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Os bigodes de Maria Lúcia
Data de Publicação: 8 de novembro de 2020 18:22:00 ADMIRAÇÂO - Neste episódio dos bastidores de 40 anos de profissão uma liderança cujos bigodes eram a marca da autoridade.
SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO
Renato Amary foi o maior cabo eleitoral que Maria Lúcia Amary já teve. O seu apoio à campanha dela à Prefeitura de Sorocaba hoje é silencioso, mas já foi muito agitado quando ela concorria à deputada.
- Você vai ficar aqui e vai contar todos os carros que passarem depois dela. Não perca nenhum, entendeu? É muito importante saber quantos carros passaram depois dela. Eu confio em você garoto: não me decepcione.
Ao ouvir essa recomendação e descer do carro de Renato Amary, em 2002, que àquela altura era prefeito de Sorocaba e uma das maiores lideranças do PSDB no Estado, minhas pernas tremeram e o peso da incumbência que me deu me fez arcar as costas preocupado.
Trabalhava como jornalista na campanha da sua segunda mulher, Maria Lúcia Amary, que concorria pela segunda vez ao cargo de deputada estadual, e estava na carreata final.
Conhecido por sua liderança firme e por seus fartos bigodes que tremiam quando chispava as palavras de ordens, Renato Amary nos disse de manhã, bem cedo, antes do início, quando os carros dos apoiadores ainda começavam a chegar, que aquele movimento da campanha era para fechar com chave de ouro.
Um dia antes, ele já tinha advertido:
- Não quero menos de 500 carros. Vamos ter a maior carreata da cidade. Os jornais têm de mostrar a fila de carros perdendo de vista nas ruas. Não admito não participar.
A recomendação foi repetida para quem trabalhou na campanha, para quem estava em cargos de confiança na Prefeitura, para os apoiadores reunidos no comitê eleitoral e em todas as caminhadas da semana.
A frase mais ouvida à época era:
- Ordem do bigode.
A ela só havia uma coisa a fazer: cumprir.
Renato Amary era um cabo eleitoral que não se limitava a dar o seu apoio. Ele cobrava o apoio de todos aqueles que o cercavam.
Se não fosse ele, Maria Lúcia não teria se elegido naquela eleição sem dúvida nenhuma.
Desci do carro do prefeito bem perto do prédio do Lar São Vicente de Paulo, na Avenida Betânia, zona norte da cidade, onde haveria um churrasco após a chegada da carreata para comemorar o encerramento da campanha.
Quando fui deixado na última esquina antes do cruzamento da avenida com a rua que levava ao Lar, a carreata estava bem próxima já, o que não me permitiu muito tempo para pensar nem para me preparar.
Assim que passou o carro abre-alas, onde iam os fotógrafos e jornalistas que acompanhavam a carreata, praticamente grudado nele, veio o carro-madrinha, onde estavam apenas Maria Lúcia e Renato, e ele fez questão de vir do lado da calçada onde eu estava para checar se estava lá atento e contando os carros.
Ao me ver, franziu as sobrancelhas e esticou o braço direito com o dedo indicador apontando para mim, como se fizesse uma advertência, e em seguida recolheu o gesto.
Isto me deu mais responsabilidade ainda.
Contava cada carro com precisão.
Foram dezenas e a carreata já tinha chegado ao Lar São Vicente de Paulo havia mais de meia hora quando último deles passou por mim.
Anotei orgulhoso o número final: 387.
Em seguida me lembrei da recomendação do prefeito na convocação do dia anterior: ”Não quero menos de 500 carros”.
- Vai dar merda, pensei.
Mas não tinha o que fazer. Fui ao Lar São Vicente de Paulo para encerrar a minha missão. O lugar já estava tomado de gente.
Dirigi-me ao prefeito, que estava no palco e que discursava de forma vibrante.
Parei próximo esperando que terminasse.
Assim que me viu, ele suspendeu o discurso, deu o microfone a outra pessoa e veio imediatamente falar comigo:
O barulho dos apoiadores era enorme.
Mal conseguíamos ouvir qualquer coisa.
- E então? Quantos carros?, perguntou seco.
- 387 prefeito, respondi.
