Voltar às aulas é chato

21 de fevereiro de 2021

Voltar às aulas é chato

Data de Publicação: 21 de fevereiro de 2021 21:48:00 UM MENINO QUE QUERIA SONHAR - No episódio de hoje trago uma história infantil do tipo era uma vez que são muito utilizadas ainda na literatura.

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Na conto de hoje, uma história infantil que mostra Marquinhos, um menino que se encantou com o sítio dos avós nas férias e não queria mais voltar para as aulas na escola da cidade e que fez de tudo para esse dia nunca chegar.

 

 

Era uma vez um menino que amou a vida no sítio dos avós e que não queria mais voltar às aulas depois de passar férias lá. Marquinhos sempre visitava os pais da sua mãe Lucinda, mas nunca havia passado um tempo tão grande na companhia deles. Aos 8 anos, o menino descobriu que viver no sítio era muito melhor do que viver na cidade. 

Não foram só as brincadeiras e os bichos do lugar que encantaram Marquinhos.

Ele gostou de aprender coisas como tirar leite direto da vaca e chupar manga dependurado no pé.

Por isso, voltar às aulas era uma coisa chata para ele.

 

Tudo começou no sábado de manhã quando o menino brincava no chão da cozinha enquanto sua avó Elza começava a fazer o café.

A luz do sol pegava diretamente sobre uma tampa de seta de caminhão.

Redonda, na cor alaranjada, ela fora amarrada pelos buracos dos parafusos. Agora estava como se fosse uma cesta. Os fios que a sustentavam passavam sobre um caibro do teto.

 À outra ponta, com o corpo todo dobrado sobre as pernas, Marquinhos soltava a linha.

A peça descia lentamente.

A alça feita pela amarração nos furos fazia ela girar enquanto ia descendo ao chão.

Os raios de sol que batiam na tampa vinham da velha janela de madeira da cozinha da casa.

A luminosidade refletia-se pelo ambiente à medida que a tampa ia girando.

Olhando fixamente só para ela, o menino via então uma espécie de nave espacial e fazia sons com a boca como os de um motor, absorto do que acontecia ao seu redor.

Ele levantava cedo junto com os avós e já ia arranjar alguma brincadeira.

 - Marquinhos, vá brincar lá fora. Vovó precisa limpar a cozinha agora. Ainda não fiz o café.

 A avó do menino colocou as mãos na cintura de forma impaciente para esperar uma resposta.

Como ele permanecia mudo, distraído com a brincadeira, ela engatou uma história para levar o neto ao quintal.

O menino era curioso que só.

 

 - Marquinhos, vou te contar uma história. Você quer?

- Quero sim vô. É história do quê?

- É uma história de planta.

- De planta? Como assim?

- Você já viu a abobrinha que nasceu há bem pouco tempo no quintal?

 - É essa a história vó? O que é que tem demais uma abóbora?, disse ele sem demonstrar muito interesse.

 - Acontece que esta é uma abobrinha diferente. Você não sabe, mas ela tem um complexo.

 - Um complexo? O que é isso?

 - Essa abobrinha pensa que é um chuchu.

 - Ah, vó, para. Abóbora não pensa. A senhora acha que eu sou bobo. Eu cresci, viu? Esqueceu que eu tô indo pra segunda série já?

 - Não, claro que não Marquinhos. Por falar nisso, segunda-feira voltam as aulas, não é mesmo? Acabou a festa rapazinho, disse ela, já pensando no retorno para Salto. - Você vai ter de ir para a casa da sua mãe de novo.

 Levantando-se do chão, o menino ajeitou o shortinho curto e todo sujo contrariado, tentando se esquivar daquela lembrança que não o agradava nem um pouco.

 A avó não se perturbou.

 - Mas voltando à abobrinha. Disse que ela pensa que é chuchu por força de expressão. Você é um menininho esperto. Veja só: abóboras nascem no chão. Depois elas se esparramam debaixo das folhagens que cobrem uma boa área onde são plantadas.

 - Vó, você não tá legal da cabeça: toda planta nasce no chão e isso todo mundo sabe.

 - É verdade, meu filho. Só que o chuchu precisa de uma armação para crescer. É planta que gosta de subir agarrada. Coisa da natureza. Pois então, em sítios como aqui a gente costuma fazer uma espécie de quarador para eles.

