Um bloquinho e uma caneta

20 de setembro de 2020

Um bloquinho e uma caneta

Data de Publicação: 20 de setembro de 2020 18:25:00 DECEPÇÂO - Neste episódio que comporá o livro "Coração Jornalista" sobre bastidores de reportagens mostro a relação entre artista e fã.

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SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO

Uma admiração por uma personagem da tevê que criou uma legião de fãs. Depois a decepção quando essa mesma atriz chegou ao cinema. Até que a relação foi restabelecida em uma reportagem política.

 

 

- Se você encontrasse uma dessas atrizes cara a cara, o que faria?

A pergunta do Beto, um amigo dos meus tempos de adolescência, me fez pensar e me fez viajar nas possibilidades.

Aos 17 anos, eu e esse amigo driblávamos a fiscalização naquele momento para entrar em mais um filme proibido para menores no Cine São José, na Rua Rui Barbosa, em Salto.

Com a ajuda de um funcionário do cinema, a quem dávamos uma boa gorjeta, nos esgueirávamos por debaixo da porta comercial, na lateral da entrada, logo depois que as filas acabavam.

Entrávamos no escuro, com o filme já em andamento.

A aventura de furar o bloqueio da proibição era tão excitante quanto as pornochanchadas que assistíamos.

Por conta da pergunta do Beto, meu pensamento não saía da imagem de Adele Fátima, a estrela do filme que estreava naquele dia de 1979: “Histórias Que Nossas Babás não Contavam”.

- Eu iria jogar todo o meu charme para conquistá-la, disse cheio de moral, vislumbrando realmente a possibilidade, já que circulava um boato de que outro filme, lançado no ano anterior, “A Dama do Lotação”, com Sônia Braga, tinha tido a famosa cena da cachoeira gravada em Porto Feliz, só a 31 quilômetros de Salto*.

Se Sônia Braga, que era uma das mulheres mais sexys daquela época, tinha estado tão perto, por que não?, eu pensava.

- Você teria coragem de chegar em uma atriz como essa?

Em uma mistura com o que vira no filme, no qual Sônia Braga se relacionava com o primeiro homem que via no ônibus, afirmei com segurança que sim e que já tinha até a abordagem preparada.

- Conta, conta, disse o Beto.

- Chio, façam silêncio, senão vou tirá-los da sala, cortou-nos o funcionário que cuidava do cinema.

A história da cantada matadora ficou para depois.

 

Durante toda a década de 70 e até o início da década seguinte, a diversão de pivetes como eu e o Beto e os nossos amigos, além do futebol, da azaração das meninas no Clube dos Trabalhadores e dos jogos de sinuca, era ver pornochanchadas.

O que mais nos excitava na época não eram as cenas simuladas de sexo, pois isso já não era novidade, mas a nudez completa de atrizes famosas e o fato de os filmes serem proibidos.

Essa nudez só era apresentada fora do cinema em revistas de nus, que surgiram em meados da década de 70, mas os editores cortavam partes explícitas ou as camuflavam para atender a censura do governo militar de então.

Entre as maiores musas da época nas revistas que eu me lembro estavam Rose Di Primo, Magda Cotrofe e Mari Alexandre.

A Rose era uma modelo que ficou famosa após um comercial de iogurte e que foi capa da revista Manchete, onde apareceu em posições muito sensuais em uma motocicleta.

Magda Cotrofe estrelava as campanhas publicitárias da Du Loren e participava do humorístico da época “Viva o Gordo”.

Já Mari Alexandre ficou conhecida por posar nua já aos 18 anos.

Como já disse, ver filmes proibidos era um desafio que gostávamos de enfrentar e que vencíamos sempre.

Acho que vi todas as melhores revistas de nus e também todos os principais filmes de pornochanchada nesse período.

Além disso, vi ainda os mais impactantes filmes de luta, principalmente com Bruce Lee. Esses eram outra paixão que todo mundo da mesma idade e sexo gostava de ver nos cinemas.

Era uma época em que os hormônios estavam em alta.

Mas um período em que vivíamos muito com a família ainda.

Eu não jogava futebol de botão com meu avô, como na música de Renato Russo, do Legião, porque não tinha mais os meus avós vivos, mas gostava de ver novela como o Eduardo que ele retratava no impressionante caso de amor de “Eduardo e Mônica”.

Tudo começou muito cedo.

