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Líderes têm de desafiar suas equipes
Data de Publicação: 20 de fevereiro de 2021 15:48:00 TIPOS DE LIDERANÇA - A provocação gera energia para que os comandados mostrem suas qualidades e não se escondam com receio. de errar.
Minha energia no trabalho se move por obstáculos que tenho de vencer. Quanto mais difíceis, mais força eu tenho. Em política, essa provocação do líder é fundamental para alcançar objetivos por mais complicados que sejam.
- Eu te ofereço metade.
- Metade?
- É. Você sabe, campanha de proporcional não tem muito dinheiro. Mas, olha, eu te digo: deveria aceitar. Gostei de você.
- Por isso eu deveria aceitar?
- Sim, é um grande desafio.
Baixei a cabeça, olhei para o teto, voltei a olhá-lo:
- Eu aceito, se puder entrar na hora do almoço.
- Como assim?, disse de olhos arregalados.
- Fico até a hora que precisar, mas entro na hora do almoço. Se você vai me pagar metade apenas, posso conseguir o resto pela manhã trabalhando em outro lugar.
- Não sei. Ninguém aqui entra na hora do almoço. Fica difícil.
- Ninguém aqui ganha metade também.
Após um instante de reflexão, Valter José me disse:
- Está bem: na hora do almoço.
Apertamos as mãos e combinamos que eu começaria a trabalhar no dia 2 de maio no escritório político da então candidata a deputada estadual Maria Lúcia Amary (PSDB).
A primeira atividade seria uma reunião com ela.
Antes de eu sair, ele me disse:
- É um grande desafio: ela é mulher do prefeito, mas nunca foi política. Você pode ajudar a transformá-la em uma. O prefeito é um empreendedor. Ele vai ser governador ainda.
- Eu gosto das coisas que me desafiam, respondi a ele, que sorriu.
Isto era 2002.
No dia combinado me apresentei na recepção:
- O senhor quer falar com quem?
- Com a Maria Lúcia.
- Ah, ela não está.
- Como não está? Tínhamos uma reunião agora. O Valter está?
- Um momento.
Alguns minutos até que a funcionária fizesse uma ligação.
- Ele já vai atendê-lo.
Em seguida, apareceu o Valter e me levou para a sua sala.
- Desculpe a secretária. Eu orientei que dissesse que a Maria Lúcia não está. É muita gente procurando. Temos de selecionar com quem ela fala. Até para não desgastar a candidata.
- Então ela está?
- Está. Vai recebê-lo. Venha.
Eu não gostei da recepção.
Agora esperava pela candidata para saber se continuaria naquele trabalho. Afinal, era um desafio, mas pela metade do preço. Talvez fosse mais difícil do que eu imaginava.
Na sala da candidata:
- Este é o jornalista de que te falei.
- Boa tarde. Sente-se, ela disse.
- Vou deixar vocês conversarem. Depois falamos. Estarei na minha sala. Assim que quiserem, me chamem.
Tão logo o Valter deixou a sala, fiz questão de observar a candidata para uma avaliação preliminar.
Era uma mulher muito bem vestida, bem cuidada e educada.
- Bem, então você é jornalista? Sempre gostei dessa área. Mas sou melhor advogada. Ou fui antes?
- Sim, sou jornalista há um bom tempo já. Tenho trabalhado na preparação de candidatos e também na assessoria para campanhas como aqui. Você tem alguma experiência?
- Fui candidata a deputada na eleição passada.
- E por que não se elegeu?
- Tive 27.664 votos. O coeficiente não ajudou. Mas acho uma boa votação. Talvez tenha faltado mais esforço.
- Talvez. Agora você está mais disposta? Quero dizer, acha que vence desta vez? Qual é a sua expectativa?
- Sim, eu vou vencer. Minha expectativa é de vencer. Vou trabalhar duro para isso. A experiência da outra me ajudará.
- Quais são os seus projetos?
- Bem, eu quero ajudar a população.
- E de que forma?
- Não sei, mas quero ajudar as mulheres.
- E quem mais?
