Vício irrecuperável pela adrenalina

12 de dezembro de 2020

Vício irrecuperável pela adrenalina

Data de Publicação: 12 de dezembro de 2020 09:25:00 Uma grande lição que o jornalismo me deu é que não se pode crescer profissionalmente se não fizermos novas escolhas constantemente.

Compartilhe este conteúdo:

 

SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO

Se na segunda-feira tudo estiver exatamente como deixamos na sexta, parece que ainda estamos na semana passada. O desafio é uma mola para crescermos profissionalmente. Sempre me movi por isso.

 

 

- Você vai sair do maior jornal do país para embarcar em outro que é só o 19º no ranking? Você é louco. Eu jamais faria uma coisa dessas em sã consciência, mas de jeito nenhum.

A frase nada animadora veio de um grande amigo quando decidi trocar a Folha de São Paulo pelo Correio Popular, de Campinas.

Não vou mencionar o nome desse amigo para não o constranger e porque não lhe pedi autorização para fazê-lo.

 

Mudar é sempre uma dificuldade monumental para todo mundo. A gente se acostuma com tudo, seja bom ou não. Já repararam que compramos no mesmo mercado, vamos à mesma praia, gostamos dos mesmos tipos de filmes? Se alguém pede para trocar, ficamos naquele titubeio medonho.

Uma grande lição que aprendi no jornalismo é que não se pode crescer se não fizermos novas escolhas.

A mudança faz com que nos desafiemos.

Precisamos disso para evoluir.

Se na segunda-feira tudo estiver exatamente como deixamos na sexta, parece que ainda estamos na semana passada.

Não falo de organização, planejamento, metas.

Tudo isto tem de existir e nisso as mudanças precisam ser o menos bruscas possíveis e o menos traumáticas.

Falo da novidade de cada dia.

Sempre gostei de nunca saber o que enfrentaria no dia seguinte e o jornalismo me permitiu muito isto.

 

A decisão de trocar a Folha pelo Correio foi tomada com o objetivo de me fazer crescer. De não me acomodar no que fazia. E fundamentalmente de me desafiar a enfrentar o novo.

Trabalhei na Folha por sete anos.

Quando deixei o jornal era editor regional em Campinas.

Participei do processo de criação dos cadernos regionais da Folha, que foram um marco da interiorização do jornal.

Já havia atuado na mini sucursal de Campinas, onde fazia o trabalho de uma espécie de correspondente no interior.

Também já tinha trabalhado em São Paulo em Educação, na editoria de Cidades, depois substituída por Cotidiano.

Não posso dizer que os desafios tivessem acabado, mas eu queria experimentar outras experiências diferentes em outros locais e precisava testar o que tinha aprendido.

Sempre quis fazer essas experiências e acredito que não teria crescido como cresci na profissão se não as tivesse praticado.

A adrenalina pelo novo sempre me moveu.

 

Antes da Folha mesmo também fiz uma escolha de mudança grande, que foi um divisor de águas na minha vida profissional.

Trabalhava em Sorocaba no maior jornal local, o Cruzeiro do Sul, onde tinha o maior salário pago a repórteres e onde já tinha realizado um trabalho significativo nas editorias de Geral (a maior do jornal) e Política (a mais importante), passando também por Região (a mais modesta) e eventualmente Esporte e Polícia (outras duas editorias menores, mas com grandes audiências).

Só que chegou uma hora em que eu queria ir além.

Queria conhecer outros modos de fazer jornal diário.

Então, peguei um ônibus de manhã (eu entrava só no finalzinho da tarde) e fui a São Paulo para me candidatar a uma vaga na Folha.

Pode parecer uma trajetória normal para quem está no interior e é jovem ainda. Isto foi em 1988. Eu tinha 26 anos. Mas não é tão simples assim você sair de uma cidade média e se mudar para a capital de mala e cuia sem conhecer nada.

Subi ao quarto andar do prédio da Barão de Limeira e pedi para falar com o editor de Cidades. A secretária perguntou sobre o que era e eu disse que queria trabalhar lá. Ela sorriu debochada.

Já ia me despachar, afinal a Folha contratava por concursos. As vagas eram publicadas e os jornalistas se candidatavam. E não existia concurso aberto naquele momento.

É claro que havia indicações dos jornalistas lá para conhecidos.

Só que eu não conhecia ninguém.

Antes que a secretária começasse a falar, o jornalista Gilberto Dimenstein passou por nós e, tendo ouvido a conversa, interferiu:

- Se você está procurando uma vaga aqui, na terça-feira da semana que vem abrirá uma. Leve a sigla do anúncio e se candidate assim que a vaga abrir, para ter mais chance.

Voltei de São Paulo com uma esperança.

Candidatei-me no dia combinado e fui selecionado.

Na Folha, eu aprendi muito do que pratiquei na minha vida profissional inteira. Nas palavras do saudoso Dimenstein, morto no início do ano vítima de um câncer, a Folha sempre estimulou a ousar, trocando o seguro pelo incerto e cultivando o vício irrecuperável pela adrenalina. Ou seja, era o que eu precisava.

Se eu não tivesse decidido buscar um novo desafio, teria ficado no Cruzeiro pelos anos todos que vivi na Folha.

Não posso dizer que não teria avançado lá, mas conhecer o mundo novo que a Folha me permitiu me fez crescer demais.

 

Só que chegou uma hora em que eu queria ir além de novo.

Então, um grande amigo (Mário Evangelista), que tinha trabalhado comigo na época da mini sucursal da Folha, havia assumido a editoria do Correio e me convidou a trabalhar com ele.

Eu seria editor de Política e faria também uma coluna de bastidores semelhante ao “Painel” da Folha, o “Xeque-Mate”.

O salário oferecido também era maior.

Ele estava criando uma equipe para enfrentar o desafio que havia assumido e confiou em mim para ajudá-lo.

Aceitei porque queria fazer parte daquele projeto.

Quando o outro amigo meu me disse que jamais faria uma troca como aquela, senti que deveria fazer para provar a mim mesmo antes de tudo que eu era capaz de desempenhar o meu trabalho em qualquer lugar e com as condições que me dessem.

O nosso trabalho no Correio foi profundamente satisfatório.

Ganhamos o Prêmio Esso de Jornalismo lá e derrubamos um secretário da Prefeitura acusado de combinar licitação.

 

As escolhas são inapeláveis na vida.

Mas escolher o novo desafiador mantém a adrenalina em alta.

Como diz Jota Quest na música “O Sol”: E, se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou.

 

 

Fique sabendo

Todos os sábados tem um case novo ou uma dica profissional nova neste espaço.

Imagem da Galeria As escolhas são inapeláveis na vida, mas o novo faz crescer
Compartilhe este conteúdo:

  Seja o primeiro a comentar!

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo

Nome
E-mail
Localização
Comentário
 (19) 97823-9494
 contato@eloydeoliveira.com.br