Falta de sorte

29 de abril de 2021

Falta de sorte

Data de Publicação: 29 de abril de 2021 19:11:00 SURPRESA - Às vezes parece que encontramos o melhor dos mundos, mas aí acontece alguma coisa que muda tudo da noite para o dia.

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Horácio tinha tudo para viver bem e feliz, mas se sentia só e não gostava da vida que levava: então ela mudou tudo.

 

 

Havia três dias que Horácio se escondia naquele quarto de hotel. Nome falso, documentos falsos, bem-estar falso.

Guardava milhares de reais em uma valise, mas não estava em paz consigo mesmo.

Às vezes, olhava fotos de Salto para tentar melhorar. Piorava. Logo vinham lembranças.

Horácio tivera bons momentos na cidade, principalmente nos aniversários dela.

Hoje a cidade fazia 300 anos de fundação e ele estava longe e já não existia: tudo era falso.

 

O que mais massacrava era a distância.

Estar só não era nada: triste mesmo era estar só e ainda por cima estar longe daquele jeito.

Sem poder voltar, a mente de Horácio trabalhava depressa criando  novas situações.

Via as fotografias, sentia o isolamento, se matava um pouco. Mas não se entregava.  Logo pensava formas de driblar tudo. Sempre fora assim. Como um jogador de futebol, Horácio gingava para um lado, para outro. Despistava os perseguidores. Só que fugia todo dia.

- O dinheiro não era tudo, pensava na sua agonia: precisava viver.

Era para isto que havia feito tudo que operara em sua vida e que o colocara naquela situação.

Fugir já não tinha sentido.

 

 A reflexão visitava sua mente diversas vezes. Era clara. A solução é que não. Ele trilhara um caminho tortuoso. Não dava para voltar. Ir em frente também não dava. Parar muito menos.

À tarde, foi à praia para tentar esfriar a cabeça e ver se se animava com alguma coisa.

Em Iguape, isto significava usar a balsa.

As areias brancas boas para os banhos de mar ficavam na Ilha Comprida, por onde só se podia chegar por esse tipo de embarcação.

As balsas partiam de 20 em 20 minutos.

Depois da balsa, ainda havia uma viagem de ônibus até chegar à praia de fato.

Seria tempo suficiente para refletir a respeito da vida que estava levando agora.

 

Foi no retorno para a cidade depois do banho de mar que ele viu aquela mulher.

Horácio observou-a primeiro pelo biquini.

Era uma peça minúscula vermelha, presa por estreitas tirinhas amarradas em laço nas laterais, o que expunha quase tudo o que ele mais queria ver e que imaginou na hora.

O biquini estava molhado, colado ao corpo, escondendo ao mesmo tempo que revelando uma simetria que o embeveceu de desejo.

Horácio acompanhou com os olhos cada detalhe do corpo dela. Parecia estar vendo ao vivo uma das capas das revistas que trazia na valise e que guardava com cuidado no hotel.

Os cabelos negros com um leve toque de encaracolados deslizavam como se afagassem os ombros e deviam ser muito macios.

A mulher sorria muito.

Aquilo lhe conferia uma simpatia que também encantou Horácio desde o início.

Ela falava com outra mulher quando ele a viu.

 Horácio não ouvia nada. Estava siderado pela imagem enquanto caminhava em sua direção.

Olhava agora os olhos.

Um verde-claro profundo. que contrastava com os cabelos. Eles podiam ser vistos à distância tal a luminosidade que possuíam.

Ela encarou Horácio.

Pareciam penetrar um no outro com os olhos.

O mundo em redor ficou silente.

O olhar de Horácio a hipnotizava. Ela não desgrudava os olhos dele. A amiga tentou quebrar o encanto. Ela não ouvia.

Conversaram ao léu por alguns instantes.

Certamente, a mulher não ouvira nada do que a outra estava dizendo falando sem parar.

Dela, era como se as palavras saíssem sem sentido, apenas por formalidade.

A amiga desistiu.

Horácio se aproximou e começou a falar com ela tão docemente, que nem parecia ele.

Por instinto, Horácio não falou nada sobre ele.

Ele perguntou o nome dela: Carla.

Falou o dele e depois sobre várias coisas, menos de quem era, o que fazia ali e onde estava.

Carla o achou misterioso demais por isso, mas aceitou o convite para um passeio à noite.

Despediram-se ainda na balsa.

Depois ela entrou em um carro vermelho esporte com a mesma amiga com quem falava antes.

Sumiram rapidamente.

Ele foi a pé para pensar mais sobre aquilo.

O quarto do hotel ficava próximo da praça da igreja e perto do ancoradouro da balsa.

 

Horácio tomou uma ducha.

