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Líderes têm de ter papel social
Data de Publicação: 24 de abril de 2021 21:18:00 SEGUIDORES ATENTOS - A importância desse comportamento é que quem comanda dá exemplos e mostra caminhos para serem percorridos.
O exemplo arrasta e mostra novas direções, nada mais importante para quem comanda do que fazer algo pelo conjunto.
Tinha acabado de cortar o cabelo.
Paguei ao barbeiro e saí caminhando até o carro, enquanto arrumava a carteira.
Ventava forte.
Naquele início de tarde, estava um tempo de chuva com nuvens bem carregadas.
Nos últimos dias vinha chovendo toda tarde.
Antes de abrir a porta, enfiei a mão no bolso para apanhar as chaves e entrei sem olhar para os lados ou para trás, como sempre faço.
O receio de assaltos era grande. Só que me distrai e não chequei.
Liguei o rádio.
Começava a me ajeitar para dirigir quando a vi clamando desesperada.
Não consegui ouvir o que dizia. Percebi a sua ansiedade pela forma agitada que falava. Tinha os olhos pequenos, inchados e fundos.
Era uma mulher jovem, mas aparentava mais idade do que provavelmente tinha.
Cercada por três crianças pequenas, ela falava sem parar e gesticulava.
Desliguei o rádio, abaixei o vidro e disse para repetir, pois não tinha ouvido nada.
- Moço, me desculpe. Eu nunca faria isto, se não fosse necessário. Mas meus filhos estão sem comer há dois dias. Estou desesperada.
- O que está acontecendo?
- Eu preciso de uma ajuda para comprar algo de comer para eles. O senhor pode me ajudar? Estou precisando muito mesmo.
Era inegável que aquele era um pedido irrecusável, mas não ando com dinheiro vivo.
Além disso, em Sorocaba, onde estava, algumas pessoas vinham aplicando golpes usando crianças e idosos. Fingiam passar necessidades e só estavam fazendo encenação. Alguns já tinham sido até presos, porque se tornaram violentos ao receberem um não.
A polícia identificou que se tratava de uma quadrilha especializada em mendicância, vinda do Paraná, que atuava na região toda.
Na hora me vieram essas informações.
Eu trabalhava no Bom Dia, o primeiro jornal de rede do interior, e tinha o cargo de editor de Política, Economia, Agronegócios e Opinião.
Suspeitando de que fosse um golpe, resolvi me certificar e, se fosse, daria uma boa reportagem, pensei comigo.
Para me safar da mulher, disse-lhe:
- Eu trabalho naquele jornal.
E apontei para o prédio do Bom Dia.
Estava próximo da redação.
Ela olhou sem entender.
- Passe lá daqui a pouco e eu te ajudo. Estou sem nenhum dinheiro aqui.
- Posso passar mesmo moço?
- Pode. Eu só vou dar a volta no quarteirão, porque aqui é contramão. Já-já estou lá.
Enquanto dirigia, liguei para a polícia.
Avisei sobre a mulher.
Pouco depois, estacionava no terreno dos fundos do prédio, que usávamos como garagem, e desci calmamente.
Ao dobrar a esquina para acessar a entrada do jornal, me deparei com ela.
A mesma mulher estava lá na porta me esperando com as mesmas crianças.
Sem ter o que fazer, pedi que ela entrasse e me esperasse na recepção.
Subi para a redação no segundo andar e enquanto seguia liguei novamente para a polícia. O mesmo policial, que me atendera antes, estava do outro lado da linha.
- Eu fui lá e não tinha ninguém.
- Como não tinha ninguém? Ela está aqui na redação. Me espera na recepção.
- Então vou até aí agora.
Esperei um pouco e desci com o dinheiro no bolso para entregar à mulher caso a polícia tivesse falhado novamente.
Ao descer, encontrei o policial.
- Cadê a mulher?
- Ué, estava aqui.
Perguntei ao guarda e ele disse que não a viu sair, mas atestou que a viu entrar.
O policial agradeceu e foi embora.
Acompanhei-o até a porta.
Quando voltei, me deparei com a mulher e as três crianças novamente.
- Eu me escondi moço. A polícia judia da gente. Meus filhos já estão com muita fome.
Bom, definitivamente, não era uma golpista ou, se era, tinha muita habilidade. Resolvi que deveria ajudá-la. Dei o dinheiro e pedi que se cuidasse, que procurasse a assistência social.
Ela abriu os olhos vivamente para agradecer.
Parecia que a ajuda havia injetado um ânimo novo na mulher.
Quando voltei à redação, um repórter que trabalhava na editoria de Cidades me perguntou se eu podia doar dinheiro para uma entidade assistencial que havia pedido lá.
Comentei sobre a mulher e a doação e declinei da possibilidade de uma nova ajuda.
Ele disse que veio me pedir justamente por ter visto a doação que eu fizera.
- Poucos ajudam. O seu gesto foi bonito. Eu sempre ajudo. Já contribui com este, mas eles precisam de mais dinheiro.
Sorri amarelo.
O repórter arqueou os ombros e lamentou:
- Que pena. Só faltavam R$ 100. Vou continuar tentando.
- R$ 100 para quê?
- Para completar o dinheiro que poderá recuperar o dormitório, afetado pela chuva forte de ontem e onde ficam 18 crianças.
Uma voz me disse internamente que eu deveria ajudar: voltei atrás no que dissera.
Lá se foram mais R$ 100.
No final do dia, estava quase sozinho na redação, me preparando para ir embora, quando comecei a refazer o meu dia.
Era estranho que tivesse tido duas situações que exigiram de mim uma doação.
Talvez aquele fosse um sinal para que eu revisse minhas atitudes como líder.
Conclui que líderes têm mesmo de fazer esse papel de se preocupar com o social.
Não me custaria tanto.
Afora isso, nosso papel no comando de equipes é dar exemplos e apoiar o social é um exemplo bom a ser transmitido.
Deixei a redação e segui para o terreno nos fundos do prédio. Tudo que queria era descansar. O dia fora bem puxado.
Caminhei lentamente.
Ao virar para a entrada do terreno, me deparei novamente com a mulher.
A mesma mulher do início da tarde.
- O que aconteceu? A senhora quer outra doação? O que faz aqui nesse horário?
- Não moço. Não quero nada além de agradecer. Muito obrigado por ter me ajudado.
- Ora essa, não tem de quê. Fique tranquila. Comprou alguma coisa para os seus filhos?
- Sim, eles estão bem. Só vim mesmo agradecer. O senhor foi um anjo.
Disse e se virou.
Rapidamente, ela desapareceu na rua.
Mas a imagem dela de agradecimento me ficou para sempre guardada na lembrança.
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