

- Nossa, então você está a pé mesmo. Vive com quem agora? Hein, garoto?

George ficou sem ação por um instante.

- Vamos, diga. Com quem vive? Fale.

- Eu, eu, eu.

- Você fugiu do orfanato, não é?

- Não, grita George. – Eu só...

- Você fugiu sim. Eu conheço isso. Mas calma. Não vou fazer nada. O que pretende agora?

- Eu quero encontrar os meus pais. Se meu pai é um homem milionário, ele tem de me ajudar.

- Pare de se iludir garoto.

Assim que pronunciou a frase, Trannus caiu de boca no chão rachando o lábio inferior. O sangue escorreu pela sua roupa.

O tombo ocorreu depois de um soco que ele levou de um dos quatro homens que os cercavam agora e que continuavam a agredi-lo.

O menino se afastou com medo.

Mas os quatro estranhos intensificaram a surra que haviam começado a dar em Trannus.

George não sabia o que fazer.

Não tinha condições de enfrentar os quatro e não se sentia motivado a isso. Ele mal conhecia Trannus. Não fazia ideia do porquê ele apanhava. Mas pensou que não podia deixar que continuassem a bater nele. Do contrário, o rapaz morreria de tanto apanhar, ainda que fosse alto.

George pensou por alguns instantes no que fazer e nada lhe ocorria. Até que viu uma barra de ferro jogada a um canto da calçada.

O menino não pensou duas vezes.

Apanhou a barra e partiu para cima do grupo.

Como eles não esperavam que George os agredisse, o maior deles foi atingido com força nas costas e o impacto o derrubou sobre o outro.

A dor nas costas o impediu de qualquer reação.

Os outros dois que não tinham caído tentaram partir para cima de George, mas Trannus derrubou um deles e o outro acabou levando um golpe da barra de ferro que o menino trazia.

Resultado: os quatro resolveram bater em retirada antes que as coisas ficassem piores.

O primeiro atingido foi praticamente arrastado pelos outros. O último também mancava. Mas os dois que não se machucaram gritaram que se vingariam.

- Você é bom de briga garoto, diz Trannus tentando ajustar o lábio novamente.

O sangue ainda não parara de escorrer.

- Eu tinha de fazer alguma coisa. Por que eles te batiam? Quem são eles?

- É uma parada sinistra. Mas, irmão, você ganhou um amigo agora. Vou te ajudar. Conte comigo para sempre. Vou te ajudar.

Trannus nem bem terminava de dizer a frase e outra surpresa os assustou:

- Ele não vai precisar de ajuda não, disse Bárbara, uma das assistentes sociais do orfanato. Ao lado de Ághata, ela deteve George. As duas levaram o menino de volta.

Trannus não pode fazer nada.

Mas ele se informou onde era o orfanato.

Mais tarde, o novo amigo de George apareceu por lá e tentou resgatá-lo quando escurecia.

A nova fuga não aconteceu rapidamente.

Levou alguns dias até que arquitetassem um plano infalível e que conseguissem distrair a atenção das assistentes sociais.

Quando conseguiram, era tarde da noite já.

Os dois se esconderam em um beco da cidade.

O lugar escuro, úmido e malcheiroso assustou George de início, mas ele estava disposto a encontrar seus pais e a cobrar uma vida melhor.

- Eu não pedi para vir a esse mundo. Se eles escolheram isto por mim, eles têm de se responsabilizar agora.

- Você está certo garoto.

- Eu não vou ser bom. Ninguém nunca foi bom comigo. Eu não vou ser piedoso. Nunca tiveram piedade de mim. Mas eu vou mostrar a eles o quanto eu posso ser um inferno.

 

As buscas pelo menino foram intensificadas.

Só que dona Glade não contava nem com o apoio da polícia para procurá-lo. Os policiais diziam que um menino a mais ou a menos perdido nas ruas de New York não mudava nada nem importava alguma coisa para alguém.

Os dois amigos passaram a viver nas ruas em troca da ajuda de quem passava.

Trannus cantava, recitava poesias, fazia discursos inteligentes enquanto George recolhia moedas e algumas notas que surgiam.

Parecia que nunca iam chegar aos pais dele.

Os dias iam ficando cada vez mais difíceis.

