O inferno

8 de outubro de 2020

O inferno

Data de Publicação: 8 de outubro de 2020 18:48:00 TRAIÇÃO - Quando o amor existe, fica difícil ver, entender e mudar qualquer coisa, ainda que nos faça mal e que nos tire o chão.

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SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO

Quem nunca se apaixonou perdidamente e fez bobagens atrás de bobagens por esse amor? Talvez todo mundo, embora nem todos admitam. O fato é que corações apaixonados só se metem em encrenca.

 

 

- Vá para o inferno.

- O quê? O que disse? Está me mandando para o inferno? Está mandando o seu namorado para o inferno? É isso mesmo?

- Você não me respeita.

- Não, eu te respeito muito. Você é que não me respeita. Quer que eu vá para o inferno? Ok.

E não se falaram mais.

Ivo bloqueou Manuela no whatsapp e em todas as outras redes sociais.

Ela não podia nem ligar para xingá-lo.

E isto foi o que mais a irritou.

Não poder despejar todo o ódio que sentia em cima dele era a pior coisa para ela.

 

A briga havia começado no dia anterior, quando Manuela reclamou que ele falava com outras mulheres no whatsapp.

- Eu não falava com ninguém.

- Então por que sumiu por meia hora?

- Estava conversando com minha mãe, mas ela não é tecnicamente outra mulher.

- Não estava. Você fica dando bola. É cobiçado e gosta disso. Fica jogando conversa fora.

- Olha, eu não fiz isso. Você está exagerando. Brigamos demais por coisas que não fazem sentido. Eu não vou fazer esse jogo.

Disse e deixou a rede social.

A primeira mensagem de Manuela no outro dia fazia menção a exageros.

Ela parecia arrependida do ciúme desmedido.

Ivo resolveu passar uma mensagem que lhe desse um puxão de orelhas. Mandou: “Parabéns, que o seu dia seja de muito aprendizado. Não é todo dia que temos a chance do reconhecimento do que somos. Beijo”.

Ao ler, Manuela devolveu furiosa:

- Para quem era essa mensagem?

- Para você, ora.

- Eu não estou fazendo aniversário. Você errou a mensagem. Era para outra. Eu estava até disposta a pedir desculpas por ontem, mas vejo que você estava mesmo falando com outra. Hoje a está parabenizando. Fique com ela.

- Manu, pelo amor de Deus, eu não errei a mensagem. Estava querendo apenas te dar um puxão de orelhas por ontem. Não tem outra.

- Eu vou descobrir. Não fale mais comigo. Você vai se arrepender de me trair.

- Trair? Manu...

Não se passaram nem 30 minutos e ela voltou com a descoberta que tanto queria.

- Eu descobri. Veja aí no print. Você marcou a Carla, que você saiu. Aquela, aquela...

- Que Carla? Do que está falando?

- Veja o print.

A cópia de outra rede social de Ivo trazia a marcação de uma Carla, mas ela não era a que ele havia saído antes de conhecer Manuela.

- Não é ela.

- É sim. Eu puxei o perfil. É ela. Aquela vaca.

- Você está errada. Não é ela. Não sei o que fez para puxar o perfil que me enviou. Eu não marquei essa Carla. Por favor, Manu.

- É ela sim, você me traiu ao falar com ela, ao marcá-la. Devem ficar de conversinhas.

- Não é Manu.

Ivo ficou chateado com a afirmação dela e tentou conversar novamente.

- Manu...

- Você é um doente, você só pensa em sexo. Olha, você vai morrer sozinho e louco.

- Puxa, é isso que deseja para mim?

Foi aí que surgiu o vá para o inferno.

E então não se falaram mais.

 

Enquanto estavam sem contato, Ivo foi para o inferno de certa forma.

Passou a pensar em tudo o que já fora motivo de briga com Manuela. Estavam juntos havia um ano apenas e as brigas eram dia sim, dia não.

Então se lembrou de um fato em especial ocorrido no trabalho deles.

Recordou que ela permitira a aproximação de um colega, o Zico, que era a fim dela.

Ele se sentava ao lado dela e ficavam conversando por horas, iam almoçar juntos e tomar sorvete depois do almoço. Embora uma amiga fosse junto, era com ela que ele ficava e era com ela com quem ele conversava.

Um dia Zico se sentou na cadeira que ela usava e disse para ela se sentar em seu colo.

Manuela não se sentou, mas não brigou com ele por causa da proposta e da situação.

Todo mundo da seção viu e comentou.

Ivo trabalhava na mesma empresa, mas em outro setor e se lembrou que as pessoas faziam gozações com ele, dizendo que ele era sócio do tal colega e que já já ia perder a namorada.

