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Meu sangue é amarelo
Data de Publicação: 27 de fevereiro de 2021 21:37:00 O MEDO - Conheça uma estratégia de comunicação e marketing que precisou de outra estratégia para ser viabilizada efetivamente.
Veja como convenci um ex-prefeito que tinha medo de injeção a estrelar uma campanha de doação de sangue e com isso garanti o sucesso de uma estratégia de comunicação e marketing que criei quando fui secretário de Comunicação e Eventos em Sorocaba.
- Não, eu não vou fazer Eloy.
Essa foi a primeira reação do então prefeito de Sorocaba, José Crespo (DEM), ao meu pedido para que comandasse uma campanha de incentivo à doação de sangue, tendo ele e todo o seu secretariado como doadores.
A razão era a mesma pela qual fiz a proposta: o prefeito morria de medo de injeções.
- Eu não posso nem ver uma agulha na ponta de uma seringa que já começo a passar mal.
- Não é verdade.
- É verdade sim.
A esposa dele, Lilian, também repetiu a fala assustada dele ao tomar parte na discussão.
Eu não imaginava que o medo sobre o qual fiquei sabendo fosse tão grande e tão paralisante para um homem como ele, que já enfrentara tantos desafios antes.
Mas seria uma grande sacada de comunicação e marketing se conseguisse colocá-lo em uma cadeira de doação no Hemonucleo de Sorocaba.
Até porque a TV TEM, afiliada da Rede Globo na cidade, havia feito várias chamadas para pedir que as pessoas fossem doar.
O estoque do Hemonucleo tinha baixado drasticamente em razão do Carnaval.
Normalmente, as doações caem nesse período mesmo, mas naquele 2018 a queda tinha sido pior que nos outros anos.
Ao ver a notícia na tevê, não pensei duas vezes em fazer a proposta para o prefeito.
Seria um mote interessante para incentivar os doadores ter uma pessoa que tem medo de injeções se sujeitar a doar e esse foi o meu principal argumento para que ele aceitasse.
O problema era convencê-lo.
- Ele não pode fazer mesmo. Já tentamos outras vezes. Acaba passando mal, advertia a esposa, casada com ele havia quase 40 anos à época, ou seja, era alguém que o conhecia bem.
Mas eu não estava convencido.
Como gestor da área de comunicação e estando em um cargo político como era o de secretário de Comunicação e Eventos da Prefeitura, eu tinha de encontrar soluções que melhorassem a visibilidade do governo.
Resolvi adiar a conversa a respeito, pois senti que não tinha feito uma preparação adequada para o convencimento completo.
O Carnaval havia acabado não fazia dois dias. Era início do mês ainda. Teria mais chances de sucesso se esperasse um pouco mais, pensei.
Como alternativa, convenci os outros secretários a fazerem a doação. Houve também alguma resistência. Nem todos confessaram o medo que o prefeito admitira, mas encontraram outras desculpas para se desviarem.
Pensei em incluir servidores nomeados que estivessem em cargos de comando também.
Só que a logística para os levar até o Hemonucleo inviabilizou a iniciativa.
Com o número fechado de secretários dispostos a doarem, voltei à carga com o prefeito e usei um argumento que é infalível quando se está em postos de liderança e sobre o qual falei aqui semana passada: o desafio.
- Como pode um homem que enfrentou cinco eleições para chegar a este cargo e que já passou por ataque a tiros no seu comitê, que já enfrentou motoristas de ônibus em greve revoltados no corpo a corpo, como você, ser vencido por um medo bobo de injeção?
- Não é tão simples assim.
- Claro que é. O líder precisa mostrar aos liderados que ele tem a melhor decisão. Precisa dar o exemplo. Deve demonstrar como se faz.
- Você é insistente, não é?
- Sim, mas você é valente e pode vencer esse medo em nome de todas as pessoas que precisam de sangue para salvar quem amam.
- É bonito tudo o que disse, mas eu não vou.
- Está bem então: vamos todos os secretários e o prefeito não irá. Amanhã os jornais vão estampar que o prefeito não foi.
Ele me olhou por cima dos óculos.
Estava em pânico, percebi rapidamente.
Em seguida olhou para a mesa, para o chão, para a janela e voltou a olhar para mim.
- Não tem saída mesmo?
- Claro que não. Você é o líder. Não podemos aparecer lá sem você. E tem mais uma coisa?
- Tem mais?
- Sim, você sabia que poderá salvar três pessoas com a sua doação, além de vencer esse medo bobo e inadequado para um líder?
- Três pessoas?
- Três pessoas.
- Eu não vou Eloy, eu não vou.
- Como não?
- Meu sangue é amarelo.
Ao ouvir isso eu desatei uma gargalhada sob a qual não conseguia mais controlar.
Ele começou a rir devagar. Não gargalhou, mas riu do que havia dito com o máximo que podia diante do medo que sentia.
Eu sabia que estava se esforçando.
Então eu disse:
- Fique tranquilo. Não vamos fazer mais. Esqueça essa campanha. Não está ao nosso alcance. Eu não vou perturbá-lo mais.
Apanhei as minhas coisas da mesa e me preparava para me levantar, ele disse:
- Pare, eu vou, falou baixinho.
- O quê?
- Eu já disse: eu vou, disse em alto e bom som agora. Depois baixou o tom novamente para completar a frase: - Estou morrendo de medo, mas eu vou. Você não vai cancelar nada.
Ambos nos levantamos e nos demos as mãos.
No dia 28 de fevereiro daquele ano de 2018, ele se sentou à cadeira e fez a doação sem passar mal e sem reclamar.
É claro que antes de chegar lá conversou bastante com médicos que fazem checagens preliminares e que falam a respeito da doação.
Tirou todas as dúvidas possíveis e recebeu um passo a passo de como superar o medo.
Mais do que a doação que todos nós fizemos e da campanha em si, meritória para quem precisava de sangue, senti orgulho de ter organizado essa ação e conseguido esse case:
- O medo precisa ser vencido sempre.
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Veja no link a seguir uma das notícias sobre a campanha de doação de sangue: Prefeito José Crespo doa sangue para incentivar ato que salva vidas - Jornal Z Norte.
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