Eu te amo

30 de novembro de 2021

Eu te amo

Data de Publicação: 30 de novembro de 2021 00:02:00 O DESESPERO - O poder que uma frase que declara o amor tem é enorme, mas ela tanto pode construir quanto arrasar de vez o coração ferido.

Compartilhe este conteúdo:

 

O que significa uma declaração de amor tarde da noite como se fosse gritada para ser ouvida?

 

 

- Eu te amo, ela disse em uma mensagem tarde da noite, como se gritasse para que ele ouvisse o amor que ela sentia e como se ele não estivesse escutando antes.

Estavam separados havia um ano já.

Na verdade, brigaram e depois se reencontraram algumas vezes no início, mas nunca mais se acertaram.

O ciúme e a distância foram os afastando cada vez mais e aumentando a tensão.

A pandemia o fez perder o emprego.

Foi trabalhar em São Paulo e ela ficara no interior, tentando sobreviver.

Ele a acompanhava pela rede social.

Conversavam pouco.

A cada foto que ela postava, brigavam.

Um dia, ele disse que estava tudo terminado, que não a dividiria com outro.

Ela ficou muito irritada com a desconfiança.

- Quer acabar?, ok: está acabado, disse secamente, como se estivesse se livrando.

A decisão era dele, mas a aceitação dela foi como se ele fosse golpeado mortalmente.

Bateu rápido o desespero.

Tentou reatar.

Em vão.

Ela disse de forma firme:

- A nossa história acabou.

A tentativa de voltar da parte dele continuou cada vez mais intensa.

Ele não queria perdê-la.

Cercava-a nas redes sociais.

Fazia de tudo para que ela o percebesse.

Estavam juntos havia oito anos, afora terem se conhecido adolescentes e já terem namorado por alguns meses na época.

Por mais que ele insistisse, que pedisse perdão e que tentasse reatar, ela não queria.

Duas semanas antes da frase gritada na mensagem, ela disse a ele que estava saindo com outra pessoa.

- Como assim? Eu te amo. Você não pode fazer isso. Quem é? Há quanto tempo?

Ela se negou a responder.

Ele a lembrou que ela dizia que não teria outro se não desse certo com ele, mas não adiantou: ela disse que as coisas mudaram.

Contou que a pessoa apareceu na sua vida, um presente de Deus.

Disse que tinha orgulho de mostrar a nova pessoa, como se dele tivesse vergonha.

A cada frase dela, ele se diminuía mais.

Tanto ele insistiu que ela disse:

- Estamos juntos há um mês. É uma pessoa ótima, muito diferente de você. Já me levou até para conhecer a filha.

- Você o ama?, ele tentou apelar para o amor que sabia que sentiam um pelo outro.

Ela disse:

- Que pergunta idiota. Estamos nos conhecendo. Quem ama alguém em um mês? Não devia perguntar isso.

- O que significa se conhecendo?

Ela não respondeu.

- Quem é?, ele insistiu.

Ela não respondeu.

Ele não suportou as informações.

Quase enlouqueceu.

Queria fazer qualquer coisa.

Com medo, ela o bloqueou em todas as suas redes e disse que chamaria a polícia.

Ele se desculpou.

Implorou que ela o desbloqueasse, mas ela disse que não podia por causa do outro.

Não queria desagradar o novo namorado.

Ficaram se falando só na mensagem.

Um dia antes da frase, ela o chamou e perguntou como estava.

Ele respondeu que estava péssimo.

Brigaram novamente.

Ela o chamou de grosso e se afastou de novo, como já fizera antes.

Disse que perguntara por que se preocupava com ele, mas não faria mais.

Só que no dia seguinte, tarde da noite, ela mandou a mensagem com a frase.

- Eu te amo.

Ao ler, ele quase infartou.

- Essas são as palavras que eu mais quis ouvir nesse tempo todo. São as palavras mais doces para um coração intranquilo como o meu. Elas têm o poder de transformar, como se fossem uma tinta tingindo tudo de outra cor, ele disse sôfrego de volta.

Ela não respondeu.

Ele tornou a falar:

- Meus olhos se encheram de lágrimas ao lê-las e eu as li dezenas de vezes hoje já.

Ela não respondeu.