- O que é isso?

- É como se fosse uma cama elástica daquelas que você brincou lá na academia na praça em Salto. Só que esta é feita de bambu e presa com arames. O chuchu cresce em cima disso. A abobrinha de que eu falava começou a crescer assim. Por isso, disse que tem complexo. Complexo de chuchu.

 - Ô vó, por que isso aconteceu?

 - Porque a abóbora namorou um chuchu. Os dois se conheceram em uma festa lá na horta...

Com a mão sobre os ombros do menino, aceso pela curiosidade do que a avó falava, ela o levou para o quintal finalmente.

 

Pouco depois, já sozinho no meio da horta, olhando a abobrinha complexada e outras plantas, Marquinhos começou a relembrar os dias que passou naquele espaço tão grande, tão cheio de surpresas, tão envolvente para ele.

O menino se deitou no chão e olhou o céu.

Pensou que esteve em meio a tantas brincadeiras: jogou futebol no campinho improvisado com a molecada do sítio, nadou no lago cheio de peixes. Lembrou de ter ficado dependurado chupando manga no pé e de ter ficado com a boca toda amarela.

Lembrou ainda de ter corrido atrás dos patos, dos gansos, e depois de ter corridos deles.

Tudo aquilo fez a alegria das férias dele no sítio da avó, em Boituva.

Foram 30 dias inesquecíveis.

Ele tinha tanta coisa para contar para os amigos da escola...

De repente, Marquinhos se lembrou da volta às aulas e ficou de novo preocupado.

 - Não quero voltar, pensou. - Aqui é muito mais divertido. 

 Depois disse diretamente à avó:

 - Voltar às aulas é chato.

 - Mas tem de ir, Marquinhos. Férias é um período bom da vida, só que acaba. Tudo tem um fim. Você precisa se acostumar com isso.

 - Não tem jeito de eu não ir vó?

 - Não, não tem. Ainda se você estivesse doente, com uma febre alta, vá lá. Mas você é menino muito saudável, não é?

Ela passou o dedo no nariz dele sorrindo.

Enquanto a avó foi tratar do café, Marquinhos ficou pensando sobre a última frase dela.

Ele tinha de arranjar um jeito de ficar doente.

Mas como?

- Não adianta ficar aí pensando. Você não está doente, disse a avó ao passar pelo menino de novo quando seguia em direção ao pomar para apanhar laranjas a fim de fazer um suco.

 - Eu sei vó, eu sei.

 

Os pensamentos do menino se afastaram quando Epaminondas o chamou.

Avô do menino, o velho Nondas, como ele dizia, o convidou para ver a ordenha das vacas.

O velho se dispôs àquilo só para agradá-lo, porque esse trabalho, normalmente, era feito bem mais cedo no sítio e pelos empregados.

 Marquinhos ria de gosto quando o leite espirrava das tetas da vaca direto para o balde.

O avô abraçou o menino.

- Vou sentir sua falta, garoto.

- Eu também vô. É por isso que eu não quero ir. Eu tenho de arranjar um jeito de não ir.

- Tem de ir, filho. Voltar às aulas é uma coisa muito importante. Se quando criança você não fizer isso, vai ficar burro. Vai puxar carroça, ouviu? Você quer ficar burro e puxar carroça?

- É, mas o senhor não foi à escola quando criança. Nem por isso puxa carroça hoje.

- Só que naquele tempo não tinha escola.

- Mesmo assim, eu não quero ir vô. Quero ficar burro. Aí o senhor me põe em uma carroça daqui e eu puxo. Ou então eu fico doente. A vó disse que, se eu ficar doente, não preciso ir.

O avô sorriu com a tagarelice, passou a mão nos cabelos amarelinhos do menino, apanhou o leite que retirou e depois saiu de perto dele.

Marquinhos ficou olhando a vaca.

 

Aristeu, um dos peões do sítio, se aproximou.

- O rapazinho qué ficá doente, é?

Ele tinha ouvido a conversa do menino com o avô havia pouco e se dispunha a ajudar.

Criado no sítio, era filho de um dos empregados. 

- Quero. Você sabe como?