- Quantos?, tornou a perguntar.
- 387, repeti.
- Quantos?, ele insistiu.
Percebi a sua irritação. A nova pergunta saiu mascada. Ele me olhava com olhos grandes.
Quando chispava as palavras de uma forma que mexia com os bigodes ao mesmo tempo, não se podia esperar nada simples.
- 387, voltei a dizer com voz mais firme.
- 587, foi isso?
- Não prefeito, foram 387.
- Eu entendi muito bem: 587, obrigado.
Disse e saiu de perto, voltando ao palco, sem me deixar falar mais qualquer coisa.
Fiquei sem ação.
Retomando o microfone, ele disse:
- Amigos, vocês sabem quantos carros nós tínhamos na nossa carreata? A carreata da vitória da Maria Lúcia rumo à Assembleia?
Todo mundo ficou mudo e olhando fixamente para o prefeito, que continuou:
- 587 carros. Quase 600 carros. Nós paramos a cidade. Mostramos a nossa força definitivamente para quem quiser ver.
A multidão começou a gritar e a assoviar sem parar, tornando qualquer outro som inaudível.
Mas o prefeito voltou a falar após instantes.
O silêncio se fez rapidinho.
- Quem contou todos esses carros, um por um, foi aquele menino ali, disse apontando para mim com o mesmo dedo em riste da mão direita que já havia me mostrado antes.
Ao dizer a frase, fez-se novo silêncio brusco.
O olhar de todas aquelas pessoas se voltou para mim. Todos de olhos arregalados. Parecia um julgamento silencioso que faziam e eu só esperava a minha condenação.
O número não era aquele. Ou será que era? Não, não era. Eu havia contado.
Segundos após ele me apontar como responsável pela contagem e aquele silêncio de me torturar, todos os apoiadores começaram a bater palmas e o calor daquelas palmas parecia me aquecer como um fogareiro.
Eu não sabia se estava passando mal ou se era só a pressão que me passava para o avesso.
Depois daquela carreata, que encerrou a campanha, ainda tivemos um dia de eleição muito intenso, percorrendo os principais locais de votação com a candidata e na companhia do prefeito, que era um outdoor ambulante.
Não havia quem o visse ou se aproximasse dele que não soubesse do seu apoio à mulher.
Inclusive no colégio onde votava, em que foi acompanhado dela, um ativista adversário começou a insultá-lo por estar ali.
Dizia que o prefeito estava fazendo boca de urna, o que era ilegal, e o ativista gritava exigindo providências da Justiça Eleitoral.
Renato Amary não era homem de se intimidar com nada. Mexeu os bigodes e foi até o ativista para encará-lo. Temi pelo resultado negativo daquilo. Tudo de que não precisávamos era de uma confusão.
O ativista fazia o seu papel.
Não gostava do prefeito e tampouco da sua mulher candidata, o que fizesse para prejudicá-los seria lucro. Quem perderia seria a candidata. Adverti sobre isso, mas não adiantou: o prefeito já estava indo na direção do ativista, que gritava mais alto ao ver o chefe do Executivo se dirigindo até ele.
Todos olhavam curiosos e atentos.
Parecia torcida de futebol: havia os que queriam que Renato saísse no braço com o adversário e havia os que o queriam ver apanhar se fizesse isto, o que seria inusitado.
Todos os membros da campanha que acompanhavam o casal correram junto com Renato na direção do ativista. Outros ativistas ou amigos e solidários dele também começaram a se posicionar do seu lado.
A impressão de quem visse de fora era a daquelas batalhas da Idade Média, em que os cavaleiros cristãos levantavam a viseira de metal de seu elmo a fim de encarar, olho a olho, o seu adversário antes de um duelo.
Sem alternativa para conter o prefeito, recorri à Maria Lúcia, com seu poder de conciliação que sempre demonstrou.
Ela também foi atrás do grupo.
Mas, feito um cachorro vira-latas que vai diminuindo os latidos à medida que a ameaça se torna mais próxima, até ficar praticamente calado e com medo, antes de enfiar o rabo entre as pernas e fugir, o ativista foi diminuindo a voz com a aproximação do prefeito e das pessoas em seu entorno até se calar quando ele estava finalmente frente a frente com ele.
