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Homem pode escrever como uma mulher?
Data de Publicação: 8 de março de 2021 19:13:00 Neste Dia da Mulher a discussão é se é possível aos autores masculinos compreenderem e reproduzirem a complexidade feminina.
Conhecer o universo feminino e se aprofundar nele, para desenvolver uma história a partir dessa ótica, é um exercício extraordinário para homens escritores e que coloco em discussão hoje por conta do Dia Internacional da Mulher.
Neste 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, quero trazer neste artigo uma discussão que vem muito a calhar com a data: homens escritores podem escrever livros sob a ótica de uma mulher?
Alguns escritores acham que não.
Eu acredito nessa possibilidade.
Como defendo, em relação a escrever, que qualquer pessoa que se dedique a fazer conseguirá aprender a escrita criativa, considero que qualquer homem que se disponha a escrever sob a visão de uma mulher, conseguirá.
Isto não significa que será uma tarefa fácil.
A mulher é um ser muito complexo.
A própria construção de personagens femininas dá mais trabalho para o escritor homem que os personagens masculinos.
Quando falo em complexidade, me refiro ao comportamento feminino, que é mais expansivo que o masculino sob todos os aspectos.
Por exemplo, no mundo real, encontramos mulheres boazinhas e mulheres muito más. Temos mulheres sonhadoras, mulheres que pensam em se casar e que pensam em nunca se casar. Mulheres que querem riqueza a qualquer custo. Mulheres que não querem trabalhar.
Há mulheres ainda que querem estudar, outras que preferem aprender sozinhas. Mulheres que falam o que pensam, que são ousadas e as que são tímidas e que se omitem.
Existem também mulheres que nunca acham que estão erradas, que nunca acham que fazem algo ruim por maldade, que nunca acham que ferem os outros. E aquelas que acham que as mulheres devem sempre agir no processo ação e reação, embora não sejam belicosas.
Enfim, o conjunto é enorme.
Talvez o leitor vá dizer que os homens também têm esses comportamentos.
Sem dúvida que sim, mas o que difere no caso masculino é que esses comportamentos não acontecem ao mesmo tempo e normalmente são fruto de um objetivo traçado ou de uma violência sofrida que os impulsiona a agir.
Produzir um personagem masculino é mais fácil por conta dessa particularidade.
No caso feminino, é necessário representar toda essa complexidade para ter verdade.
Se você é um escritor interessado em desvendar a ótica feminina para escrever, leve em conta que as personagens femininas carregam sempre uma dor na sua narrativa.
As autoras mostram um sofrimento, sobretudo psíquico, que atravessa épocas.
Lygia Fagundes Telles demonstra essa característica do sofrimento com maestria no livro de contos “A Noite Mais Escura e Eu”.
Sobretudo no texto “Uma branca sombra pálida”, no qual retrata as impressões de uma mãe que enterrou a filha jovem depois que ela se matou por causa de outra mulher.
Essa mesma “rival” divide com a personagem da mãe até o espaço para colocar flores no túmulo: o sofrimento sobre o que aconteceu vem desde a primeira frase.
Esse traço marcante da escrita a partir da visão de mulheres que coloca luz sobre o sofrimento por que passam se manifesta mesmo quando a história é de felicidade.
Outra característica comum é a apresentação do machismo estrutural que o homem, na maioria das vezes, não detecta. As mulheres sempre relatam em seus livros como ele se manifesta e como isto as machuca.
Basta ler Virgínia Woolf, Conceição Evaristo, Sylvia Plath, Angela Davis, Sílvia Federici, Mirian Goldenberg e tantas outras para verificar com clareza esses traços de que falei acima.
Uma terceira característica marcante é a retratação de temas que só importam às mulheres dentro da sociedade machista que temos e com a qual todos, homens e mulheres, sempre viveram, ainda mais em momentos críticos de opressão da história.
Em “Meu Corpo Ainda Quente”, de Sheyla Smanioto, há um relato inquietante sobre a consciência da mulher sobre o seu próprio corpo. O romance é um manifesto cheio de indagações, de inconformismo e de fúria.
A autora mostra a busca de uma mulher denominada de Jô, que vive em Vermelha, cidade fictícia de desova da ditadura militar, inspirada na Diadema dos anos 80, que se descobre sem o próprio corpo.
Vale a pena ler.
É este o conselho mais importante que dou a homens escritores que pensam em escrever sob a ótica feminina ou que querem compor personagens femininas mais ricas, com mais densidade: leia mulheres que escrevem.
Temos grandes nomes à escolha.
Aproveitem que agora já há um bom número de mulheres autoras, pois as histórias sempre foram contadas pelos homens e sempre falaram de homens e seus grandes feitos.
As mulheres eram meros coadjuvantes.
Há nomes bons como Jane Austen e Emily Brontë, além dos já mencionados e de outros que não mencionei aqui, mas o leitor encontrará nas melhores listas de livros clássicos.
A obra-prima de Jane Austen é “Emma”. Quer personagem complexa? Aí está. Emma Woodhouse é passível de ódio, mas as mulheres não a odeiam porque já passaram pela vida dela. Emma é cercada de amor e privilégios e chega a ser um tanto quanto arrogante por isso. A personagem acha que sabe o que é melhor para todo mundo. Tenta gerenciar a vida de quem a cerca. Mas a autora mostra que ela aprende com seus erros e o leitor aprende com ela.
Emily Brontë produziu “O Morro dos Ventos Uivantes”, um clássico do cinema, mas que começou como livro. Mostra a história de um amor intenso, turbulento e arrebatador. A afinidade que Cathy e Heathcliff desenvolvem, logo que se conhecem, vai além das convenções sociais, diferenças de gênero e até a morte.
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