 Na discussão, Ivo ficou nervoso como nunca ficara e pediu que ela se afastasse de Zico, porque estava nítido que ele estava interessado e que ela estava facilitando as coisas.

Foi o que bastou para que ela se sentisse ofendida e que brigasse com ele.

- Você acha que eu sou vagabunda, é?

- Não é isso. Só não acho que deva permitir essa aproximação dele. Está ficando ruim.

- Somos amigos apenas. Não vê que a Laurinha sempre está conosco. Não tem nada. Ele é um moleque. Não vou trocar fraldas.

A menção à idade era porque Zico era dez anos mais novo que Manuela.

Sem conseguir mudar a situação, o ponto alto foi quando ela veio dizer a Ivo que iria em uma festa promovida pelo colega do trabalho.

- Como assim? Você não tem nada que ir.

- Eu vou com a Laurinha. Ele convidou. Não tem nada demais. Será na sexta-feira.

- Na sexta-feira? Não íamos sair na sexta?

- Vamos depois que eu voltar.

Mesmo com a discordância de Ivo, Manuela foi à festa na companhia de Laurinha e o deixou esperando por quase duas horas.

Os dois discutiram feio no retorno.

Só aí Manuela admitiu que as coisas tinham passado do limite e pediu perdão.

Irritado e descontente, Ivo não queria aceitar, mas acabou perdoando.

Dias depois, Zico foi dispensado do trabalho.

No dia em que ele deixava a empresa, ele convidou Ivo para almoçar.

Ivo se surpreendeu, mas aceitou.

Talvez fosse para pedir desculpas, pensou.

Mas, na conversa, Zico disse que estava tendo um caso com Manuela e que ela gostava dele, Ivo, e ele também não ficaria na empresa. Então estava tudo acabado e que ele pedia desculpas.

Ivo esteve entre partir a cara de Zico e nunca mais ver Manuela, mas não fez nenhum deles.

Manuela se desculpou pelo que ele passara, disse que nunca havia feito nada com o colega e que não se aproximaria mais dele.

- Claro que não, né? Ele deixou a empresa.

- Você não confia em mim, né?

- Eu confio, mas você a de convir que não foi legal comigo nessa história.

- Eu já pedi desculpas.

- Está bem, vamos em frente.

 

Algum tempo depois, o ex-colega de trabalho ligou para Manuela dizendo que estaria por perto da empresa e queria almoçar com ela.

- Eu não vou. Tenho namorado. Você falou demais para ele já. Sinto muito.

- Desculpe Manu. Exagerei porque eu gosto de você. Mas entendo e não quero problema.

- Assim é melhor.

- Mas você poderia ir, porque a Laurinha e os outros da sua seção vão também.

- Obrigada, mas não vou.

Quando contou sobre a ligação, Ivo ficou possesso e demonstrou dificuldade para administrar aquela situação.

- Eu não tenho mais contato com ele.

- E como ele te liga?

- Ligou na empresa.

- Você tem os números dele?

- Tenho, mas o que isso tem a ver?

- Não quero que tenha.

- Está bem. Fique tranquilo. Vou resolver.

No outro dia, Ivo questionou novamente:

- O que fez com os números dele?

- Apaguei.

- Apagou? Você tinha de bloquear. Apagar não muda nada. Ele pode te ligar normalmente.

- Está bem. Vou pedir os números para a Laurinha e aí eu bloqueio.

 

Na verdade, ela não o bloqueou.

Não só isso: era a única que tinha um telefone que Zico não dava para ninguém.

- Você vai perder o Ivo desse jeito.

- Não Laurinha, ele é louco por mim.

- Mas uma hora a coisa estoura. O Zico é legal. Só não quer nada sério. Você sabe. O Ivo não. O Ivo é um cara tudo de bom.

- Ei, para já. Está de olho no meu homem.

As duas riem.

- Não, claro que não. Ele não é o meu tipo. Gosto mais de bagunceiro como o Zico. Se ele fosse o meu tipo, eu roubava de você facinho.

- Ah é. Experimenta.

- E como vai esconder o Zico dele?

- Não sei.

- Ele disse que vem domingo e quer te ver.

- Puxa, preciso ver como. Vou sair com o Ivo no sábado. Só se a gente brigar...

- Você vai brigar com ele para sair com o Zico?

- Não para sair. Mas se brigarmos, ele não estranhará minha ausência. Aí posso pelo menos conversar um pouco com o Zico.

- Você gosta de viver perigosamente.

Dito e feito.

Na sexta-feira, Manuela armou uma discussão sem motivo para que ficassem brigados.

Disse que o chefe dela estava dando em cima dela. Ela não queria nada, mas ele forçava, afirmou. Não sabia o que fazer.

