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Jornalismo é contar histórias
Data de Publicação: 15 de novembro de 2020 18:22:00 DOÇURA E SIMPLICIDADE - Comecei no jornalismo por influência de dona Virgínia, que apostou em mim quando tinha apenas 17 anos.
SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO
Aprendi a profissão de jornalista a partir dos conselhos de dona Virgínia. Mudei radicalmente minha carreira profissional. Hoje me orgulho de ter seguido esse caminho, onde me realizei e sou feliz.
- A única coisa que você tem a fazer é se restringir a falar a verdade.
Com essa recomendação, eu segui para a minha primeira reportagem antes mesmo de sequer pensar em estudar jornalismo, em 1979, quando tinha apenas 17 anos.
Do alto da sua experiência como diretora de redação do jornal “O Trabalhador”, um dos periódicos mais longínquos de Salto (existiu entre 5 de junho de 1949 e 28 de janeiro de 1996), Virgínia Soares Liberalesso acrescentou à recomendação, antes de eu sair:
- Jornalismo é contar histórias, mas contar histórias que são verdadeiras.
A aposta que ela fazia no garoto, apaixonado por escrever histórias fictícias, era fruto da forma como nos conhecemos.
Eu havia vencido um concurso de redação no meu colégio e os colegas me incentivaram a levar o texto para o jornal da cidade.
Fui muito bem recebido pela diretora, mas minha história não foi publicada por não se encaixar nos padrões de um jornal ligado à Igreja Católica, como era “O Trabalhador”.
Ainda assim, ela me disse que eu poderia escrever outras coisas, pois via em mim condições para isto pelo texto que lhe mostrei.
Acreditar e apostar em um jovem é uma das riquezas que levamos para a vida e foi um dos maiores presentes que tive dela.
Dona Virgínia, como eu e muitos outros de seus “aprendizes” a chamavam, era doce e paciente, simples e dedicada, uma espécie de mãe e ao mesmo tempo uma profissional rígida.
Com sua aposta em mim, foi ela que me fez mudar a minha trajetória profissional e deixar a eletricidade, que fiz no Senai, em Itu, e depois a eletrônica e eletrotécnica, que fiz no colégio, em Salto, para me tornar jornalista.
Depois daquela primeira reportagem, na qual fui acompanhar a posse da nova diretoria do Sindicato dos Têxteis, não parei mais de fazer reportagens e resolvi estudar na área.
Mais do que uma pessoa que acreditou em mim pelos meus textos que leu e que me incentivou a me tornar um jornalista, dona Virgínia me encaminhou na literatura para vir a me tornar também um escritor.
Aliás, uma coisa está ligada à outra.
O texto que me levou ao jornal e que fez com que ela me encaminhasse para o jornalismo foi um texto essencialmente literário.
Apesar de seguir o seu conselho de contar histórias verdadeiras sobre o que acontecia na cidade, continuei criando histórias fictícias sobre o que a minha imaginação produzia.
Tive a oportunidade de divulgar muitas delas pelo jornal “O Trabalhador” enquanto ainda estudava jornalismo em Campinas.
Participei de concursos pelo Brasil e até no exterior e ganhei vários prêmios.
Nesse tempo, recebia dicas sobre como escrever melhor e fundamentalmente de leituras que ajudariam nessa tarefa.
Dona Virgínia usava a experiência que adquiriu ao conviver em São Paulo com Paulo Bonfim, jornalista paulistano que foi poeta.
Bonfim era generoso com o que aprendia nos relacionamentos com outros poetas e com outros intelectuais da época.
Ele transmitia a amigos, como dona Virgínia, a visão daquele período de quando lançou o primeiro livro: “Antônio Triste”, em 1946, o qual contou com ilustrações de Tarsila do Amaral.
Depois eu me beneficiei desse conhecimento por meio das lições que recebia de dona Virgínia. Ela também era generosa com o que aprendia. Recebia essa ajuda ainda por meio das correções que ela fazia nos meus textos. Alguns eram até rasgados e jogados fora, tal o rigor com o qual ela fazia as correções.
Principalmente em poesia, dona Virgínia me deu grandes dicas e evitou que eu insistisse em alguns trabalhos fadados ao fracasso.
Tenho certeza de que me tornei melhor.
“O Trabalhador” foi criado no Salão Paroquial da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Monte Serrat pelas pessoas que integravam o Círculo dos Trabalhadores Cristãos de Salto.