Já aos oito anos, quando me mudei para Salto, vindo de Indaiatuba, eu vi “Irmãos Coragem”, que foi um marco da tevê.

Depois vieram “Selva de Pedra”, O Bem-Amado”, “Gabriela”, “As Locomotivas”, “O Astro”, “Pai Herói” e “Dancin’ Days”, esta foi especial porque era com a musa da pornochanchada Sônia Braga.

Mas a novela que marcou realmente aquela época para mim foi “Escrava Isaura”, com a interpretação de Lucélia Santos.

A atriz ganhou uma legião de fãs instantâneos no Brasil.

A imagem que a tevê constrói no imaginário popular é algo impressionante sob todos os aspectos.

No meu mundo de adolescente em profusão, eu imaginava que Lucélia Santos era uma mulher de um metro e setenta de altura e que tinha um corpão como as atrizes que estava acostumado a ver na pornochanchada, uma Vera Fischer da vida, tudo porque o personagem que ela fazia era cativante demais.

Ela encantava pela pureza que o personagem mostrava, pela voz sempre doce e calma e pelo olhar angelical, que eram consolidados como marca de alguém do bem por um crucifixo preso a um grosso cordão ao pescoço e que se debruçava entre os seios.

O interesse que Leôncio, o vilão da novela, tinha por ela era tanto que também despertava uma espécie de desejo de proteção.

A novela conquistou o país inteiro e vem conquistando até hoje milhares de espectadores pelo mundo afora em mais de 80 países.

A atriz revelou recentemente que recebe centenas de cartas nas várias línguas de todos os países onde a novela é apresentada. Ela não responde a todas, mas manda uma foto autografada sempre.

O sucesso a transformou em estrela festejada principalmente na China, Cuba, Polônia, Rússia, Alemanha, África do Sul, Áustria, Bélgica, Islândia, Israel, Itália, Letônia, Líbano, Sri Lanka, Ucrânia, Moçambique e Croácia, furando a cortina de ferro na Europa.

Lucélia Santos ficou no meu imaginário como uma musa irretocável daquela época, sobretudo porque deixei de ver novela logo depois por conta da mudança do tipo de vida.

A década acabou, fiz 18 e fui convocado para servir ao Exército em Lins, a 305 quilômetros de distância de Salto.

O mundo começava a mudar de cor e de sabor.

 

Em 1981, vivi um dos anos mais difíceis da minha vida até então por conta de ter de enfrentar um quartel para onde não queria ter ido, já que aquilo me fez adiar o sonho de ingressar na faculdade.

Lembro-me até hoje do dia da convocação.

Dispensados do serviço junto ao quartel de Itu, eu e outros amigos festejávamos a decisão na Rua 9 de Julho, a principal de Salto, quando fomos chamados repentinamente pelo responsável pela Junta Militar minutos depois que ele nos liberou.

O funcionário disse que fora comunicado naquele exato instante que teríamos de servir em Lins, devido à decisão do governo da época de preservar os lavradores daquela região em seus afazeres.

A partir dali tivemos alguns dias para nos prepararmos antes de seguir viagem para aquele mundo desconhecido.

Eu trabalhava como eletricista enrolador de motores em uma empresa metalúrgica chamada Emas, ligada ao Grupo Carborundum, e era o único a fazer essa atividade. Meu parceiro nesse trabalho, um homem de pouco mais de 45 anos na época, havia sofrido um infarto. Estava afastado se recuperando.

Valendo-se disso, o diretor geral da empresa produziu um ofício no qual pedia a minha dispensa e me disse para entregá-lo apenas nas mãos do comandante do quartel de Lins, um coronel identificado por ele como Ciro Monteiro Muzi.

Por volta de 11h30 do dia da partida, um caminhão do Exército veio nos buscar em frente à antiga Prefeitura na Rua 9 de Julho e dali nos levou a Lins, onde só chegamos pouco depois das 18h.

Parecia que estávamos indo para uma prisão de segurança máxima tal a distância e a falta de informações até então.

Na verdade, era como nos sentíamos.

A primeira coisa que fiz ao chegar foi perguntar quem era o tal coronel, como havia combinado com o diretor.

Indicado por um soldado, não tive dúvidas: fui até aquele homem cheio de medalhas e condecorações no peito e disse:

- O senhor é o coronel Ciro Monteiro Muzi?

- Sim, respondeu ele olhando com alguma surpresa para mim.

