Escrever, para mim, está no sangue

12 de abril de 2015

Escrever, para mim, está no sangue

Data de Publicação: 12 de abril de 2015 18:35:00 A convite da Rose Ferrari, me tornei membro da Academia Saltense de Letras, ocupando a cadeira 31, em 12 de abril de 2015.

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SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO

Discurso proferido durante a cerimônia da minha posse como membro da Academia Saltense de Letras, cadeira 31, cujo patrono é o "poeta engenheiro" João Cabral de Melo Neto, no dia 12 de abril de 2015.

 

 

Quero cumprimentar o professor Antônio Oirmes Ferrari, digníssimo presidente desta insigne Academia Saltense de Letras.

Rose Ferrari, minha madrinha e uma antiga amiga, que me deixou muito feliz com o convite para integrar este grupo.

Marcos Pardim, secretário de Cultura.

Valter Lenzi e Virgínia Liberalesso, meus mestres.

O professor André Luiz Palhardi, meu companheiro de ingresso.

Demais amigos, meus familiares e todos os presentes.

 

Em primeiro lugar, quero agradecer imensamente a todos os membros da Academia pela oportunidade de estar aqui.

E daqui para frente poder estar com vocês.

De antemão, quero avisar que não farei como meu patrono, João Cabral de Melo Neto: empossado na Academia Pernambucana de Letras, ele não compareceu a nenhuma reunião.

Comigo podem contar.

 

Antes de falar a respeito do meu patrono, quero dizer da alegria de poder integrar esta Academia.

Escrever, para mim, está no sangue.

Não tem um dia em que eu não escreva.

Quando era criança, em frente a casa dos meus pais havia um campo de terra batida, onde eu e uma porção de meninos jogávamos futebol.

Como havia muitos meninos, nós nos dividíamos em vários times.

Quem ganhava continuava em campo e quem perdia dava lugar a outro time.

Lembro-me que àquela época já, enquanto os outros meninos esperavam a vez batendo bola ou conversando, eu ficava escrevendo ou lendo algum livro.

Quando cursava eletrônica no antigo Colégio “Dr. Barros Júnior”, participei de um concurso de redação.

À época me incentivaram a levar o texto para o então jornal “O Trabalhador”, de saudosa memória, para que a dona Virgínia Liberalesso publicasse.

Sem muita perspectiva, fui até o jornal, conheci a diretora e passei a colaborar. Até que comecei a fazer reportagens. Então, decidi que não iria seguir a carreira na área da eletrônica. Fui estudar jornalismo.

Hoje, já são mais de 30 anos de profissão.

Além do grande aprendizado que tive com dona Virgínia Liberalesso no jornal “O Trabalhador”, tenho a sorte de trabalhar hoje com Valter Lenzi no jornal “Taperá”.

Agradeço muito a vocês pelas oportunidades.

 

Ao longo do tempo do curso de jornalismo ainda, participei de vários concursos de poesias, crônicas e contos com muitos contemporâneos de faculdade, como Maurício Gardenal, hoje gerente de propaganda das Lojas Cem.

Ana Maria Falcini Osta, que é uma das acadêmicas desta Casa, foi minha colega de ônibus e, na época de um concurso em que eu e o Maurício participamos, lembro-me que ela nos disse que se orgulhava de estar ao nosso lado e que um dia ia nos ver escrevendo livros.

Olha aí Ana: você foi mais rápida que nós.

Mas, agora que passo a integrar esta Academia, vou seguir o seu caminho Ana e o de todos aqui: ainda este ano publicarei o meu primeiro livro e será de poesia.

 

Bem, não poderia escolher outro patrono senão um poeta.

Escolhi o poeta e diplomada João Cabral de Melo Neto pelo tipo de poesia que ele fazia.

Talvez a poesia dele cause algum estranhamento a quem espera alguma coisa emotiva. Afinal, o seu trabalho era basicamente cerebral e "perfeccionista", já que buscava uma poesia construtivista e comunicativa, uma poesia objetiva.

