Olha quem está falando

24 de outubro de 2020

Olha quem está falando

Data de Publicação: 24 de outubro de 2020 12:39:00 Não aconselho nenhum político a responder as suas próprias redes sociais. A razão é uma só: a emoção pode levar a erros.

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SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO

Quando um político responde ele mesmo as suas redes sociais incorre em erro. É que é dificil separar a emoção e os seus conceitos na hora de escrever. Vejam como resolvi uma situação dessas.

 

 

Assim como não é aconselhável que um advogado defenda a própria causa, não é de bom tom que um político se manifeste ele mesmo em suas redes sociais. Por que digo isto? Pelas mesmas razões do advogado: a emoção toma conta e se faz besteira ou se mostra o que não se deveria mostrar estrategicamente falando.

Aconteceu com um dos políticos que assessorei e me trouxe à época uma grande dificuldade para resolver. Graças a uma ação de comunicação e de marketing político acertada, consegui reverter o estrago que ele causou. Mas deu trabalho e exigiu grande esforço para implementar a proposta que eu defendia para o político.

O caso ocorreu com o ex-prefeito de Sorocaba José Crespo (DEM) em 2016, quando ele ainda estava em vias de se tornar o candidato ao cargo e exercia o papel de vereador e líder do seu partido na Câmara Municipal, durante a votação do Plano de Educação que definiria ações no setor para os próximos dez anos.

Conservador e de extrema direita, o político votou contra a instituição de um terceiro banheiro nas escolas municipais para abrigar os alunos que não se definiam nem como homens nem como mulheres, que era defendido pela comunidade LGBTQI+ da cidade, mas não só: foi às redes sociais para debater o tema.

Ao justificar o seu voto no facebook, Crespo disse que não considerava os integrantes do movimento como normais e explicava: normal é aquele que segue normas. Como a comunidade LGBTQI+ não seguiria as normas que ele considerava as únicas corretas, seus integrantes eram anormais para ele.

A declaração gerou uma infinidade de protestos. Aliaram-se à comunidade, grupos que defendem os direitos humanos, ativistas que combatem o preconceito e outras lideranças também descontentes com a discriminação. O resultado foi que o vereador estava totalmente queimado nas redes e tachado de homofóbico.

Justamente quando isso acontecia, Crespo foi escolhido para ser o candidato a prefeito da maior coligação da cidade. O então candidato Renato Amary (MDB) desistiu de disputar por achar que processos a que respondia poderiam inviabilizar a candidatura na reta final. E aí, como reverter essa imagem para o eleitor?

O que me ocorreu de pronto foi que ele pedisse desculpas. Errar é humano e é passível de perdão. Deveria apenas demonstrar real arrependimento, porque a falsidade do gesto poderia ser pior que o ato que havia praticado. Mas ele não concordou: “Eu não errei: eles são anormais mesmo, porque não seguem as regras”, disse.

As ponderações eram baseadas na etimologia da palavra, mas eram também uma confusão. Afinal, o que é normal ou o que são regras estabelecidas não é o que norteia o desenvolvimento da sociedade. Vivíamos já uma nova realidade que precisava ser respeitada e, sobretudo neste caso, reparada por ele.

Como não havia a concordância, usei de um artifício que adquiri da observação de comportamentos. Sabia que ele era falastrão. O próprio episódio era resultado disso. Então pedi que o candidato dissesse de outra forma: em vez de reconhecer o erro, dizer que a palavra fora mal-empregada e aí o seu exagero corrigiria o resto.

Topado dessa forma, chamei representantes da comunidade para ouvi-lo a respeito e preveni que se explicaria sobre o termo “anormais” e se comprometeria a não o repetir mais, garantia que já havia combinado com o candidato. Então ele começou dizendo que empregara mal a palavra, fazendo-a soar como preconceito.

Crespo disse que não era preconceituoso e que não tinha nada contra a comunidade e os seus membros foram perguntando mais sobre os seus reais sentimentos. Orientado sobre a necessidade de não brigar e não ofender, ele foi tentando falar cada vez mais positivamente e acabou pedindo desculpas pela palavra.

Tudo foi registrado de ambos os lados e explorado posteriormente à exaustão, mas faltava a cereja do bolo. Era necessário mostrar na prática que não tinha preconceito. Para isto, o levamos a um bar da comunidade, onde se enturmou e conversou por quase uma hora. Estava resolvido o impasse.

A partir dali abrimos caminho para a primeira eleição de Crespo à Prefeitura de Sorocaba, um sonho que ele perseguia havia quatro pleitos já. A partir dali também, assumi todas as redes sociais dele e as respostas a serem dadas à imprensa escrita. Ele mesmo só respondia quando era tevê ou rádio, mas sempre orientado.

É claro que, pelo seu perfil, continuou gerando crises com a imprensa e dificuldades com os apoiadores, mas não foram esses erros que o tiraram do poder em 2019. Vendo Jair Bolsonaro dando trabalho para os seus assessores diuturnamente percebo o quanto pode ser danoso um político com esse perfil, mas eles existe

 

 

Fique sabendo

Todos os sábados tem um case novo neste espaço.

Veja mais sobre o significado das siglas e do movimento LGBTQI+ no link: https://bit.ly/34qZV0Fh

Imagem da Galeria Nunca deixe que a emoção ou seus conceitos pessoais afetem as redes
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