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O bonitão do facebook
Data de Publicação: 6 de setembro de 2020 18:26:00 VÍTIMA DE UM AMOR - Quando tudo dá errado na vida de uma mulher com baixa autoestima, a tendência é sempre piorar.
SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO
Desde a chegada do Facebook ao Brasil, os casos de homens que dão golpes em mulheres solitárias se repetem. Neste que acompanhei pelo Cruzeiro do Sul, estive perto de deter o malandro. Mas a vítima impediu.
- Você vai engolir isso.
Depois da frase vieram pedaços de madeira, copos, garrafas e até uma panela velha preta de ferro atirados com raiva.
Laerte não tinha ideia do que estava acontecendo na sua loja.
Então viu uma mulher magra, branca, de cabelos longos e negros, aparentando quase 40 anos, cair sobre ele desfalecida.
Não teve tempo de nada.
Outra mulher, esta bastante obesa, de cabelos curtos, toda maquiada e muito nervosa veio em seguida.
Ela tentava esganar a primeira.
Alguns minutos depois de ser colocado, involuntariamente, no meio das duas, Laerte conseguiu se reerguer e tentar tomar as rédeas daquela situação.
- O que está acontecendo aqui?, gritou.
A segunda mulher olhou para ele com um ar de quem também não sabia e abaixou a cabeça para tentar tomar pé do que acontecia, depois daquela agressão que ela mesma promovera à amiga e a ele.
- Vamos, diga o que está acontecendo? Você é maluca ou o quê? Quem essa outra maluca? Você me acertou.
Laerte olhou instintivamente para os próprios braços, a barriga, a coxa direita, tudo estava arranhado, sangrando, doendo.
Ele fez questão de mostrar a ela.
A mulher demorou a conseguir se levantar por causa do seu tamanho e da dificuldade para se mexer no meio daquela bagunça.
Com algum esforço, colocou-se de pé.
A outra ainda estava desfalecida.
- Eu peço desculpas pelo que aconteceu.
- Desculpas? Isso não basta. Você tem de explicar o que aconteceu. Por que fez tudo isso e quem é essa outra?
- Está certo.
- Vamos, fale.
- Essa é a Marilda. Ela era minha melhor amiga. Agora não é mais.
- Sei, continue.
- Ela me ofendeu e eu me vinguei dela.
- Como assim?
- Ela me ofendeu, você não entendeu?
- Não entendi não, gritou.
- Ela disse que eu sou gorda e que não vou arranjar um namorado nunca por causa disso. Entendeu agora ou quer que eu desenhe?
- Ah isso.
- Ah isso? Para você não é nada, não é mesmo? Eu não aceito.
- Mas a senhora. A senhora. Bem a senhora não é o tipo de pessoa que a gente possa dizer que é uma pessoa magra.
- Você está me ofendendo também?
A mulher já pegava um pedaço de madeira entre os que havia jogado na outra, de forma instintiva para atingi-lo.
- Não, não. Eu não estou. Quis dizer que...
- Olha, estou cansada dessa discussão. Vou embora. Quando ela acordar, você diga a ela que a Dayane não quer vê-la mais nem pintada de ouro. Você entendeu?
- Sim, sim, sim. Eu entendi. Eu entendi.
A tal Dayane se foi.
Laerte se concentrou na outra para tentar acordá-la e para se livrar dela também.
Nunca a sua loja de armarinhos esteve tão bagunçada nos cinco anos de funcionamento.
A tal Marilda demorou a acordar.
Quando conseguiu, se desculpou rapidamente e também se foi.
Após a paz voltar ao ambiente, Laerte começou a limpeza e em seguida faria o conserto do que havia sido quebrado.
Ele dizia para si mesmo que nunca mais deixaria que as duas se aproximassem do seu comércio ou que lhe dirigissem a palavra.
Quando conheci Dayane, no início de 2011, ela me contou toda a história antes de qualquer coisa como se vomitasse aquilo.