- Sei. Ocê pega um dente de aio, põe debaixo do braço. Adespois, ocê dorme com ele. Amanhã o menino vai acordá cum febrão de dá gosto. É batata. Pode fazer que eu agaranto.

- É mesmo?

Rapidamente Marquinhos se incumbiu de providenciar a doença falsa.

 

No outro dia, a febre apareceu.

Os avós ficaram bobos com a surpresa.

- Não sei Lucinda. Ontem mesmo ele estava bonzinho, brincando. Acho que é porque não queria voltar às aulas. Deve estar com lombriga.

- Dona Elza, isso não existe.

- Você não acredita, mas é verdade. De qualquer forma, acho melhor ele ficar aqui mais um dia. Ele vai melhorar já já.

- Você já chamou o médico?

- Claro, pode ficar tranquila.

Ao saber, Marquinhos resolveu ficar mais tempo na cama. Disse que era por causa da febre. Fazia tipo. Além disso, chovia.

Não dava mesmo para brincar lá fora.

A avó não quis incomodá-lo.

Em pouco tempo o menino retomou o sono.

A chuva fina dava um friozinho que só as cobertas quentinhas combatiam.

A febre era alta, o que fez o menino praticamente desfalecer na cama.

Ninguém estava por perto e ninguém percebeu.

Os olhinhos fechados começaram a ver um sonho que ele começou a ter por conta da situação.

Ele imaginou a volta às aulas.

Agora estava na classe.

Era uma sala nova.

Sentou-se bem no fundo.

Estava irritado de ter de voltar às aulas e não queria falar com ninguém.

Apesar disso, existiam muitos colegas novos.

Ninguém prestava atenção a ele sozinho lá trás. A professora falava, ele não ouvia. Parecia que estava em outro lugar.

Passeando o olhar em redor nas carteiras e nas paredes e janelas da classe, Marquinhos viu um buraco na parede atrás da última carteira.

A abertura dava para o playground. Desinteressado da aula, ele olhou para a professora, que estava de costas, e para os outros alunos, que também estavam de costas para ele, e passou pelo buraco na parede sem ser notado.

 

No meio dos brinquedos, o menino se esbaldou feliz da vida como estava no sítio dos avós.

Desceu do escorregador direto para o chão.

Quando foi correr para a escada a fim de descer de novo, ele tropeçou e caiu.

Aí então viu um homem velho de barba grande e totalmente branca, que o observava.

Aquele senhor acompanhava tudo o que o menino fazia.

Só agora ele percebera.

- Quem você é? O que está fazendo aqui?, o menino interrogou-o entre assustado e curioso.

O velho respondeu calmamente:

- Vim trazer um presente para você.

- O que é?

Quando o menino se levantou para ir ao encontro do homem, tocou o sinal.

A campainha barulhenta tocava repetidamente.

Para não ser notada a sua ausência, ele voltou correndo para a sala de aula.

Assim que se sentou na última carteira, Marquinhos acordou.

Ele estava na cama ainda no sítio dos avós.

 

O menino ficou intrigado com a história do tal presente.

A chuva continuava lá fora.

A avó entrou no quarto.

Trouxe o remédio receitado pelo médico. Ele fora examinado enquanto dormia.

- Você está melhor?

- Estou melhorando. Vó, você já viu um homem de barba bem grande e branca?

- Que homem é esse?

- Eu não sei. Estava pensando na volta às aulas e sonhei com isso. Tinha um homem assim lá na escola. Ele disse que tinha um presente para mim. Você já viu esse homem.

Dona Elza aproveitou a história para pressionar o menino:

- É um homem de barba bem grande e toda branca?

- Sim, é assim mesmo. Você já o viu?

- Ele é Deus meu filho. Isso é uma mensagem. Ele quer que você volte logo às aulas. 

- Ah vó, não é isso não.

- Bom, se não acredita, tudo bem, mas não vai ganhar o presente então.

- Eu quero ficar aqui. Não quero voltar. Voltar às aulas é chato.

- É, mas não dá para brincar lá fora. Você viu a chuva? Uma chuvinha gostosa, né?

Ela desconversou.