A disputa por espaço nas ruas era tão cruel quanto perigosa e a dupla vivia se esbarrando na morte. Não dormiam direito, não comiam direito e não estavam mais valentes como eram.

Com fome, Trannus combinou com o amigo de furtarem comida de um restaurante.

Os dois invadiram os fundos do estabelecimento e encheram sacolas de comida.

Saíram sorrateiramente pelo mesmo lugar por onde entraram. Só não contavam com o flagra do dono. Com uma espingarda na mão, Donald apontava para os dois bem na hora que atingiram o quintal e pensavam e saltar o muro para o vizinho a fim de escapar definitivamente.

- Onde pensam que vão seus filhos da puta?, gritou Donald engatilhando a arma.

Os olhos arregalados dos dois era o sinal de fim da linha. Eles soltaram as sacolas, ergueram os braços para cima. Pediram calma.

O comerciante não pensava do mesmo jeito.

O primeiro disparo foi bem perto dos pés de George. Mas foi esse tiro que o fez decidir pela reação. Se ia morrer, então que morresse lutando. O menino fez sinal para Trannus e em seguida apanhou a sacola e a atirou no rosto de Donald.

Arroz, feijão e batatas se espalharam pelo chão dando tempo suficiente para que Trannus viesse com o golpe mais duro: ele bateu com uma barra de ferro nas pernas do homem, desequilibrando-o e fazendo-o cair em seguida.

A arma foi ao chão e Trannus a apanhou.

Os dois pularam o muro com a arma.

Quando já haviam saltado dois quintais e se sentiram seguros, Trannus deixou a espingarda no chão, atrás de um dos muros.

- Vamos, vamos correr, disse ele.

Os dois se preparavam para correr, já que agora tinham linha reta pela frente, mas foram impedidos por um carro muito bonito e grande.

Era uma BMW na cor cinza metálica.

Os dois olharam surpresos.

Não era um carro de polícia.

O que iriam querer com eles então?

De dentro da BMW desceu uma mulher morena, não muito alta, magra, com brincos de ouro grandes e colares, muito bem-vestida.

George a reconheceu.

Era Jacqueline Johnson.

Ela também o reconheceu.

- George?

- Dona Jacqueline?

- Sim, que bom te encontrar. Soube que fugiu do orfanato. Ainda bem que te encontrei.

Os dois estavam se afastando à medida que a mulher conversava com eles.

- Parem, ela ordenou. – Não fujam. Tenho uma oferta para vocês. Quero que ouçam pelo menos.

Trannus se interessou:

- O que é?

- Quero que venham trabalhar em minha casa. Sei que estão vivendo nas ruas. Eu posso oferecer uma moradia digna, comida, dinheiro.

- Não, eu não quero, disse George.

Trannus segurou o braço dele e disse-lhe ao ouvido que aceitasse, pois poderiam fugir de lá se não fosse aquilo. Nada os prendia mais.

George gostou da frase.

Em seguida, os dois entraram no carro e foram sentados ao lado de Jacqueline.

O motorista os conduziu até uma mansão.

- Vocês serão jardineiros. Agora Adamy, o meu mordomo, vai levá-los onde ficarão e lhes dará roupas novas. Tomem um banho.

Depois de se trocarem, a mulher levou George para fazer exames médicos.

Trannus não foi levado.

- Por que ele não vai?, perguntou George.

- Ele vai depois.

Os dois primeiros dias foram tranquilos.

Os amigos estavam gostando do lugar, mas ainda não tinham começado a trabalhar.

Estavam ansiosos com o que viria.

Parecia que os dias de sofrimentos acabaram.

George e Trannus estão conhecendo com Jacqueline os equipamentos com os quais vão trabalhar, quando Adamy entra no rancho dos fundos da casa e anuncia:

- Está tudo pronto, senhora.

- Os documentos todos?, ela pergunta.

- Sim, todos.

Jacqueline Johnson pede que os dois a acompanhem até uma das salas da casa.

Os dois ficam preocupados, mas vão.

Trannus retarda os passos com receio.

George não.

Ao entrarem na sala Jacqueline e George, eles veem uma mulher loira, alta, de seios fartos. Ela sorri ao ver o menino e chora em seguida, mas não para de contemplá-lo embevecida.

Trannus espera na porta antes de entrar.