- Não sabia o que falar. Fiquei sem palavras. O meu coração bateu tão forte que parecia que eu ia ter um ataque fulminante.
Tive de respirar fundo e soltar o ar devagar para me rearmonizar.

Ela não respondeu.

Ele já sabia o que ela falaria de tanto que a conhecia e de tanto que já haviam falado:

- Antes que fale: não é exagero. Eu sinto mesmo. Sabe aquela sensação de que você despertou de um pesadelo? Você olha em volta e vê que aqueles monstros não existem.
De repente, você percebe que eles estavam apenas no seu pesadelo.

Ela não respondeu.

Ele continuou:

- Parece que a gente desabrocha como uma flor e sente uma espécie de febre.
Você sempre teve o dom único e especial de mexer comigo profundamente. É capaz de me virar no avesso.

Ela não respondeu.

- Eu também te amo do fundo da minha alma e você é o meu único amor.

O silêncio continuou duro.

Ele começou a achar que a frase talvez tivesse sido sem querer.

Talvez tivesse sido um grito para que ele não morresse no abandono.

Algo como eu te amo. Não dá, mas eu te amo. Assim ele não ficava tão mal.

Confuso e ansioso, ele voltou a falar:

- Fiquei pensando: de que adiantam essas palavras que disse? De que adianta o meu amor por você? Você já tem outra pessoa e que diz ser muito melhor do que eu ainda.
Com um mês, o cara superou tudo o que eu fui e fiz na sua vida em tantos anos.

Ela não respondeu.

- É por isso que eu te disse outro dia que Deus brinca comigo. Deve ser algum tipo de castigo. Eu estou amargurado, triste, acabado. Do nada, você aparece com o seu rosto lindo e diz oi e é como se eu revivesse.
Conversamos um tiquinho. Em seguida, você repete aquela frase que eu nunca quis ouvir e de forma seca e dura:

- A nossa história acabou. Não tem mais volta. Entenda isso e me deixe seguir. Quero ser feliz e já tenho outra pessoa para isso.

Ela não respondeu.

Ele continuou:

- Então o corte, que sangrava e parou, volta a doer e a me matar terrivelmente.

Sem ouvir nada do outro lado, ele continuou a falar triste o seu monólogo:

- Outro dia estava assistindo à série Lucifer e tem uma cena em que o diabo volta ao inferno e encontra o irmão que ele mesmo matou a facadas e o irmão diz a ele:

- Você me matou e essa é uma culpa que você vai levar para sempre. Quem tem culpa não pode sair do inferno.

Ela não respondeu.

- Então, o diabo pegava a faca e estocava a barriga do irmão como da vez que ele o matou e essa cena se repetia indefinidamente por causa da culpa. Acho que é isso: você se afasta, me comunica que tem outro muito melhor que eu e depois volta e diz que me ama. Mas eu não posso fazer nada com isso, porque eu tenho uma culpa: eu a perdi para mim mesmo, eu sou o culpado do seu sofrimento, eu fiz tudo errado com você. Então agora a cena vai se repetir indefinidamente e eu vou continuar preso no meu inferno com a minha culpa.

Ela não respondeu.

- Eu sei que você não esperava que eu dissesse tudo isso, que vai achar que sou insensível, louco. Não é isso. Por Deus não é.

Ela não respondeu.

- Eu amei ouvir essa frase de você.
Como disse, o meu coração ainda está alterado, meu corpo está mexido, eu estou diferente com essa frase. Mas, infelizmente, eu perdi você e a perdi para sempre.

Nem assim ela respondeu.

Passaram-se vários dias em silêncio.

Então ele concluiu:

- É isso: a mensagem do “eu te amo” era para o outro e não para mim.

Ele repetiu a conclusão várias vezes ofegante, como se estivesse enlouquecendo.

- Sim, é isso. Foi uma mensagem errada. Ela nunca diria aquela frase para mim. Nunca. Nunca mais diria aquela frase.

Finalmente, ele se sentou, deixou o corpo cair no sofá e chorou até adormecer.

 

 

Informação complementar

Toda terça-feira você encontrará uma crônica nova neste espaço.

Imagem da Galeria A linguagem do amor já é difícil, mas se torna ainda pior quando há mágoa
Compartilhe este conteúdo:

  Seja o primeiro a comentar!

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo

Nome
E-mail
Localização
Comentário
 (19) 97823-9494
 contato@eloydeoliveira.com.br