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Na vela e na memória
Data de Publicação: 17 de agosto de 2021 14:36:00 DIFÍCIL LEMBRANÇA - Uma celebração apagada pelo tempo como festa, mas uma reflexão de vida que sempre será viva para quem ardeu em uma chama.
Nenhum amor é igual a outro, nem melhor nem pior, mas diferente e por isso mesmo tem o seu lugar.
- Por que essa vela acesa?, perguntou a mulher, mas Cabral não respondeu.
Estava dado a esse comportamento agora.
Ficava mudo por intermináveis minutos, apenas concentrando o seu olhar para o nada.
- Não vai responder homem?, insistiu Vera.
Ele baixou a cabeça, desaferrando o olhar do horizonte e tragou o ar engolindo junto metade das palavras que pretendia dizer.
- É para celebrar um aniversário.
- Aniversário de quem?
- Não importa.
- Como não importa?
- Alguém do passado.
- Do seu passado?
- Do passado do mundo.
- Não enrola. Quem é ela? Por que está festejando o aniversário dessa zinha?
- Não estou festejando.
- Acender uma vela para lembrar é festejar.
- Festejar é soltar fogos.
- Então está fazendo o quê?
- Estou lamentando.
- Lamentando por quê?
- Porque ela se foi.
- Ela morreu? Então como pode fazer aniversário? Você está ficando louco?
- Morreu para mim.
- Como assim?
- É uma mulher que eu amei muito, mas depois ela se foi e nunca mais a vi.
- Tem coragem de me dizer que amou outra?
- Ué, quer que minta?
- Não, queria que não tivesse amado. Deve ser importante até hoje. Senão, não acendia vela.
- Eu já disse que estou lamentando.
- Lamentando ter sido deixado por ela?
- Não, lamentando tê-la deixado.
- Se você a deixou, não há por que lamentar. Você decidiu mudar a sua vida. Escolheu outra.
- Você tem razão quanto a isso, mas não tem quanto a não ter por que lamentar.
- Não entendi.
- Eu lamento porque não deveria tê-la deixado, não deveria ter escolhido outra.
- A outra no caso sou eu?
- Não importa. Eu lamento por um erro que cometi. Não deveria. Mas agora não adianta.
- Pois vá atrás dela, porque eu não vou ficar aqui de chifruda. Você não me conhece.
- Eu não vou. Minha vida é aqui agora.
- Então está me escolhendo de novo?
- Sim.
- E não acha que está errando de novo?
- Agora não.
- Por que não?
- Porque alguns amores são como balões. Eles são lançados ao céu e queimam até caírem. Depois não levantam mais voo.
- E por que se lamenta por balões que não levantam mais voo?
- Porque sempre queremos o fogo de volta.
- Ela era mais fogosa que eu?
- Ela era outra pessoa.
- Responda: ela era mais fogosa que eu?
Ele não respondeu.
Estava dado a esse comportamento agora.
Voltou a olhar para o nada.
Vera desistiu:
- Pelo menos, o fogo da morta só está na vela agora: na vela e na memória.
Ele olhou profundamente para ela.
- Eu não tenho tanto fogo, mas estou aqui.
Cabral sorriu concordando.
Depois abraçaram-se e apagaram a vela.
Informação complementar
Toda terça-feira você encontrará uma crônica nova neste espaço.
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