Queria que eu entendesse o drama pelo qual ela passava e porque havia se metido na encrenca que a trouxera até mim.
Eu era repórter do Cruzeiro do Sul, o mais antigo jornal impresso de Sorocaba. Essa era a segunda vez que trabalhava na empresa, mas desta vez apenas cobria férias.
Minha responsabilidade era a editoria de Polícia, uma das mais lidas do jornal.
Um colega me passou o telefone com a ligação de Dayane e fez sinal com a mão girando em torno da cabeça, como a dizer que a pessoa era meio descontrolada.
- Alô, Eloy de Oliveira falando.
- O senhor é o responsável por fazer notícias policiais, é isso mesmo?
- Sim, sou eu sim.
- Então, eu preciso da sua ajuda urgente para prender o cretino.
- Oi?
- Quero prender o desgraçado. Você me ajuda? Pode fazer isso?
- Veja bem: quem prende os bandidos, na verdade, não sou eu. Quem prende é a polícia. Eu apenas divulgo as prisões.
- Você não está entendendo nada. Eu vou ligar para a diretoria dessa porcaria de jornal.
Disse e desligou na minha cara.
- Ela realmente estava descontrolada, comentei com o colega que havia me passado a ligação logo após ela desligar.
- Não diz coisa com coisa, afirmou ele.
- Ela queria que eu prendesse alguém, um cretino, pelo que entendi.
- Ah, você virou polícia agora?
Rimos um pouco e resolvi esquecer o caso.
No dia seguinte meu editor me chamou e disse que uma leitora havia feito uma reclamação contra mim junto à diretoria e que havia sido pedido que eu entrasse em contato com ela, me desculpasse e fizesse a reportagem que ela pedia.
Tentei explicar que não fora bem isso o que acontecera, mas não adiantou muito.
De posse do telefone da tal Dayane, liguei, me desculpei e disse que iria ajudá-la.
- Você vai me ajudar a prender o desgraçado de uma vez por todas?
- Claro, claro que sim. Assim que eu souber quem é o desgraçado e o que ele te fez.
- O nome dele é Marcelo, Marcelo Azevedo.
- Certo, anotei aqui. Mas o que ele fez?
- Ele me enganou.
- Enganou como? Ele te roubou? Você deu alguma coisa de valor a ele? De onde ele é? Como aconteceu tudo isso? Você já registrou boletim de ocorrência contra ele?
- Chio, se você ficar falando que nem uma matraca desembestada, eu não vou poder contar o que aconteceu.
- Desculpe. Pode falar à vontade agora. Não vou interromper mais a sua fala.
A partir dali, Dayane passou a relatar que se sentia uma mulher horrível por estar acima do peso e que passara a agir contra tudo e contra todos como se todo mundo estivesse querendo expor o seu problema para rir dele.
Ela disse que morava em uma pequena cidade na divisa com Minas Gerais e que trabalhava na Prefeitura de lá, portanto todo mundo a conhecia. Em razão disso, queria que o seu nome permanecesse em segredo.
- Dayane, você me desculpe. Eu disse que não interromperia mais, mas sou forçado a fazer isto. Não podemos continuar.
- Como assim? Eu reclamei com a diretoria. Eles disseram que você falaria comigo, que me ajudaria. Por que está recuando agora?
- Ouça bem, não estou recuando. O que acontece é que você está me dizendo que mora em uma cidade na divisa com Minas. Nosso jornal não vai até aí. Só fazemos reportagem sobre o que acontece aqui na nossa região. Atualmente são 20 cidades apenas. Não posso registrar o seu caso porque ele é de muito longe. Você entendeu?
- Você é que não entendeu nada. Eu vou desligar. Vou falar com a diretoria dessa bosta de jornal e pedir outro repórter.