 - George, esta é sua mãe Anny, diz Jacqueline apontando para a mulher loira.

Assim que dá a informação, Anny corre para o menino e o abraça apertado e o beija muitas vezes em várias partes do corpo, como se cada beijo reduzisse a saudade que sentia.

George não entende nada.

Jacqueline explica que a mãe dele fora obrigada a deixá-lo no orfanato por não ter condições de criá-lo sozinha, já que o pai a abandonou.

Nesse momento, entra na sala Anthony.

- Que merda é essa?, ele pergunta.

- Este é meu marido Anthony, o seu pai George. Foi ele quem abandonou a sua mãe e a fez colocá-lo no orfanato.

Anthony fica indignado com o que vê.

- Que merda é essa Jacqueline?, ele insiste.

- A merda é você quem fez Anthony. Você mandou o Yohanson matar Daniels. Achou que ele estivesse atrapalhando os negócios e estava mesmo. Mas os negócios sujos que você tem, como a venda de drogas para o México. Depois, você engravidou Anny e mandou matá-la também. Felizmente ela escapou e salvou o seu filho, que é este menino aqui.

- Você está louca Jacqueline.

- Não, não estou e vou entregar você à polícia.

- Isso aconteceu há muito tempo. A polícia já esqueceu disso tudo. Depois, você não tem prova de nada do que está dizendo.

- Tenho sim. Estão aqui os documentos que provam a sua paternidade. A Anny pode testemunhar contra você. Eu guardei também as imagens das câmeras de vídeo das perseguições. Você vai ter de reconhecer o George.

Inesperadamente, Anthony saca uma pistola e todos se assustam, recuando um para trás do outro. Mas o empresário pega Anny puxando-a para si e aponta a arma para a cabeça dela.

Depois se dirige à Jacqueline:

- Você acha mesmo que tem provas? Então vamos acabar com as provas. Vou matar todos vocês, todos. Anny será a primeira.

Quando Anthony empurra o cano da arma na têmpora de Anny e começa a apertar o gatilho, surpreendentemente ele recebe uma pancada forte na cabeça: Trannus entrara por trás sem ser percebido ao notar a situação e apanhara um vaso de ferro que havia na entrada da sala.

O homem cai no chão com o impacto.

Trannus apanha a arma e a aponta para Anthony dizendo que ele perdeu.

Anthony não se intimida. Saca um revólver do bolso detrás, surpreendendo a todos. Mas, em vez de atirar em Trannus, ele dispara contra a própria cabeça, explodindo os seus miolos.

Alguns dias depois do crime, Jacqueline Johnson traz o oficial de Justiça e o testamenteiro para informar sobre o destino da fortuna de Anthony e dos negócios da família.

Estão presentes George, Trannus e Anny.

A reunião acontece no mezanino da casa.

Como esposa, Jacqueline fica com 50% de tudo, mas o restante é destinado a George.

Em seguida, ela informa a Anny que teria de adotar George para que ele recebesse a fortuna. Na verdade, ela já fizera toda a documentação e Anny assinara sem saber do que se tratava. Jacqueline diz que ela, Anny, poderia continuar na casa, mas não tinha os poderes de mãe sobre o menino e que ela receberia um bom dinheiro por isso, caso quisesse, é claro.

- Não, eu não aceito. Não quero abrir mão do meu filho agora que o reencontrei depois de tantos anos. Desculpe, mas não posso, diz Anny.

- Então você terá de sair desta casa agora sem George e não receberá nenhum tostão.

Anny fica sem entender.

Então se levanta e diz que vai levar George com ela e que não aceitará nada de Jacqueline.

A mulher se levanta e vai em sua direção para tentar impedir que ela saia e as duas acabam se engalfinhando. Anny cai na parte debaixo, se estatelando no chão da sala morta.

Ao ver que a mãe morreu e o pai também, George fica enfurecido e parte para cima de Jacqueline para agredi-la tal é a sua raiva.

Ele já não gostara dela no orfanato.

Trannus sai detrás do oficial e do testamenteiro e atira contra a mulher.

Jacqueline morre antes de cair no chão.

- O que você fez Trannus?, pergunta George sem entender mais nada.

O rapaz começa a chorar e se ajoelha no chão.

- Eu não sei, diz ele. – Eu não sei. O que eu fiz?, ele aponta o revólver para a própria cabeça.