- Queria lhe entregar este ofício. O diretor geral da empresa onde trabalho e sou o único enrolador de motores me pediu para fazer isto em mãos. Trata-se de um pedido de dispensa.

- Dispensa?, a surpresa crescia.

- É, eu não posso ficar.

- Está certo. Vou cuidar disso. Fique em paz, disse com a maior calma e gentileza do mundo, coisas que eu não esperava.

Em seguida, guardou o ofício no bolso.

Esta foi uma das duas únicas vezes em que pude chegar perto dele durante todo o ano que estive naquele quartel: a outra só aconteceu na minha baixa, quando ele se despediu de mim.

A decepção com a atitude do coronel só aumentava.

Nos três primeiros meses eu não me conformava de estar lá.

Servi na primeira companhia de infantaria.

Havia quatro companhias no quartel naquela época.

Três eram de combate e uma era de serviços.

Esta última requisitava entre as demais recrutas que soubessem ou tivessem interesse em fazer serviços.

Na minha inadaptação total ao ambiente, eu sempre atendia aos mais diversos serviços requisitados de pronto.

- Quem sabe cortar cabelo?

Eu sabia.

- Quem sabe aplicar injeção?

Eu sabia.

- Quem sabe cozinhar?

Eu sabia.

- Quem sabe dirigir?

Eu sabia.

Com exceção desta última, eu não sabia nada, mas ia para escapar da rotina da primeira companhia, que era treinar para uma suposta guerra e para conter movimentações hostis de civis.

Tinha tirado carteira de motorista pouco antes de ir para o quartel, porque faço aniversário no início do ano.

Virei motorista de jipe.

Isto até um primeiro passeio com um oficial pelas ruas de Lins.

A cidade era repleta de lombadas.

Talvez seja por isto que eu odeie lombadas até hoje.

Na primeira passagem, o oficial voou para o teto e bateu a cabeça, irritando-se terrivelmente com o novato motorista.

Resultado: perdi a classificação e fiquei como reserva.

Mas não me dei bem em nenhuma outra atividade.

Ao cortar cabelo, deixei muita gente careca quando o objetivo era fazer apenas um corte bem curto como são os dos soldados.

Ao aplicar injeção, fiz espirrar sangue da veia de um paciente ao tirar a seringa para reabastecê-la e deixar a agulha espetada. Tive de fazer porque ela não comportava todo o medicamento.

Ao cozinhar então, minhas inabilidades me levaram rapidamente para atuar na área de limpeza, lavando pratos e panelas.

Mas tudo acontecia dessa forma porque simplesmente eu não queria fazer nada daquilo que estava tendo de fazer.

Um dia fizeram um convite para participar de um curso fora do quartel de soldador elétrico e eu aceitei na hora como de praxe.

Nunca exerci essa função na vida.

Depois dessas tentativas infrutíferas, decidi aceitar a condição de soldado e servir normalmente.

Vivíamos a vida do quartel 24 horas por dia.

Por causa da distância de casa e da falta de dinheiro, pouco voltava para a casa da minha família.

Acabei fazendo curso de cabo com a expectativa de assumir a função no ano seguinte se engajasse, o que não fiz.

Nossa vida lá era participar dos treinamentos de dia e sair à noite e nos finais de semana para azarar as meninas de faculdade que existiam em quantidade e adoravam os militares por algum fetiche.

Lins tinha nove faculdades na época.

Outra diversão era ir ao cinema.

As pornochanchadas não faziam mais parte da minha vida, mas vez por outra ia ver alguma ainda.

E foi assim que um encanto se quebrou.

No ano em que eu estava no quartel, foi lançado o filme “Bonitinha, mas ordinária”, baseado em um conto homônimo de Nelson Rodrigues, que tinha Lucélia Santos no papel principal.

A atriz já tinha feito outras pornochanchadas, como “Já não se faz amor como antigamente” e “Engraçadinha”, este um pouco antes de “Bonitinha”, mas eu não tinha visto.

Depois da doce escrava Isaura que uma legião de fãs como eu tinha aprendido a admirar, ver a atriz gritando nua entre cinco negros que a estupravam: “Me fode Cadelão” foi uma implosão.

É curioso isso.

A imagem de um ídolo desmorona fácil com a frustração.

E a idolatria neste caso era uma mistura de memórias da adolescência, que era carregada de múltiplos sentimentos.