- Não, espere. Espere, por favor. Se fizer isto, vai me prejudicar. Já fez uma queixa contra mim ontem. Estou apenas cobrindo férias aqui neste momento. Eles me dispensam. Vamos continuar conversando. Talvez haja um jeito de eu registrar o seu caso.
- Está bem então.
A mulher retomou a narrativa e disse que a obesidade vinha causando muitos problemas para ela, como aquela agressão à amiga que ela havia me relatado de cara, e a obesidade também a tinha metido na encrenca que ela queria me contar agora: o envolvimento com o bonitão do Facebook, como ela denominou.
Criado em 4 de fevereiro de 2004 dentro de uma universidade dos Estados Unidos para servir apenas a universitários de lá, o Facebook é um serviço que evoluiu e conquistou rapidamente muitos usuários no mundo todo, hoje já são mais de 3 bilhões.
Dayane se tornou uma aficionada do serviço assim que ele chegou ao Brasil, praticamente três anos depois.
Apesar disso, como responsável pelo RH da Prefeitura, ela não podia ficar muito tempo no site do Facebook no computador oficial, pois ele estava constantemente tomado por planilhas para consulta.
Também havia uma fiscalização quanto aos desvios de função. Ela tinha a responsabilidade de dar exemplo.
Tudo mudou no dia 18 de maio de 2010, quando o Facebook se juntou, no Brasil, à operadora de celular TIM, que era a principal responsável pela telefonia móvel na cidade de Dayane, e as duas lançaram o serviço de acesso grátis ao site do serviço. O acesso passava então a ser feito por meio do próprio aparelho celular.
Dona de uma situação financeira estável e consolidada, Dayane adquiriu o serviço para ficar mais tempo navegando no Facebook pelo celular, mesmo no trabalho. Desta forma, não chamaria a atenção e podia ver a rede até mesmo quando ia ao banheiro.
Em 2011, o Facebook lançou a timeline, uma linha do tempo que organizava o conteúdo cronologicamente, como em um "feed" de notícias, e que dava mais destaque às publicações e fotos.
A empresa americana abriu o seu escritório no Brasil naquele ano.
Foi aí que Dayane conheceu Marcelo Azevedo, um homem alto, moreno, de corpo atlético, que se apresentou a ela como médico cirurgião, morador da cidade de Itu.
Quando ouvi a palavra Itu, disse a ela que os problemas de localização de que eu havia reclamado estavam resolvidos.
Itu fazia parte da área de cobertura do Cruzeiro e, em sendo assim, eu poderia atendê-la sem dificuldades agora.
- Você não entende nada mesmo. Por que acha que estou procurando esse jornal? É exatamente por esse cachorro ser de Itu.
Aquela observação dela constante de que eu não entendia nada me incomodava.
- Olha, Dayane, não acho correto que fique repetindo que não entendo nada. Isto me irrita. Estou aqui para te ajudar, mas não gosto de ser ofendido dessa forma, assim como você disse que se ofende por falarem da sua obesidade, de acordo com o que me relatou.
- Aí meu Deus, desculpe. Você tem razão. É que me acostumei a falar assim com...
Nesse momento, ela disse o nome de uma autoridade de Sorocaba, que não vou reproduzir por razões que serão entendidas na sequência dessa história.
- Você o conhece?, fiquei interessado.
- Sim e muito, mas não vem ao caso.
- Se há essa relação, você já esteve por aqui antes? Conhece a cidade, a região?
- Você pergunta demais. Não quero falar sobre isso. Mas posso dizer que ele (referindo-se à autoridade) é um grande amigo hoje.
- Entendo. Vocês se falam ainda?
- Sim, foi ele quem me disse para procurar este jornal, desde que não mencionasse o meu nome e nem o dele. Se você colocar o meu nome ou o dele, eu te processo, gritou.
- Calma, por enquanto só estou tentando entender o que aconteceu com você.
Ela se acalmou e voltou a falar sobre o suposto médico cirurgião de Itu.