Em uma última tentativa de mostrar que tinha razão, o homem arriscou:
- O senhor deve dar exemplo. Não pode fazer boca de urna. Isto é ilegal. É contra a lei.
- E quem disse a você que estou fazendo boca de urna aqui rapaz? Você me viu falando para alguém que deve votar em Maria Lúcia Amary, por que ela é a melhor candidata? Não, eu não disse nada disso. As pessoas percebem o que é certo e o que é errado. As pessoas são inteligentes. Eu não preciso dizer nada.
Uma multidão nos cercava.
A essa altura os fiscais da seção de votação já estavam à nossa volta e prontos para agir.
Então o prefeito continuou:
- Mas, se você acha que estou fazendo algo errado, vou me retirar agora.
Em ato contínuo, ele tomou a mão de Maria Lúcia Amary e os dois saíram do lugar com passos firmes e decididos, sem olhar atrás, e quem viu aquela imagem, eu tenho certeza, ficou contra o ativista, que, por sinal, ficou resmungando enquanto o casal se afastava.
Sem perceber, esse ativista deu a Renato Amary, inteligente politicamente sempre, a oportunidade de fazer boca de urna, mas de forma legal, já que falou apenas para se explicar que não fazia aquilo de que era acusado.
A mensagem foi passada e não se poderia puni-lo por nada, afinal quem provocou tudo aquilo foi um ativista adversário e não ele.
Maria Lúcia Amary se elegeu pela primeira vez naquela eleição com 75.456 votos, a maioria esmagadora deles em Sorocaba: 49.639, onde estava o seu maior defensor.
Ela havia concorrido antes no primeiro mandato do marido como prefeito, em 1998. Mas nem ele ainda havia se consolidado como a liderança que se tornou nem ela estava pronta. Nessa tentativa, da qual eu não participei, ela obteve apenas 27.664 votos.
Depois da primeira eleição, fui seu primeiro chefe de Gabinete e trabalhamos juntos na Assembleia até 2004, quando aceitei convite para fazer consultoria ao maior operador integrado de logística portuária e marítima do Brasil, o grupo londrino Wilson, Sons.
Maria Lúcia seguiu em frente depois se reelegendo sucessivamente como deputada estadual e hoje, quando escrevo este texto, ela cumpre o seu quinto mandato.
Atualmente também, enquanto escrevo, é candidata a prefeita de Sorocaba pela primeira vez e pode se tornar a primeira mulher a se eleger para o cargo na história.
Renato Amary é novamente um dos seus apoiadores nesta eleição para a Prefeitura, embora não tenha feito nada comparado àquela primeira eleição para a Assembleia.
Agora está afastado do processo eleitoral e curte uma aposentadoria merecida.
Mas daquela campanha me lembro de outros bastidores que foram marcantes.
Talvez o mais interessante seja do dia em que José Serra, então candidato a presidente pelo PSDB visitou Sorocaba para um comício.
O prefeito reuniu todo o grupo que trabalhava na campanha de Maria Lúcia e recomendou que não déssemos chance aos adversários em hipótese alguma.
A recomendação tinha a ver com o fato de que havia muitos candidatos a deputado e vários deles, mesmo não sendo do PSDB, integravam legendas que estavam associadas na aliança que apoiava o candidato a presidente e iriam tirar uma casquinha política, como se diz, se aproximando ou aparecendo.
- Na nossa casa, não podemos deixar que ninguém apareça mais que Maria Lúcia, sentenciou o chefe político.
Só que nem tudo era simples.
Candidatos a deputado, assim como prefeitos como Renato, são pessoas espertas que sabem como ocupar espaços.
E como autoridades ou pessoas com alguma importância política, normalmente afastam assessores ou pessoas que trabalham na campanha adversária com a mesma facilidade que eliminariam formigas em torno de um doce, o que colocava esses colaboradores na mira do prefeito, um líder muito rígido.
Aconteceu que haveria um show de um grupo de cantores conhecidos na época, o KLB, e que ocorreria logo depois dos discursos.
O comício foi programado para a área em frente ao estádio municipal, um espaço grande que já abrigava a festa junina da cidade.