Tanto o filme “Bonitinha, mas ordinária” quanto “Engraçadinha” projetaram Lucélia Santos para outro tipo de imaginário popular.

Ela deixava de ser a moça pura travestida em uma escrava branca que havia sofrido toda sorte de violências por sua condição.

Agora era mais uma musa da pornochanchada brasileira.

Depois veio a publicação de uma Playboy com ela na capa.

O ensaio pegava carona na fama que a atriz havia conseguido com os filmes e fazia a divulgação da sua nova pornochanchada, que sairia no ano seguinte: “Luz Del Fuego”.

Este filme, lançado em 1982, renderia à Lucélia Santos o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado, da mesma forma que o filme “Engraçadinha” daquele ano já lhe tinha rendido o prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília.

Dessa forma, a atriz sumia lentamente do meu imaginário.

O ano de quartel acabava e uma nova fase de vida começava com a chegada da faculdade de jornalismo em Campinas.

Era uma época de conscientização política.

 

A entrada para a faculdade mudou radicalmente como eu via a vida e como encarava tudo o que acontecia comigo.

Parece que você abre a cabeça e ela passa a abrigar uma série de coisas que nunca tinha imaginado sequer conhecer.

De repente, o que você faz ou sente ganha contornos mais distantes do próprio eu e passamos a pensar em horizontes que abarcam mais gente e mais conceitos.

A preocupação com as outras pessoas e com o que acontece no meu bairro, na minha cidade, no meu Estado, no meu país, enfim no mundo em que estou, passa a ter mais importância.

Não sei se isto ocorreu por eu cursar uma faculdade de jornalismo, mas era o que sentia à medida que o curso avançava.

É um olhar para o destino e não um deixar acontecer para ver como é que fica, como vinha sendo desde a adolescência.

Essa mudança me fez encarar desafios enormes.

Em 1985, quando me formei, assumi a direção de um jornal, o semanário “O Trabalhador”, e passei a viver da minha profissão.

Esse jornal era um dos dois únicos existentes na minha cidade e o que eu fazia impactava na vida de muita gente.

Um jornal tem o papel de conduzir a comunidade, por meio da informação, pelos destinos que ela tem de conhecer por conta da história que desenvolvem os seus personagens e suas lideranças.

Acompanhava a vida política de Salto, do Estado e do país.

Nesse mesmo ano em que me formei, Tancredo Neves (então no PMDB, hoje MDB) se elegeu presidente do Brasil com larga vantagem de votos em uma disputa contra Paulo Maluf (PDS, hoje DEM) que ocorreu dentro do Congresso Nacional.  

Era a primeira eleição de um civil depois de uma ditadura militar imposta que havia durado a minha vida inteira, já que começou em 1964 e eu nasci apenas dois anos antes.

Tancredo ganhou e não levou: morreu antes da posse.

O seu vice, José Sarney, assumiu e redemocratizou o país.

Em 1986, elegeu-se uma Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição Federal promulgada em 1988 e em vigor até hoje, a qual permitiu a realização da eleição de 1989.

Esta eleição presidencial foi um marco da vida política do país, porque colocou no poder definitivamente o primeiro civil eleito pelo povo novamente, que foi Fernando Collor de Mello (PRN).

 

No ano da promulgação da Constituição, eu fui trabalhar na Folha de São Paulo, um jornal que tinha e tem até hoje uma presença forte e uma importância destacada na política nacional.

Entrei em São Paulo no caderno de Cidades para acompanhar a área de educação, mas rapidamente me mudei para Campinas, onde havia uma mini sucursal que ficava próxima de Salto, onde eu tinha uma casa e todos os meus familiares diretos.

A essa época, meu ídolo passou a ser Airton Senna.

O piloto de Fórmula 1 conquistaria o seu primeiro título mundial exatamente em 1988. Ele me passou e a uma legião de fãs como eu o espírito de que é preciso vencer por fazer o melhor.

Junto com a experiência vivida na Folha, onde a cobrança por um trabalho preciso e de qualidade era constante e intensa, fui acompanhar a corrida presidencial na região de Campinas.

A eleição teve 22 candidatos e todos eles passaram pela cidade para fazer campanha, cada um com seus episódios característicos.

Aprendi muito naquele ano com a reportagem política. Era a minha primeira eleição. A Folha chegou a preparar um guia para todos os jornalistas envolvidos. O material tinha todo tipo de informação sobre todos os candidatos, partidos, legislação, processo eleitoral e contatos de fontes em todos os níveis.