Ao sair do banheiro se sentou na cama para o que mais vinha fazendo naqueles três dias: contar dinheiro. Já havia gastado R$ 500,00. A valise tinha muito mais, apesar disso ele se preocupava com cada centavo.

Após contar, Horácio chorou sozinho.

Estava abalado com sua nova vida.

 

À noite, Carla apareceu mais deslumbrante que antes. Colocara um vestido branco de frente única. De suas orelhas pendiam grossos brincos de ouro. Os braços também estavam envolvidos por pulseiras douradas de várias espessuras.

Ao encontrar Horácio, ela lhe deu um beijo breve na boca. Ele estremeceu. A sensação era boa, mas o assustou. Não esperava aquilo.

Foram a uma boate afastada do centro.

Durante a conversa, Carla se mostrou receptiva para os galanteios dele e para os avanços das mãos atrevidas. Ele não perdia tempo.

Mas, para freá-lo, sugeriu tomarem alguma coisa e que se sentassem à mesa para conversar.

Horácio queria saber do passado dela.

Um cuidado a mais, já que vivia fugindo.

Ela não disse.

Se ele era misterioso, ela era mais.

Horácio não se importou.

Tinha dinheiro, estava diante de uma mulher de fazer inveja a qualquer homem, precisava viver e isso era tudo o que pensava agora.

A noite terminou finalmente em um motel.

 

No outro dia, já no hotel onde estava ficando, Horácio recebeu uma ligação de Salto.

Sílvio falava em código.

Horácio não entendeu, mas também não se importou muito: preferiu contar maravilhas de Carla. O rapaz do outro lado estava preocupado. Disse que iria fugir também para Iguape, porque já estavam no seu encalço. Horácio tranquilizou-o tentando ganhar tempo antes que o outro embarcasse para lá.

Insistiu que não fosse ainda ao seu encontro.

 

Horácio voltou a ver Carla outras vezes.

Praticamente toda noite.

Depois de uma semana já estavam dormindo juntos e no quarto que ele alugava no hotel.

A solidão e a falta de vida que sentia antes já o tinham abandonado definitivamente.

Carla era uma ótima companhia.

Falava muito, tinha um sorriso envolvente e era uma mulher extremamente sexy.

A cada dia Horácio se apaixonava mais.

 

Uma semana depois de ela se transferir para o quarto dele no hotel, Horácio acordou sozinho.

Levantou-se apressado.

Olhou para todos os lados, nada.

Carla desaparecera.

Lembrou-se instantaneamente da valise.

Ela também desaparecera.

O homem quase teve um ataque. Só depois de algum tempo, recuperado do susto, ligou para o contato em Salto. Sílvio não atendeu.

-  A polícia deve ter detido o idiota, concluiu.

 

Horácio estava de novo sem saída.

Alguns instantes depois ele reuniu o pouco do dinheiro que escondera nos sapatos, pulou a janela, passou pelo telhado e ganhou a rua.

Fugiu outra vez.

 

Tomou um ônibus na rodoviária com destino à cidade de Registro, que conhecia.

Era algo temporário.

Achava a cidade muito de perto de Iguape.

Dali iria a Barra do Turvo.

Depois desceria ao Paraná.

Demorariam a achar sua pista.

Ao descer do ônibus, se deparou com Carla.

Ela estava de chapéu, blusão, pouco se via do seu rosto, mas Horácio a reconheceu pelos olhos.

Tentou agarrá-la imediatamente.

Não deu.

A mulher entrou em um ônibus já em movimento e desapareceu na frente dos seus olhos, enquanto ele foi seguro por dois policiais.

 

Mais tarde, soube que Sílvio havia sido preso e dera com a língua nos dentes.

O rapaz contou à polícia que roubara as economias do cofre do próprio avô com a ajuda de Horácio. Os dois pretendiam fugir com tudo, mas Silvio fora enganado pelo comparsa.

Horácio levara todo o dinheiro sozinho.

Encheram uma valise do velho.

Fugira para Iguape e de lá iria longe.

Mas Sílvio conseguira falar com ele por telefone. Horácio não dissera onde estava. Trocaram ameaças nas discussões mais acaloradas. A tentativa de Sílvio era apanhar o traidor, enquanto Horácio queria ganhar tempo.

 

Após a prisão na rodoviária, Horácio foi levado para uma cela da delegacia de Registro.

Ao ser chamado para depor minutos depois, se deparou com Carla outra vez.

Antes que ele falasse, ela se adiantou, olhando para o delegado enquanto falava:

-  Estava com saudade, querido?

Colocando o revólver sobre a mesa, o delegado respondeu olhando para Horácio:

- Depois nos falamos sobre a sua viagem, amor. Tenho um interrogatório agora. Virando-se para Horácio: - Vamos, comece a falar.

 

 

 

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Imagem da Galeria Estar sozinho e longe de casa pode levar qualquer a fazer besteiras
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