- As pessoas que mais precisam.
- Fale-me um pouco sobre você.
- Nasci em Santos, formei-me professora. Depois advogada. Exerci o direito por mais de uma década em uma grande empresa...
A minha avaliação ao final da primeira etapa da conversa era de que a candidata não possuía projetos, não tinha uma atuação política e tampouco dispunha de um discurso.
Ela estava totalmente crua para a política, em que pese ter disputado uma eleição antes e ser casada com o então prefeito de Sorocaba, Renato Amary (então no PSDB), que havia sido reeleito.
Valter José tinha razão: era um baita desafio.
Bom, eu tinha aceitado. Então o jeito era trabalhar. Continuei.
A segunda etapa da conversa consistiu na elaboração de um currículo político no qual as pessoas pudessem vê-la como uma agente de transformação e não apenas como a mulher do prefeito.
Ela mantém a estrutura principal desse currículo até hoje.
Discutimos itens importantes que deveriam constar.
Rascunhei algumas linhas para mostrar e ela gostou.
Depois iniciamos a fase dos projetos.
Já que falou do interesse em defender a mulher, foquei nessa área e ali surgiu a ideia, que depois virou projeto e por fim lei quando ela já havia sido eleita, de concentrar o atendimento às mulheres vítimas de violência em um só local.
Dessa forma minimizava-se o constrangimento.
Outro projeto que também chegou a ser discutido foi o que criava o exame de polissonografia obrigatório para motoristas de caminhão, cujo objetivo era evitar acidentes por falta de sono.
Concluímos pelos menos uns oito projetos em várias áreas.
Por último, discutimos o discurso.
Disse a ela que precisava ter postura, gestos e palavras convincentes. Falei a respeito de frases fortes e dos silêncios no meio da fala, que tinham o dom de prender a atenção.
A candidata gostou muito das propostas.
A nossa conversa durou quatro horas ininterruptas.
Apesar da discussão e das sugestões que dei à Maria Lúcia, o meu trabalho era apenas o de cuidar da comunicação da campanha, fazendo a candidata aparecer na mídia.
Tudo ia bem na minha área.
Conseguia colocá-la em evidência ou chamar a atenção para a sua fala com a boa relação que tinha com jornalistas.
Mas a candidata andava estressada e já havia chorado.
Uma semana depois de eu ter começado a trabalhar no comitê eleitoral, o marido Renato Amary convocou todos os membros do comitê em um sábado para uma reunião emergencial.
- Tudo isto aqui está uma merda. Vocês não sabem o que estão fazendo. A candidata está estressada, começou ele.
Todo o pessoal estava mudo e de cabeça baixa.
Parecia que aceitavam a culpa.
Pedi a palavra levantando a mão.
- Cê é loco, disse sussurrando um dos meninos da panfletagem.
- Por quê?, perguntei, mas não deu tempo de ouvir a resposta.
- Fale garoto, disse Renato Amary. - Você tem as explicações? Você vai salvar a candidata? Vamos diga lá.
- Olha, salvar eu não sei. Mas observei que boa parte do estresse dela decorre da agenda feita a seis mãos. Muitos vereadores palpitam bastante também. Por fim, não respeitam o fato de ser uma candidata mulher e não um candidato homem.
- O que quer dizer?
- Homens ficam prontos em segundos. Basta colocar um paletó e uma gravata ou um blazer ou mesmo uma camisa de mangas compridas e já podem sair. Mulheres não. Toda mulher precisa retocar a maquiagem. Dar uma olhada no espelho. Ver se a roupa não está amassada, se as unhas não perderam o esmalte. Precisa comer alguma coisa no meio da agenda. Beber água. Isto tudo leva tempo. Homem não precisa de tudo isso. Não precisa de tempo. A nossa agenda está perfeita para um homem. Não para uma mulher. Mais ainda: os palpites constantes e a elaboração aos cuidados de tantas pessoas acabam mandando a candidata para lados opostos da cidade no mesmo dia, gerando cansaço excessivo.
