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Mentira não
Data de Publicação: 1 de abril de 2021 19:10:00 No dia em que se evidencia aqueles que faltam com a verdade nas suas relações, uma brincadeira que ficou séria e teve consequências.
Wanda ficou traumatizada com a mentira de um ex-namorado e criou uma barreira para não ser mais enganada.
Ela deixou claro sempre: mentira não.
Todos os homens que se aproximavam de Wanda já sabiam que ela não tolerava mentira.
- Não tem motivo para mentir. Se mente agora, o que se dirá depois? Eu não vou viver assim, sendo enganada por marmanjo.
- Essa aí não casa, sentenciou Onofre, amigo do seu Raul, pai de Wanda, e disse a ele: - Você precisa tomar providência Raul.
- O que posso fazer? Ela é assim. Saiu cuspida e escarrada à tia Zefinha. Lembra da Zefinha?
- Pois se não lembro: é a solteirona da rua 2 lá do bairro. Todo mundo conhece. Dizem que ela deve ter parte com o diabo. Tem cara de bruxa e anda de bota. Que mulher que usa bota de amassar mato aqui na cidade, Raul?
Os dois riram da conversa.
Mas seu Raul ficou matutando.
- Ô Elza, você acha que a Wanda não casa?
- Ora essa homem, por que essa pergunta?, quis saber a mulher do seu Raul.
- Estava conversando com o Onofre e ele que falou. Disse que nossa filha não casa por conta dessa insistência dela de não aceitar mentira.
- Pois eu acho que ela está certa. Onde já viu aceitar mentira? Eu também não aceito, ela disse já ficando brava com a conversa.
Seu Raul sabia que a sua mulher brava não era boa coisa para ele nunca.
- Eita, a conversa não é com você.
- Eu sei que não, mas saiba que não aceito também e não vou brigar com nossa filha por isso. Você sabe o que ela já sofreu com aquele noivo cabeludo dela, o Eron. Ele a enganou e ela teve de trancar a faculdade por isso. Só agora está retomando, coitadinha.
- Eu sei, ele disse, se lembrando que Eron enganou a todo mundo e não só a Wanda. Ele acabou levando o dinheiro da filha do seu Raul, fingindo-se de executivo da bolsa de valores. Disse que iria aplicar as economias dela e que duplicaria o valor em três meses.
Sumiu no dia seguinte e ninguém sabe dele até hoje, sendo que o caso já tem dois anos.
A conversa se encerrou como começou.
Seu Raul não tinha uma solução.
Pior: tinha despertado na mulher a mesma voluntariedade da filha, que já o preocupava.
Foi quando surgiu no armazém do seu Raul um sujeito chamado Pereira José.
- Eu sou protético seu Raul. Faço os moldes que vão trazer de volta o sorriso das pessoas. Estou me instalando na cidade. Vou pegar as encomendas daqui e levar para São Paulo. Não vai ter mais nenhum banguela em Saltinho.
Quando ele falava, Wanda entrou para perguntar ao pai se ele podia ir ao banco para ela.
Estava cheia de trabalhos da faculdade e não conseguiria descer para o centro da cidade.
Ela precisava pagar a mensalidade.
Os R$ 846 tinham sido duramente economizados com o trabalho de massagista.
- Você poderia ser uma modelo para a propaganda que eu quero colocar no jornal, disse o estranho tentando se fazer simpático ao vê-la.
- Oi?, ela disse, desconversando.
Ela sabia que era bonita. Tinha o rosto alongado, a pele morena e era alta. Vivia recebendo cantadas no trabalho. Por isso mesmo tinha como máxima que não aceitava mentiras.
- Todo homem mente, dizia.
Para ela, mentiam para obter vantagens.
Ele insistiu:
- Sim, você é uma moça bonita. Preciso de alguém assim. E você tem o sorriso que conquista. Tenho certeza de que vou arranjar muitos clientes. Você aceita o meu convite?
Wanda riu e já despachou o homem:
- Não.
- Você rejeita uma oferta sem nem saber quanto iria ganhar moça? O que é isso?
- E quanto eu iria ganhar?, ela brincou, depois de acha-lo realmente simpático.
- R$ 1 mil.
- Você iria pagar R$ 1 mil por uma foto? Está certo. Obrigada e desculpe qualquer coisa.
- Ué, isso é o mínimo por um rosto tão bonito.
Seu Raul interveio:
- Parece bom, filha.
- Bom demais para ser verdade pai.
Disse e saiu, deixando o homem de boca aberta.
- Voluntariosa a sua filha, né?
- O senhor não imagina como.
No caminho para o banco, seu Raul foi assaltado por um trio de pivetes.
Ainda apanhou bastante.
- Está no hospital, disse Onofre para mãe e filha, que se desesperaram e foram até lá.
- Pai, o que aconteceu?
- Estavam em três. Vieram por trás. Não vi chegarem. Me deram uma paulada na cabeça.
- Nossa, e como o senhor está agora?, perguntou a filha antes que a mãe falasse.
- Você vai ficar internado?, cortou Elza.
- O médico falou que não. Vai ser muito curativo só. Não chegou a afetar a cabeça.