George o agarra e toma a arma dele.

O menino joga a arma para longe deles.

Depois, ele o abraça e diz:

- Agora somos só nós meu amigo. Fica comigo. Eu não sei mais o que estou vendo.

 

Logo depois do enterro da mãe e de Jacqueline Johnson, George está desolado.

Não sabe o que fará da vida.

Tem muito dinheiro, mas não tem os pais que tanto queria e sua vida virou de cabeça para baixo. A única coisa que lhe resta é o amigo Trannus, que continua lhe sendo fiel e companheiro, sobretudo agora depois das mortes.

George resolve procurar Susan.

Ela tinha sido amiga próxima da sua mãe e o tinha acompanhado o tempo todo no orfanato.

Talvez ela tivesse alguma lembrança, objetos, informações ou qualquer coisa da sua mãe que pudesse amenizar a sua dor.

Susan é solícita e o recebe com todo carinho.

Ela lamenta pelas mortes e mostra várias fotos, cartas da mãe dele com a mãe dela e alguns documentos do tempo em que Anny viveu como Lilian em Minas Gerais, no Brasil.

George fica emocionado ao ver todas aquelas lembranças e se sente mais próximo da mãe.

Quando o vê chorando sozinho, Susan o abraça e passa a mão nos seus cabelos, como fazia quando ele estava no orfanato.

- George, eu não ia dizer isso nunca, mas preciso te contar. Estou vendo o seu sofrimento por não ter mais os seus pais. Não posso deixar que isso continue dessa forma.

- O que está querendo dizer Susan?

- Quando sua mãe morou aqui comigo, nos tornamos muito amigas. Ela precisava de alguém com quem falar. Tinha chegado do Brasil em fuga de uma situação e vivia aos sobressaltos. New York não é uma cidade fácil.

- Sim, mas onde quer chegar?

- Como disse, nos aproximamos muito e acabamos nos tornando confidentes. Sua mãe me fez uma revelação logo depois que conheceu o Anthony naquela noite fatídica. Eu guardei isto comigo. Nunca disse nada a ninguém e não diria agora se não fosse o seu sofrimento, que estou vendo e sentindo também.

- Susan, você está me deixando nervoso.

- Sua mãe me disse que veio aos Estados Unidos grávida. O seu pai não é o empresário de quem você herdou toda essa fortuna. Seu pai é o ex-marido dela no Brasil: Felipe Araújo.

- O quê?

- Sim, ela fazia tratamento para engravidar. Acabou conseguindo ficar grávida, mas não sabia. Aconteceu quando eles brigaram e ela decidiu vir para os Estados Unidos.

- Mas e o Anthony?

- Ela não sabia que estava grávida quando o conheceu. Aí pensou que tivesse ficado grávida dele. Só que depois percebeu que não pelo tempo de gestação. Não podia ser do Anthony.

- Mas por que eu fui deixado no orfanato?

- As coisas não aconteceram como deveriam. Anthony não quis ajudá-la. Aliás, ele tentou matá-la. Eu ajudei sua mãe a se esconder perto do orfanato até você nascer. Depois aconselhei-a a deixá-lo lá. Eu estaria por perto e evitaria qualquer problema. Nunca imaginei que fosse acontecer tudo o que aconteceu.

- Susan, onde eu encontro o meu pai?

- Você não vai procurá-lo.

- Tenho de procurá-lo. Preciso resgatar minha história. Ver a minha vida pelos meus olhos.

 

 

Anote isto

Este é o terceiro episódio da série "Por dentro do olhar de George". Neste texto crio mais um pedaço da história e este tem o tom do terror. Na semana passada, a história tendia para ser uma história de amor. A dinâmica deste desafio é criar uma nova parte a cada semana, que complementa a anterior. Na primeira semana, a história era um drama policial. Semana passada inseri o romance. Agora o terror. A cada domingo vou trazer um viés diferente. O exercício visa mostrar que o autor pode mudar a história a qualquer momento inserindo novos acontecimentos. Veja a história da semana passada e a da semana retrasada no link: https://eloydeoliveira.com.br/por-dentro-do-olhar-de-george e compare com a que está exposta hoje.

Imagem da Galeria Quando o medo perturba quem tem dívidas a pagar
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