Disse que tudo começou em um dia no qual estava muito para baixo.
- Eu tive uma decepção muito grande.
- O que a decepcionou?
- Não vou falar sobre isso agora.
- Está bem. Continue.
Dayane recebeu uma curtida dele na sua foto no Facebook e uma mensagem direta enviada para o particular.
“Quando vi a sua foto, fiquei imaginando como eu gostaria de ser o Tor. Você parece ter mãos de fada. Passa a imagem de alguém que é linda por dentro também. Enfim, é uma pessoa que eu gostaria muito de conhecer”.
- Nossa, e você não achou estranho que ele dissesse tudo isso de graça assim?
- Você quer dizer que não seria normal que ele achasse uma gorda atraente, sendo ele um homem bonito e sarado?
- Não, não quis dizer isso. Olhe, você diz que é obesa e que se sente magoada com o bullying que fazem por isso, mas não sei se é realmente assim. Não nos vimos pessoalmente ainda. Conheço mulheres lindas que se acham horríveis.
- Você está me cantando?
- Não, não, não. Me desculpe. Quis só deixar claro que nem sempre é como achamos.
- Eu sei. Eu entendi.
- Que ótimo. Bom, e daí o que aconteceu?
- Na verdade, ele não se encantou exageradamente por uma mulher obesa. A foto que eu publiquei era de antes. Eu tenho 43 anos hoje. Aquela foto era de quando eu tinha 26. Eu segurava o meu cachorrinho Tor.
- E você não desmentiu?
- Não. Eu amo aquela fase. Eu era linda. Os homens caíam aos meus pés. Depois, tudo mudou e eu me tornei essa gorda...
Dayane foi perdendo o entusiasmo à medida que a sua frase ia chegando ao final, como se realmente vivesse naquele instante a trajetória daquela derrocada descrita e concluiu chorando de soluçar.
- Calma, não chore por favor. Todos nós passamos por um processo de envelhecimento. Isto é natural. Temos de olhar para o que há de bom em nós.
- Quantos anos você tem Eloy?
- Eu?
- É, você.
- Tenho 49.
- Então sabe que não é assim. Não para uma mulher. O homem mais velho não deixa de ser atraente. A mulher deixa. Se estiver assim como eu então só vai restar cair em golpes. Eu sou um fracasso em pessoa.
- Escute, não é assim. Valorize o que você tem de bom. Se fizer isto, verá que o que aconteceu poderia ter ocorrido a qualquer outra. Mas voltemos ao médico.
Ela ainda se recompunha das lágrimas.
- Não, vamos falar depois. Eu ligo para você. Qual é o melhor horário?
- Está bem. À tarde é melhor. Trabalho à tarde aqui. No final da tarde é melhor.
Depois de desligar, fui falar com meu editor.
Achava que aquela história não renderia. Dayane era uma mulher solitária, com baixa autoestima, visíveis e graves complexos. Talvez tivesse inventado tudo aquilo.
Mas ele disse que investigasse um pouco mais. Na opinião dele, tínhamos a chance de falar de vários casos ao mesmo tempo.
Os golpes de homens sobre mulheres solitárias no Facebook estavam se tornando comum em Sorocaba e na região.
Tínhamos uma boa oportunidade de escancarar a história se bem contada.
- Confio em você para isso, disse ele.
i para casa pensando na história daquela mulher e tentando entender o que movia alguém como Dayane, que era estabilizada financeiramente na vida, a ceder aos caprichos de uma pessoa que sequer conhecia apenas para ter companhia.
No caminho, passei em uma conveniência para comprar água. Estava morrendo de sede. A comida do restaurante do Cruzeiro deveria estar salgada demais. Estava com muita sede.
A mulher que me atendeu errou no pedido e me deu um chocolate.
- Escuta, eu pedi uma água.
- Aí desculpe. Vou trocar. Espere.