Esse tipo de poesia me agrada.

Todos conhecem o meu patrono pela magnífica obra “Morte e Vida Severina”, mas ele foi um dos maiores representantes da poesia brasileira por outras obras igualmente importantes.

Destaco entre elas: “Cão sem Plumas”, “A Escola das Facas”, “Auto do Frade”, “Museu de Tudo”, “A Mesa”, “A Educação pela Pedra” e o livro de estreia: “Pedra do Sono”.

A obra poética de João Cabral de Melo Neto vai de uma tendência surrealista do primeiro e segundo livros até a poesia popular, mas caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes.

O poeta inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil.

João Cabral de Melo Neto escreveu 16 livros, 6 coletâneas e 13 antologias de poesias. Também escreveu 5 livros de prosa, traduziu 31 livros para o alemão, espanhol, italiano, inglês, holandês e francês e fez 9 prefácios de livros.

Estou bem de patrono, não?

 

A importância de João Cabral de Melo Neto para a poesia brasileira pode ser medida também pela obra que a sua obra gerou.

Ao todo, foram escritos 33 livros e 78 ensaios, produzidos 5 filmes, 5 discos e 2 óperas a partir das suas obras.

João Cabral de Melo Neto é o único poeta brasileiro a ter sido agraciado com o “Prêmio Neusdadt (Newsdat)”, tido como Nobel americano.

Em toda a sua carreira poética, foram vários prêmios.

Como o Grande-Oficial da Ordem Militar da Espada de Portugal, o Prêmio Camões, o Prêmio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana, o Portugal Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e o nosso conhecido Prêmio Jabuti, este com o livro “A Educação pela Pedra”.

E, se não tivesse morrido em 1999, poderia ter ganho também o Nobel de Literatura, pois seu nome era muito cogitado à época.

 

João Cabral de Melo Neto nasceu em Recife, em 1920.

Era irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre.

Também foi amigo do pintor Miró.

Viveu os primeiros anos no engenho da cana-de-açúcar da família.

Depois voltou à capital pernambucana ainda jovem e mudou-se para o Rio de Janeiro quando completou 20 anos.

Em 1942, publicou seu primeiro livro, como já disse no início: “Pedra do Sono”.

Em 1950, lançou “O Cão sem Plumas”, considerado ainda hoje um marco da sua poesia.

Diplomata, residiu em vários países, principalmente na Espanha, nas cidades de Sevilha e Barcelona, que se tornariam temas freqüentes da sua poesia posteriormente.

Nessa carreira de diplomata, em 1952, quando o Partido Comunista do Brasil estava na ilegalidade, João Cabral de Melo Neto foi acusado de criar uma "célula comunista" no Ministério de Relações Exteriores.

À época, mais quatro diplomatas (Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira) também foram acusados do mesmo senão.

Todos foram afastados do Itamaraty pelo presidente Getúlio Vargas.

Mas conseguiram voltar em 1954, após recorrerem ao Supremo Tribunal Federal.

 

De curioso de João Cabral de Melo Neto, saibam que ele escreveu um poema sobre a Aspirina.

Ele tomava esse remédio regularmente. Com uma dor crônica de cabeça desde a juventude, o poeta tomava de três a dez aspirinas por dia.

Nesse curioso poema, ele chama a aspirina de "Sol" e de "Luz".

Em uma entrevista à "TV Cultura", certa vez, ele contou que boa parte da sua inspiração (inspiração sempre cerebral) provinha da aspirina e que a aspirina o salvava da nulidade.

Brincadeiras à parte, quero encerrar lendo um trecho de “Morte e Vida Severina”, o poema mais famoso do meu patrono, que enseja um pouco do que vi da vida.

 

"...E não há melhor resposta

que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,

que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,

teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco

em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena

a explosão, como a ocorrida;

mesmo quando é uma explosão

como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão

de uma vida severina."

 

Muito obrigado.

 

Eloy de Oliveira

Imagem da Galeria Sessão solene da Academia Saltense de Letras
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