- Isso foi antes de o senhor chegar ao banco?
- Sim, filha. Eles levaram todo o dinheiro. Desculpe, eu não pude evitar.
Wanda chorou pelos cantos dos olhos preocupada, mas não deu bronca.
O pai era muito querido dela.
Quando seu Raul já estava de volta, apareceu por lá o Pereira José: veio se solidarizar.
- Eu sinto muito. Soube que perdeu dinheiro no ataque. É verdade seu Raul?
- Sim, é verdade. Foi todo o dinheiro da mensalidade da faculdade da minha filha.
- Pai, não fale das nossas coisas a estranhos, repreendeu Wanda, incomodada.
- Desculpe filha.
- Não se preocupe. Sou protético. Não sou fofoqueiro não. Quero ajudar só. Por que a moça não aceita a minha oferta agora?
- Não, obrigada.
O homem foi embora bravo com a resposta.
- Mas Wanda seria a oportunidade de resolver o problema. Por que não aceitou?
- Pai, é mentira desse cara. O senhor acha que alguém vai pagar R$ 1 mil por uma foto? Ele está armando para dar em cima de mim.
- Nem todo mundo mente, filha.
- Todo homem mente pai. Ao ver que seu Raul ficou incomodado com a frase, ela consertou: - Menos o senhor. Já era tarde.
Seu Raul emburrou.
No dia seguinte, o protético voltou e insistiu.
Wanda não quis nem conversar.
O homem foi embora de novo bravo.
No outro dia, Pereira José mudou de tática.
Foi ao local onde Wanda atendia e pediu uma massagem. Ela atendeu com discrição como sempre. Ele pagou e foi embora.
Voltou mais umas sete ou oito vezes.
Na última, agarrou-a pelo braço e disse que estava perdidamente apaixonado por ela.
Em seguida, pediu-a em casamento.
Saiu de lá quase a pauladas.
Foi se queixar com seu Raul.
Contou da paixão inesperada que acabou desenvolvendo dada a postura da filha dele, mas seu Raul não podia fazer nada para ajudá-lo.
- Essa aí saiu cuspida e escarrada a tia Zefinha e não tem quem mude.
Onofre estava do lado e emendou:
- Essa não casa.
- Pois eu vou mudar essa história, disse Pereira José, mostrando-se motivado ao desafio.
Foram mais 20 dias de insistência.
O homem levou flores, fez mensagem-surpresa com carro de som, mandou um anel.
Nada mudava a opinião de Wanda.
Disposto a mostrar que cumpria o que prometia, o protético mandou entregar flores na casa dela de hora em hora para ver se convencia.
Cada flor que chegava era atirada no lixo.
- Homem é tudo mentiroso, insistia Wanda quando a família pressionava.
Depois de tanto insistir, já ia dar um mês, o protético veio até a casa dela e disse que se dava por vencido: desistia de tudo.
Wanda riu satisfeita.
- A mim ninguém dobra. Eu sabia que era mentira. Se não fosse, não desistia, disse em voz baixa, mas alto o suficiente para ser ouvida.
No dia seguinte, a prima de Wanda, Carminha, posou para a foto do anúncio.
Wanda ficou desconcertada.
Não tinha dinheiro para pagar a faculdade e ainda fora chamada de burra no bairro.
Ela não aceitou deixar assim.
Foi atrás do protético, pediu desculpas e acabou se rendendo aos encantos do homem.
Depois da noite de amor, ele disse que se casaria com ela, que providenciasse os papéis.
Seu Raul estava exultante e provocou Onofre:
- Não casa, hein?
- Só acredito vendo, martelou o amigo.
Pereira José disse que se ausentaria para buscar os documentos em Minas, de onde viera.
Dias e dias se passaram sem notícias.
Onofre não perdeu a oportunidade:
- Não disse Raul: não casa.
Wanda era voluntariosa demais para aceitar.
Foi atrás do protético.
- Se ele for casado, eu o mato, disse calçando as botas antes de sair para a viagem.
Mais dias se passaram sem notícias.
Seu Raul e dona Elza já estavam preocupados.
Até Onofre estava.
Finalmente, Wanda voltou e com o homem.
Disse que se demorara porque ele tivera de tirar documentos novos, pois os seus se perderam.
Casaram-se logo depois.
Viajaram para a Bahia em lua de mel.
Uma semana depois o homem voltou sozinho para espanto de todo mundo em Saltinho.
- Onde está Wanda?, quis saber seu Raul.
- Ela está presa, disse sem explicar muito.
- Presa? Como assim? Onde? O que aconteceu?
- Estávamos na praia tomando água de coco e de repente ela saiu correndo. Eu fui atrás. Não sabia o que estava acontecendo.
- E daí? Onde ela foi?, perguntou seu Raul.
- Ela agarrou um sujeito pelos cabelos compridos e começou a bater nele sem parar. O homem nem teve tempo de ter reação. Ela acabou matando o cara de tanto bater. Daí foi presa.
- Meu Deus, disse seu Raul, espantado. – Mas quem era esse homem? Por que ela agiu assim?
- Era um tal de Eron. Eu não sei quem era. Só sei que ela dizia: - Mentira não.
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