- Deve estar pensando em chocolate. Brigou com o namorado?
Ri com minha pergunta tentando fazê-la esquecer do erro e desfazer a cara séria.
Ela também riu, mas fechou a cara novamente com um ar de tristeza.
- Antes fosse, mas ninguém me quer.
Ao me entregar o tíquete para apanhar a água, ela segurou na minha mão como se fosse sem querer e me encarou.
- Desculpe, foi sem querer.
- Não foi nada. Acalme-se que logo o seu príncipe aparece. Você é bonita.
- Obrigada.
Percebi que o elogio fez bem a ela.
Talvez fosse isso: carência.
Se aquela menina, que não era obesa e não era feia, estava assim, imagine aquela Dayane, que quebrou uma loja de armarinhos para surrar uma amiga por tê-la chamado de gorda e ter dito que ela não arranjaria nunca um namorado?
Muitos espertalhões se aproveitam dessa fraqueza para tirar dinheiro de mulheres nessa situação. Se eu podia evitar que isto continuasse ou alertar para não continuar a ocorrer, eu faria.
No dia seguinte, Dayane ligou:
- O que aconteceu depois da mensagem?
- Começamos a conversar. Não percebi de pronto, porque achei aquele interesse por mim tão especial, mas ele não falava dele. Eu é que falava de mim.
- E sobre o que conversavam?
- Ele disse que era médico cirurgião, morava sozinho em Itu, gostava de praia, música internacional e mulheres bonitas como eu que tinham sentimento.
- Não achou estranho ele dizer isso sem nem te conhecer ainda?
- Eu achei. Disse a ele: como pode saber se tenho sentimento se não me conhece? E ele respondeu que o jeito como eu abraçava o Tor mostrava isso. Disse que na sua profissão aprendeu a conhecer as pessoas pelo olhar, pelos gestos.
- E ele era médico há muito tempo?
- Disse que não. Tinha 21 anos ainda. Mas me pareceu muito experiente.
- Dayane, como um cara de 21 anos pode estar formado em medicina e ainda ter muita experiência? Está na cara que não. Medicina é um curso longo. São seis anos de faculdade, mais dois de especialização. Ou seja, no mínimo ele precisaria de oito anos para se formar. O que se dirá ter experiência. Não lhe passou isso pela cabeça quando ele disse que tinha 21?
- Não, eu estava encantada com os elogios que ele me fazia.
- Quanto tempo durou essa paquera?
- Não foi muito tempo. Começamos a conversar. Falávamos o dia inteiro e a noite. Às vezes de madrugada. Duas semanas depois ele quis me encontrar pessoalmente. Eu fiquei morrendo de medo. Afinal, a foto que ele tinha visto era antiga. Agora eu estava gorda.
- E aí?
- Entrei em depressão. Chorava, não queria mais falar com ele. Mas ele insistia.
- Por que não contou a verdade?
- Não, ela esticou as sílabas. - Seria o meu fim. Não poderia fazer isso.
- E como resolveu?
- Lembra que disse que estava baixo astral quando ele mandou a primeira mensagem pelo Facebook?
- Sim.
- Eu estava assim porque eu saía com um homem e ele tinha me dado um fora.
- Você tinha um namorado então?
- Não, esse homem era casado. Saíamos porque nos conhecíamos desde jovens. Mas ele não queria largar a mulher. A posição dele complicava tudo.
- Como assim? Quem era ele?
- Prefiro não dizer agora.
- Tá, mas o que o fora dele tem a ver com o encontro com o bonitão?
- Quando eu estava em depressão por causa do encontro, reencontrei o homem de que falei. Tivemos uma noite maravilhosa e então ele me deixou sozinha de novo para voltar para a casa dele.
- E?
- Eu fiquei com raiva e resolvi que iria ao encontro para me vingar dele.
- Mas isto não resolvia o que a impedia antes de se encontrar com o médico.