Um palco enorme foi montado e na frente dele havia espaço para pessoas que ficariam em pé, mas com a melhor visão do show.
Os apoiadores de Rita Passos (então no PV), de Itu, que concorria a deputada estadual com Maria Lúcia Amary na época, fretaram cinco ônibus para trazer moradores ituanos ao show e ao comício de José Serra.
Eles foram alguns dos primeiros a chegar.
Pela ordem natural, ocupariam o primeiro espaço à frente do palco, uma área privilegiada para quem assistiria ao show de graça.
Renato Amary acompanhava tudo de perto sempre e cobrava providências imediatas assim que visse algum erro e foi o que determinou uma ação naquela época.
Quando alguém dizia: o bigode mandou, só restava cumprir e o mais rapidamente possível.
Ao ver os ônibus chegando com os apoiadores de Rita Passos e a possibilidade de eles ocuparem o local mais próximo do palco, ele mandou que a área fosse restringida.
Os funcionários explicaram aos moradores de Itu que chegavam que aquele espaço tinha sido reservado por ordem da banda e que ninguém poderia ocupar o local. Eles teriam de se acomodar mais atrás daquela área, onde dava para ver também, mas não era o melhor lugar.
Contrariados, eles foram sendo colocados atrás do espaço mais próximo do palco um a um até que todos estivessem abrigados.
Minutos antes de o comício começar, os apoiadores de Maria Lúcia foram autorizados a entrar no espaço mais próximo do palco.
Ao vê-los entrar, assessores de Rita Passos foram até ela para contar. A candidata ficou possessa. Achava que tinha sido ludibriada e isto era ruim por si só e mais ainda junto aos seus eleitores, que estavam afastados do palco depois de terem sido abordados como se fossem receber um presente.
O comício começou e, enquanto os primeiros políticos falavam, Rita Passos foi tirar satisfações com Maria Lúcia Amary. Ela chegou inquisidora com a concorrente de Sorocaba.
- Você não pode fazer isto comigo Maria Lúcia, dizia aos gritos, porque o som estava alto.
Maria Lúcia não sabia de nada.
- Não sei do que está falando Rita.
- Como não sabe? Colocaram todo o meu pessoal lá para trás. Como eu fico?
- Quem organiza essas ocupações de lugares é o pessoal do show. Não tive participação nisso. Mas vou falar com o Renato para ver o que pode ser feito, disse tentando apaziguar.
Rita Passos não se conformava.
Ela ia de um lado a outro do palco gigante que fora montado falando com várias pessoas para tentar sensibilizar pelo que aconteceu.
Eu a acompanhava de perto para ouvir o que dizia e tentar ajudar a evitar um dano maior.
Depois de muitas reclamações, o rosto vermelho de raiva e passos dados de um lado a outro, a candidata de Itu decidiu esquecer e tentar tirar proveito político ao lado de Serra, que chegara havia poucos minutos.
Com isso, os cinco ônibus vindos de Itu não surtiram o mesmo efeito que ela esperava.
Renato Amary fez Maria Lúcia brilhar e reinar na sua terra, como um bom chefe político.
Mesmo depois da eleição da mulher, o prefeito de Sorocaba continuou fazendo a defesa implacável dela onde podia.
Na inauguração do campus de Sorocaba da Unesp, em abril de 2003, Maria Lúcia Amary discursaria como deputada em nome da Assembleia na solenidade. Estava tudo certo.
Acontece que apareceu na última hora o também então deputado estadual José Crespo (filiado ao antigo PFL) e que era chamado à época de Caldini Crespo, um dos maiores adversários políticos de Renato Amary.
Crespo queria discursar.
Sua assessoria foi ao cerimonial comunicar o desejo, afinal, além de representante de Sorocaba na Assembleia, ele era nascido na cidade, o que tornava a sua fala inquestionável.
A inauguração do campus era uma realização para a cidade e contara com a ajuda imprescindível do prefeito para ocorrer. Além da ajuda em relação às instalações, Amary havia conversado com o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) para a viabilização.
Por conta disso e pela rivalidade com Crespo, o prefeito não admitia que o deputado falasse.