Nunca vi um material tão completo para assessorar jornalistas em uma campanha como aquele.

Justificava toda essa preparação pela importância histórica da eleição e por conta da necessidade de não se errar no trabalho.

 

Em 1989, a campanha durava mais tempo que agora e havia permissões que hoje não existem mais, como os showmícios e a presença de artistas no palanque dos candidatos.

No dia da visita de Lula, candidato do PT, a Campinas, fui encarregado de estar lá para acompanhar. Contei com a ajuda de outro jornalista da Folha, também de Campinas, para o trabalho.

O Largo do Rosário, o centro político da cidade, que fica próximo ao Café Regina, onde era comum ver lideranças do meio circulando a qualquer dia do ano, estava repleto de gente.

A eleição havia se polarizado entre a direita e a esquerda.

De um lado, Collor, empresário de Alagoas, representava a direita e de outro esquerda se dividia entre o populismo ingênuo de Lula e o trabalhismo retrógrado de Leonel Brisola (PDT).

Antes da chegada do candidato, políticos e ativistas se revezavam no palanque com discursos e tentando mexer a massa.

Em um dado momento, ouvi uma mulher com uma voz esganiçada berrar aos presentes sobre a importância de eleger Lula para que os princípios ecológicos fossem garantidos.

Sempre tive uma preocupação com o meio ambiente, que havia se intensificado bastante a partir dos conceitos que adquiri depois da faculdade, e aquele discurso, apesar da voz aguda demais e gritada incomodar um pouco, me interessou.

Avisei o colega que me acompanhava que faria uma entrevista com aquela ativista assim que ela terminasse o discurso. Ele foi para outra área a fim de entrevistar outras pessoas.

Aproximei-me do palanque para visualizar a ativista de perto e saber mais sobre ela. A segurança na época em relação ao palanque era muito grande e nem se tinha notícia ainda de atentados como o que sofreu o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a campanha de 2018. Mas a Folha tinha acesso liberado graças ao credenciamento antecipado.

Quando vi aquela mulher magra, de pouco mais de um metro e meio, toda descabelada de tanto gritar ao microfone, quase desisti da entrevista: não me parecia alguém com força para a luta.

Perguntei à assessoria de quem se tratava e fiquei sabendo que aquela a quem eu não dei muita importância era nada mais nada menos que Lucélia Santos, que ali representava o Partido Verde.

A assessoria me explicou que a atriz vinha desenvolvendo uma luta grande já pela causa ecológica desde a morte de Chico Mendes no ano anterior e que era responsável pelo que chamavam de energia feminina na campanha do presidenciável Lula.

Eu vivi um misto de decepção e curiosidade ao mesmo tempo.

Havia admirado aquela atriz como intérprete de uma escrava Isaura comovente, singela e encantadora. Havia pensado que ela era alguém de um metro e setenta como uma Vera Fischer (nunca a tinha visto pessoalmente). Por fim, a havia deixado para traz como mais uma estrela da pornochanchada. Mas agora estava diante de uma mulher miúda e sem a beleza que eu supunha, só que uma ativista de uma causa que eu também defendia.

Fui para a entrevista logo depois do discurso.

Ao ouvi-la, fiquei observando como falava, como se expressava e como seus olhos brilhavam com as ideias que defendia.

A admiração dos tempos da adolescência voltou e eu me emocionei com aquele momento especial.

Quando a entrevista terminou, fiz uma coisa que nunca mais fiz com nenhum entrevistado em toda a minha vida profissional e que também à época não contei para o colega com quem trabalhava naquela reportagem: pedi um autógrafo como fã.

 

*O filme “A Dama do Lotação” foi gravado em várias locações, mas todas elas no Rio de Janeiro.

 

 

FIQUE SABENDO

Em breve lançarei um livro intitulado "Coração Jornalista" com este texto e outros que estou preparando para contar coisas que vivi nos bastidores das reportagens que fiz ao longo de quase 40 anos de profissão.

 

Imagem da Galeria Lucélia Santos no papel de escrava Isaura, seu maior sucesso
Imagem da Galeria A atriz Lucélia Santos em cena do filma 'Bonitinha, mas ordinária'
Imagem da Galeria Sônia Braga, musa da pornochanchada, em cena do filme 'A dama do lotação'
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