- Perfeito: você vai fazer a agenda a partir de hoje.
- Eu?
- Sim.
- Mas...
- Não tem mas.
A decisão do prefeito me colocou na berlinda.
Ou eu demonstrava o que sabia ou não passaria do que o menino da panfletagem havia me chamado.
Com o desafio lançado, a partir desse dia passei a elaborar sozinho a agenda da candidata.
Como havia defendido, fiz mudanças.
Na primeira semana já os vereadores apoiadores fizeram uma reunião com o prefeito, da qual eu participei.
- Por que ele vai participar?, questionou um deles.
- Porque eu quero, disse o prefeito.
Sem cerimônia, os vereadores pediram a minha cabeça.
O prefeito quis que explicassem os motivos.
Disseram que eu baguncei a agenda.
Renato Amary abaixou a cabeça como se refletisse e a levantou em seguida olhando em silêncio cada um deles.
Depois disse:
- Ele fica.
O burburinho foi geral.
Mas o prefeito aguentou firme e manteve a decisão.
Sai da reunião sem saber o que dizer.
Fui para minha sala, a única que tinha um computador no escritório. E comecei a escrever a agenda do dia seguinte. Alguns segundos depois, quando os vereadores já tinham saído, Renato passou pela minha sala e disse:
- Eles chiam, mas vão entender por que foi melhor assim. Manda bala garoto. Estou apostando em você.
Sorri cheio de preocupação com isso.
Eu fazia uma agenda diferente.
Ela começava pelos itens tradicionais, como evento, local, horário, pessoas que participariam e tempo de duração.
Depois eu acrescentava indicações técnicas: devem levar xis bandeiras, xis panfletos e xis pessoas de apoio.
Além disso, colocava o que era o evento em detalhes, quem ela deveria cumprimentar impreterivelmente, quem deveria evitar, quem deveria demonstrar uma aproximação maior, de quem se afastar e fundamentalmente o que falar.
O discurso era pontuado em tópicos.
Comece dizendo... não deixe de falar... enfatize que... durante a fala cite... use frases do tipo... e encerre conclamando todos a...
O final da agenda falava ainda da expectativa de ganho político naquela reunião e do empenho que era necessário.
Como boa aluna, Maria Lúcia lia e colocava em prática.
Ao ver os resultados, criou o hábito da agenda diferenciada.
Era a primeira coisa que lia.
Com o tempo, passei a sugerir também roupas mais adequadas, uso de acessórios e até de sapatos.
Bom, ao final da campanha a candidata saltou de 27.664 votos da eleição passada para 75.456 votos e se elegeu.
Naquele ano de 2002, depois da eleição, minha missão estava cumprida e o meu contrato se encerrava, mas nem a candidata nem o marido quiseram que eu fosse embora.
Continuei até o fim do segundo turno trabalhando com ela para eleger o governador e obtivemos sucesso.
Ao final, Renato Amary me convidou para trabalhar com Maria Lúcia na Assembleia, o que só ocorreria em março de 2003.
Faltavam ainda três meses para o final do ano e não havia vaga na Prefeitura para que eu fosse contratado.
Então, Renato fechou um compromisso comigo para que eu ficasse trabalhando com a candidata eleita, já preparando o mandato, e me disse que me pagaria com dinheiro do seu bolso.
Assim aconteceu até o final de dezembro.
Em janeiro, fui contratado no Fundo Social de Solidariedade, onde Maria Lúcia ainda dava expediente e fiquei até março.
Quando ela assumiu o mandato fui o seu primeiro chefe de gabinete, lá permanecendo por mais dois anos.
De lá para cá, ela conseguiu mais quatro mandatos consecutivos.
E chegou a vice-presidente da Assembleia.
No ano passado, Maria Lúcia Amary concorreu ainda a prefeita de Sorocaba, embora não tenha chegado ao segundo turno.
Ao ver essa história toda que começou com um desafio, sinto-me feliz por ter participado da trajetória e por ter ajudado a construir um perfil político de deputada honesta e propositiva.
A vida é um aprendizado sempre.
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