Amary incumbiu a mim, como chefe de Gabinete de Maria Lúcia, de impedir a fala. Quando passou a incumbência, chispava as palavras entre os bigodes e isto significava que ele não admitia nada como impossível.
Falei com o cerimonial e a resposta foi que o deputado tinha de falar por ser natural da cidade e representá-la na Assembleia.
Era praxe e era o padrão, disse-me o responsável pelo cerimonial.
Aquele foi mais um momento difícil para mim, mas tinha de dar um jeito.
Conversando com Maria Lúcia soube que ela tinha recebido uma carta do presidente da Assembleia indicando-a como representante dele na solenidade e rapidamente tomei esse documento em mãos e voltei ao cerimonial.
- Como pode a Assembleia ter alguém indicada pelo presidente para representá-lo e vocês quererem que outro deputado fale? Se o presidente estivesse aqui, os outros deputados falariam ou seria só o presidente?
- O presidente poderia permitir que todos falassem, desde que isto não atrasasse a cerimônia ou a programação do governador, respondeu o chefe do cerimonial.
- Mas ele poderia não autorizar também?
- Sim.
A partir disso, procurei a direção da Unesp e pedi que solicitasse a realização de uma cerimônia sem tantos discursos de deputados.
Feito isto, voltei ao cerimonial e consegui finalmente que apenas Maria Lúcia falasse.
A exemplo de Rita Passos no comício de Serra, Crespo também se irritou, mas não teve muito o que fazer diante da negativa.
A solenidade foi um sucesso para a administração e consequentemente contou pontos para a deputada, que iniciava ainda os seus discursos e a sua exposição maior.
Em outra oportunidade, em maio de 2004, último ano do segundo governo de Renato Amary como prefeito, aconteceu outro episódio de defesa dele em relação à mulher.
A Prefeitura inaugurava o Parque Municipal Amadeu Franciuli, no Vitória Régia, zona norte, uma área com 240 mil metros quadrados.
Era o segundo maior parque da cidade.
Durante a solenidade, palanque colocado em um canto do parque e a multidão em frente. Quando Maria Lúcia começou a falar, um cidadão no meio do povo passou a dizer palavrões contra ela. Rapidamente seguranças foram até ele para retirá-lo do local.
Antes que isto acontecesse, Renato Amary tomou o microfone e disse chispando as palavras entre os bigodes:
- Eu aceito protestos de qualquer ordem. Mas o senhor não vai ofender a minha mulher na minha frente. Isto eu não vou admitir.
Em seguida, ele pediu que levassem um microfone ao cidadão e perguntou a ele o que tinha a criticar e pediu que dissesse sem ofensas à sua mulher, que estava ali como deputada.
O cidadão se enrolou todo como o ativista do colégio de votação e começou então a ser vaiado pela multidão. Em poucos minutos, os próprios moradores o retiraram do local, rejeitando as suas críticas à Maria Lúcia.
Mais uma atitude de coragem do homem de bigodes que todos respeitavam.
A segurança que o fez agir com essa disposição era a mesma com a qual conduzia cada decisão: ele sabia exatamente o que fazer.
Mais tarde, quando se tornou o quarto deputado federal mais bem votado do Estado, Renato Amary me convidou para trabalhar na sua campanha de reeleição à Câmara Federal.
Aceitei o desafio deixando para traz a gestão de comunicação de um dos maiores grupos do setor de serviços do Brasil, o JLJ Empresas.
Nas muitas viagens que fizemos juntos em campanha e mesmo quando foi prefeito, uma das marcas de Renato Amary era a pontualidade britânica com que realizava todos os eventos.
Lembro-me de um episódio marcante dessa precisão de horários que ocorreu comigo como chefe de Gabinete de Maria Lúcia Amary.
Entre 2000 e 2003, Renato recuperou totalmente o prédio histórico do Mercado Municipal, um dos cartões postais de Sorocaba e patrimônio histórico tombado.
A Prefeitura dotou o prédio de piso novo, caixa d’água, sanitários, nova fiação elétrica e novo telhado e refez a fachada, concebida desde a criação do mercado em 1938 em art-déco.