- Não, mas o que ajudou foi uma ligação do bonitão para mim de madrugada.
- Uma ligação.
- Sim, ele disse que estava em uma enrascada. Tinha perdido dinheiro e estava sendo ameaçado. Pediu ajuda. Ele chorou ao telefone. Pareceu tão frágil.
- E você?
- Eu percebi que, se eu o ajudasse financeiramente, ele não me rejeitaria. Ao mesmo tempo, eu me vingaria do outro.
- Entendi. E você deu o dinheiro a ele?
- Marcamos de se encontrar na rodoviária de Itu. Eu levaria o dinheiro. De lá iríamos para a casa dele.
- Por que ele não foi até você ou marcou na casa dele direto?
- Ele estava sem dinheiro para ir até a minha cidade. Marcamos na rodoviária por ser onde eu chegaria.
- Por que não foi de carro?
- Meu carro havia quebrado.
- Quanto levou?
- R$ 5 mil.
- E aí o que aconteceu?
- Eu cheguei na rodoviária e eu tinha dito que roupa usaria, detalhes do cabelo, essas coisas, para ele reconhecer. Mas aí não vi ninguém como as fotos que via dele no Facebook. Comecei a ficar assustada. Resolvi que iria embora imediatamente.
- Então não se encontraram?
- Quando eu estava perguntando no guichê sobre a passagem de volta, um homem magro, de cavanhaque e com cabelos apenas em cima das orelhas, pegou o meu braço e disse:
- Você é a Dayane?
- Eu puxei o meu braço das mãos dele e disse que talvez fosse, mas e ele quem era? Aí ele disse que se chamava Murilo e que era irmão do Marcelo. O Marcelo teria tido um problema e pediu que ele fosse me buscar. Foi o que ele me disse. Eu não sabia o que fazer. Ele me pediu para sairmos do guichê. Havia outras pessoas atrás.
- Você confiou nesse outro estranho?
- Não, saímos do guichê e caminhamos até um local na lateral da rodoviária, onde tem carros de táxi. Ele falava muito. Não deixava que eu pensasse. Essa área dos táxis era pouco iluminada. Não havia muita gente perto. Foi aí que ele encostou um revólver nas minhas costas e disse para continuar andando sem escândalo.
- E você foi?
- Sim, estava com medo. Ele me colocou dentro de um dos táxis e saímos de lá. Com o revólver apontado para mim, ele dirigiu em alta velocidade até um motel chamado Ápice. Lá, ele me estuprou e roubou todo o dinheiro que eu tinha levado. Fui deixada em uma estrada perto do motel. Caminhei até a rodovia e pedi ajuda.
- E você denunciou isto à polícia?
- Não.
- Por que não?
- Estava com medo, com vergonha.
- Entendi. E depois disso voltou a falar com o tal médico?
- Não, ele tirou o perfil dele do Facebook.
- E como você ficou depois de tudo isto?
- Destruída.
- E por que resolveu denunciar agora? Quanto tempo faz isso?
- Dois meses. Resolvi denunciar porque surgiu um caso em Porto Feliz de um homem com as mesmas características que teria marcado encontro com uma menor. Eu não posso aparecer, mas eu quero encontrar esse desgraçado.
- Está certo: vou investigar. Como era o carro em que ele a levou?
- Era um Corolla prata.
Ela me deu todos os detalhes que conseguia lembrar, como dia, horário, trejeitos do motorista e do trajeto.
No dia seguinte, fui até a rodoviária de Itu me passando por usuário de táxi comum que precisava de uma corrida para São Paulo para saber se fariam.
- Difícil amigo.
- Difícil por quê?
- Não fazemos viagens longas assim. Aqui é mais na cidade mesmo.
- Alguém me disse que um motorista chamado Murilo faz essas viagens.
- Murilo?
- É, Murilo. Você conhece?
- É melhor não mexer com o Murilo.