- Como assim? É só cortar. Manu, você está de brincadeira comigo. Não acredito nisso.

- Eu cortei, mas, olha, me convocou para trabalhar no sábado. Você vai ter de me esperar. Você me espera amorzinho?

- Você vai trabalhar de noite no sábado?

- Não, mas íamos sair à tarde e ficaríamos juntos até a noite, porque iríamos a São Paulo. Você não lembra que combinamos?

- Sim, mas então não vá trabalhar.

- Não posso. Ele está dando em cima de mim, mas é meu chefe. Não posso deixar de ir. É convocação. Sou obrigada a obedecer.

- Claro que pode deixar de ir. Ninguém é obrigado a trabalhar. Ainda mais em um sábado, que é a sua folga. E denuncie o assédio.

- Você é louco?

- Não, eu não sou é bobo.

- Está desconfiando de mim?

- Não é isso. Mas essa história não me cheira bem. Você pode evitar ir trabalhar sim.

Dali em frente foi só bate-boca.

Depois não se falaram o final de semana todo.

No domingo, Manuela se encontrou com Zico no shopping e dali foram andar de moto.

Ele tinha uma moto grande e gostava de fazer passeios pelas estradas rurais da cidade.

Manuela adorava moto.

Quando questionada por Laurinha, ela dizia que não gostava de Zico, mas o achava atraente.

- Não sei o que é. Acho ele bonito sim e tem um corpão também. Mas não me sinto apaixonada por ele. É um moleque para mim. Sou dez anos mais velha. Mas conversamos bem demais. A gente não para de falar. Um assunto emenda no outro. E ele é muito paquerador, você sabe. Eu não consigo resistir. Adoro ser paparicada. Parece que ele fala o que eu quero ouvir. Eu amo o Ivo, você sabe. Mas é mais forte que eu essa coisa com o Zico. Não consigo parar.

- Manu, você precisa decidir: ao mesmo tempo, dois não dá. Nem sei como consegue fazer isso. Como que um não percebe o outro.

- Laurinha, o Zico não está nem aí com isso e o Ivo está cego por mim.

- Você é doida.

 

Ivo sempre desconfiou que havia algo, mas Manuela negava com convicção.

Tinha vários argumentos: é mais novo que eu dez anos, é um moleque e eu amo você de verdade, por que ia querer estragar tudo?

Fazia sentido o que dizia, mas por que essa proximidade consentida, os abusos como conversar tanto tempo lado a lado, almoçar e tomar sorvete com ele e ir à festa dele?

Nada disso fazia sentido.

A esse questionamento, ela rebatia:

- Você não pode me proibir de ter amizade com as pessoas. Vai me colocar em uma redoma para ninguém nem chegar perto? Eu quero ter liberdade e você precisa confiar em mim.

- Eu não proíbo nada. Você tem toda a liberdade. O problema é o exagero com ele.

- É só amizade. Ele gosta de conversar. Só fazemos isso. Só conversamos. Tem pecado?

- Para mim é o inferno inteiro.

- Sabe, eu fico muito triste com você por não confiar em mim. Eu nunca te trai. Nunca fiz nada que te prejudicasse. Eu só quero o seu bem.

As palavras de Manuela eram sempre nessa linha e o amor que Ivo tinha por ela tornavam as coisas mais difíceis de contornar.

Ela sempre conseguia o perdão dele.

Mas mandá-lo para o inferno foi demais.

Desejar que morresse só e louco mais ainda.

 

Ivo estava com uma passagem comprada para a Bahia quando chegou um e-mail de Manuela pedindo para ele perdoar o que ela disse.

Por um longo instante, ele pensou no inferno que seria estar em Porto Seguro sozinho.

Como ir à praia sem a Manu cheia de protetor solar, com aquele chapeuzinho vermelho inconfundível e os pezinhos branquinhos para pisar na areia e dizer que estava quente?

Como não admirar a cor que ela sempre pegava com um pouquinho só de sol, para depois ficar zoando o branco de escritório dele.

- Vamos para o sol para você perder essa bunda branquinha bonitinha que você tem, ela dizia para encorajá-lo a sair do guarda sol.

Não, não dava para viver sem a Manu.

- Antes que eu fique louco, porque doente por você eu já sou, eu te perdoo.

Assim que o e-mail partiu, Ivo ficou pensando em tudo o que ela disse e em tudo o que já passara com ela e, olhando a tela, disse:

- Será?

 

 

FIQUE SABENDO

Todas as terças e quintas tem uma crônica nova neste espaço.

Imagem da Galeria Quando há amor, todo o resto fica sem razão e sem noção
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