Na visão do grupo, era para ser um informativo da comunidade de paroquianos e não tinha pretensões de se tornar um jornal a serviço de toda a cidade, como viria a ser.
Na época, integravam esse grupo ligado ao Círculo o marido de dona Virgínia, Ettore Liberalesso, outro dos meus grandes incentivadores na carreira como jornalista; Roque Lazzazera, João Andrietta e João Camargo, além do padre Bruno Carra.
O jornal foi fundado oficialmente pelo padre.
O problema é que nem o sacerdote nem os outros membros tinham tempo para ele.
Dona Virgínia era então apenas uma dona de casa, com um filho de alguns meses apenas e outra filha também pequena, que passou a ajudar o grupo da forma como podia.
No início, ela foi revisora e todas as segundas-feiras o grupo se reunia à noite na casa dela para discutir a pauta do jornal.
Com o tempo, dona Virgínia foi assumindo cada vez mais funções e cada vez escrevendo mais. À medida que um colaborador deixava de escrever, era ela quem assumia a tarefa.
Até chegar a diretora de redação.
Foi a partir disso que dona Virgínia passou a transmitir conhecimentos e a ajudar vários colaboradores que passaram pelo jornal.
Vários colegas jornalistas e escritores hoje passaram por lá e aprenderam com ela.
Dona Virgínia dedicou 45 anos da sua vida profissional para o jornalismo no jornal “O Trabalhador”, sete dos quais como diretora.
Nascida em 18 de janeiro de 1922, na cidade paulista de Pindamonhangaba, dona Virgínia perdeu os pais muito cedo. Por isto, mudou-se para Salto ainda criança, aos 5 anos.
Ela residia em uma casa que ficava em frente ao hoje prédio do Museu Ettore Liberalesso. Curiosamente, foi nessa região da cidade que mais tarde conheceria o marido.
Ettore Liberalesso entrou para a banda comandada por João Dalla Vecchia para atender a um desejo da mãe, que queria ver um filho músico, o que não se concretizou.
A banda tocava na saída das matinés do antigo Cine Verdi, que eram sempre cheias.
O então músico Ettore era o último dos integrantes que passava. Esse detalhe fez com que eles trocassem olhares, demostrando um interesse mútuo, lá nos anos 40.
Dona Virgínia não chegou a fazer cursos normais, que eram mais raros para mulheres na época, mas estudou corte e costura com Amélia Rocha. O curso era à noite.
Certa vez, na saída da casa da professora, em frente do prédio onde hoje é a escola Tancredo do Amaral, Ettore foi esperar por dona Virgínia. Conversaram e o namoro começou ali.
O relacionamento acabou interrompido com a mudança de dona Virgínia para São Paulo.
Mas continuaram se correspondendo e vieram a se casar quando ela fez 19 anos e ele tinha 21, uma união que durou até a morte dele, em julho de 2012, cerca de 70 anos depois.
Tiveram os filhos Anita e Paulo de Tarso e deles também os netos Paulo de Tarso, Paulo Breno, Bruno, Adriana e Marina. Além dos bisnetos: Louise, Luís Eduardo, Maria Clara, Helena, Luísa, Lucas e João Pedro.
Titular da cadeira 25 da Academia Saltense de Letras, cujo patrono é Mário de Andrade, dona Virgínia escrevia desde muito nova. Produziu crônicas, contos e poesias, com destaque para o haicai, além de histórias infantis.
É autora dos livros: “Contos de Antigamente, lançado em 2010; “O Tesouro do Guaraú, de 2011; “Devaneio”, de 2013, em parceria com o também acadêmico Lázaro José Piunti; “A História de Nani”, de 2015; “Salto – Por que Me Encantas”, de 2017, em parceria com outros acadêmicos; e “Haicais”, do final de 2018.
No início de 2018, quando soube que dona Virgínia lançaria o seu livro “Haicais”, pedi a ela que escrevesse o prefácio do meu livro “Quase Poesia – Emoções de Um Pé Descalço Que Olhou o Céu e Viu a Lua” e me comprometi a lançá-lo no mesmo dia que ela em sua reverência.
E assim aconteceu.
FIQUE SABENDO
Infelizmente, dona Virgínia nos deixou no dia 11 de novembro de 2020 aos 98 anos.
Em breve lançarei um livro intitulado "Coração Jornalista" com este texto e outros que estou preparando para contar coisas que vivi nos bastidores das reportagens que fiz ao longo de quase 40 anos de profissão.
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