Quando a obra estava concluída, o prefeito marcou a reinauguração para as 11h.
Maria Lúcia estava em Tatuí e entrou para uma solenidade com o prefeito de lá às 10h.
Pelo cronograma oficial, ela falaria por volta de 10h40. Para que chegasse a tempo da entrega do Mercado Municipal, a solenidade em Sorocaba teria de ser atrasada.
Quando disse isto ao prefeito antes de irmos a Tatuí sobre a possibilidade de atrasar, ele foi taxativo chispando as palavras entre os bigodes:
- Não será atrasada. Começo às 11h. Ela tem de estar aqui até esse horário.
Não podíamos sair do evento em Tatuí e tampouco estar em Sorocaba ao mesmo tempo.
Mais um dilema para mim.
Conversei com o prefeito de Tatuí e expliquei a situação. Pedi que ele invertesse a ordem das falas e que a deputada falasse primeiro.
Não era o usual, mas era a alternativa que me restava. E ainda dependendo da habilidade na condução do carro oficial pelo motorista Luiz Camargo. Tudo conspirava para não dar certo.
Mesmo assim, conseguimos sair de Tatuí às 10h30 e o Luizão acelerou o máximo que pode. Enquanto seguíamos para Sorocaba, Amary me ligava de cinco em cinco minutos dizendo que ia começar a cerimônia sem a deputada.
Olha, não infartei porque estava preparado para essa rotina estressante, mas foi por pouco.
Apesar da distância e do tempo curto, o motorista nos deixou na ponta da praça do Mercado Municipal 11h em ponto.
Ao nos avistar do palanque improvisado na frente do prédio, Renato Amary tomou o microfone e disse que estava iniciando a solenidade, já que a deputada Maria Lúcia Amary havia acabado de chegar.
Chegar não era bem o termo.
Ela havia desembarcado na ponta da praça. Usando saltos altos e tendo de parar para cumprimentar os presentes à medida que caminhava, chegar mesmo demorou uns 15 minutos, mas a cerimônia começou às 11h em ponto e Renato Amary manteve a fama de cumprir os horários a que se propunha à risca.
Mas, certa vez, quando fazíamos uma viagem em campanha para a reeleição de deputado federal pela região de Ourinhos, fomos obrigados a dormir por lá, pois havia um encontro regional do PSDB com a presença de José Aníbal no dia seguinte e Renato Amary tomaria parte como liderança da legenda.
Ficamos em um hotelzinho em Ourinhos.
Antes de dormir, o deputado estabeleceu o horário de encontro no dia seguinte para toda a equipe que o acompanhava.
Como o encontro do partido começaria às 9h, ele disse que nos encontrássemos às 8h para tomar um café e seguirmos a pé ao local.
No dia seguinte, cheguei ao restaurante do hotel e encontrei todos os outros já a postos, mas não vi Renato Amary.
- Aonde está o chefe?, perguntei.
- Não desceu ainda.
- Ora essa, como não desceu? Não marcamos 8h? Ele sempre é pontual. Será que aconteceu alguma coisa? Vou checar.
Perguntei aos funcionários e não havia tido nada de excepcional com o deputado.
Resolvi aguardar e essa espera durou 15 minutos cravados no meu relógio.
Às 8h15, Renato apareceu na porta de entrada do restaurante arrumando ainda o paletó e a gravata e se deparou com a equipe toda de olhos arregalados, comigo à frente, que o esperava sem ter tocado ainda no café.
Antes que perguntássemos do atraso e tivesse de explicar o que nunca havia acontecido, Renato Amary se adiantou e disse:
- Combinamos às 8h15, não é mesmo?
Todos nos entreolhamos sem saber o que dizer e os outros ficaram quietos, mas eu não:
- Não, combinamos às 8h.
E o deputado disse mais uma vez, chispando as palavras entre os bigodes:
- Combinamos às 8h15.
E assim ficou: o homem de bigodes que nunca se atrasou continuou sem se atrasar.
FIQUE SABENDO
Em breve lançarei um livro intitulado "Coração Jornalista" com este texto e outros que estou preparando para contar coisas que vivi nos bastidores das reportagens que fiz ao longo de quase 40 anos de profissão.
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