Marquinhos balançou a cabeça afirmativamente. A avó saiu. O menino voltou a se cobrir e a pensar no homem de barba branca. Será que seria Deus mesmo?, ele se perguntava. A cabecinha cheia de dúvidas, ele acabou caindo no sono.

De repente, o menino sonhou outra vez.

Viu a escola.

Passou de novo pelo buraco na parede.

O playgrond estava vazio desta vez.

Quando ele menos esperava, o homem velho reapareceu caminhando lentamente perto dele.

- Onde está o meu presente que você disse que ia dar e acabou não dando?

O velho colocou a mão no bolso.

Tirou um embrulho com papel de presente.

- Então era verdade, o menino pensou.

Rapidamente, Marquinhos se aproximou.

Quando ele ia pegar, o homem levantou o pacote do presente. Depois disse que havia ido à escola só para levar aquilo para o menino, mas que não podia entregá-lo ainda e pediu que ele voltasse só no dia seguinte para recebê-lo.

Então, sem mais nem menos, aquela imagem desapareceu.

O menino acordou novamente mais assustado ainda.

A cena se repetiu mais vezes durante o dia. 

O velho sempre pedia que ele voltasse no dia seguinte para receber o tal presente.

Até que na última vez um carro desgovernado invadiu a escola e atropelou o homem.

O corpo dele bateu contra o alambrado, amassando-o e reproduzindo no arame as formas físicas do homem.

O velho morreu sem entregar o presente, que desapareceu na confusão.

 

Impressionado com os pedidos dos sonhos, Marquinhos resolveu voltar à escola no dia seguinte.

Disse para os avós que estava curado.

A sala de aula era mesmo outra.

Só não tinha o buraco na parede.

Ele se desencantou ao perceber a falta.

Fora tudo imaginação sua ou um grande pesadelo por causa da febre, quem sabe.

Mesmo assim, Marquinho foi ao playground no recreio para ver se encontrava algo.

Outra decepção: o alambrado não está amassado com as formas físicas daquele homem estranho de barba grande e branca.

O menino abaixou a cabeça entristecido.

Lamentou não ter recebido o presente.

No minuto seguinte, sentiu tocarem no seu ombro levemente. Ele olhou atrás, era o velho.

- Você não morreu? Onde você estava? Eu vi você cair. Cadê o meu presente?, o menino não parava de fazer perguntas para o homem.

- Ficou louco guri?, respondeu ele de sopetão. - Tenho muito trabalho nessa escola, mas estou muito bem. Vou morrer se você ficar aí fazendo bagunça. Vai, levanta e vai para a aula. Todo mundo já foi.

O homem era o novo zelador.

Marquinhos não se lembrou imediatamente, mas encontrara-se com ele quando sua mãe fora fazer a matrícula.

A barba grande e branca chegou a assustar o menino no início por ser diferente.

Lucinda havia dito que o homem parecia Deus e só avó estava junto.

Agora ele percebia por que ficara impressionado com os sonhos que tivera na casa dos avós.

Não havia presente, nem o homem com quem sonhara em meio à febre era aquele, mas de uma coisa ele tinha certeza agora com tudo aquilo:

- Voltar às aulas era chato, mas era preciso.

Quando voltou à classe, tinha um presente sobre a sua carteira.

Marquinhos correu para abrir e ver o que era.

Desembrulhado o pacote, tinha uma caixinha de lápis de cor e a frase: seja bem-vindo de volta às aulas.

Ao olhar para o resto da sala, Marquinhos viu que todos tinham ganhado o mesmo presente. 

Aí suspirou:

- Voltar às aulas não é tão chato assim.

 

 

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A cada domingo veja neste espaço um conto novo com uma abordagem também nova. A ideia do projeto é mostrar que um mesmo autor pode escrever histórias sob qualquer ótica. Desde o início, já trouxe aqui um drama psicológico, uma história real, uma história com ETs, uma história sobrenatural, uma história de humor, uma história com foco sexual e outra infanto-juvenil. Hoje é a vez da história infantil do tipo "Era uma vez..." Veja mais sobre "Contos de Domingo" no link: https://eloydeoliveira.com.br/senta-que-eu-vou-te-contar-historias-contos-de-domingo

Imagem da Galeria Tirar leite de vaca era uma das diversões de Marquinhos no sítio dos avós
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