- Como assim?
- Ele não fica aqui. Já foi taxista, mas hoje vive de outros negócios. É barra pesada.
- Que outros negócios?
- Por que você está tão interessado? Você é da polícia? O que está querendo?
- Calma, não sou da polícia. Vou abrir o jogo com você. Sou jornalista. Estou atrás desse cara, que teria estuprado uma mulher na sexta-feira, dia 4.
- Vixe, cara, é melhor você não se meter nisso. Escuta o que estou te falando.
- Eu já estou metido nisso. Me dê alguma pista. Onde eu o encontro?
- Se você é louco, o problema é seu. Vá até as proximidades do motel Ápice. Ele fica por ali. Agencia mulheres para programas no motel. Vai vê-lo.
Fui até o entorno do motel e montei vigília por quase duas horas.
Quando estava desistindo, ele apareceu.
A descrição batia.
Mas estava com quatro outros homens.
Tentei anotar a placa do carro.
Em vão.
Entraram no motel e não saíram mais.
No outro dia, liguei para Dayane.
Ela me atendeu chorando.
- O que aconteceu?
- Nada, nada não.
- É claro que aconteceu. Por que está chorando? Eu tinha uma boa notícia para te dar e a encontro assim.
- Que boa notícia?
- Encontrei o tal Murilo.
- Esqueça essa história. Ia te ligar e pedir que não fale mais nada. Jogue fora tudo que eu te falei. Você entendeu?
- Como assim? Não vou jogar fora. Estou perto de encontrar o cara.
- Eu não posso mais falar nada.
- Por que não? O que aconteceu? Ele te ligou? Te ameaçou?
- Ele não.
- Quem então?
- Lembra do homem casado com quem eu tinha um relacionamento?
- Sim, lembro. O que tem ele?
- Esse homem é...
O nome que ela disse era da autoridade de Sorocaba que havia dito a ela para denunciar a história ao jornal.
- Então...
- No dia em que recebi a primeira mensagem do bonitão do facebook, eu tinha brigado com ele. Ele me disse que não podia ficar comigo, porque tinha vergonha de mim, de como eu estava.
- Que absurdo.
- Nos relacionamos desde a nossa adolescência. Ele não me disse que tinha se casado. Só fiquei sabendo quando ele chegou a esse cargo que ocupa hoje. Disse que não podia ser visto comigo, porque o que tínhamos era um caso extraconjugal. Isto atrapalharia a carreira dele.
- Mas não foi ele quem sugeriu que falasse ao jornal? Estavam juntos de novo?
- Eu entrei em depressão, engordei e fiquei me achando a pior pessoa do mundo. Nos afastamos e não o vi mais. Mas, quando estava desesperada por causa da briga com minha amiga Marilda, eu o procurei para pedir ajuda.
- E ele?
- Ele foi a minha cidade e ficamos juntos algumas vezes e eu voltei a ficar apaixonada por ele, mas ele não queria. Disse que não podia romper com o casamento e que deveríamos nos afastar. Mas continuei pegando no pé dele. Até que me disse aquilo no dia da primeira mensagem no Facebook.
- E como ele soube do estupro?
- Eu o procurei de novo e contei. Ele me disse para procurar o jornal. Só que ontem me disse que achava que me achariam louca e não fariam nada. Quando soube que você estava cuidando disso, me mandou dizer que não publique nada. Ele me ameaçou caso eu não obedecesse.
- Olha, Dayane, desculpe, mas essa história é melhor ainda com tudo isso. Não posso deixar de publicar.
- Se você fizer isso, vai acabar com a minha vida de vez, disse chorando.
Eu não fiz.
FIQUE SABENDO
Em breve lançarei um livro intitulado "Coração Jornalista" com este texto e outros que estou preparando para contar coisas que vivi nos bastidores das reportagens que fiz ao longo de quase 40 anos de profissão.
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