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Escrever para crianças é um desafio
Data de Publicação: 15 de abril de 2021 18:35:00 PAPO COM O ESCRITOR - Os leitores mirins são muito sinceros e podem perceber mais rapidamente quando uma história não tem argumentos.
Antes de se aventurar a atender esse tipo de leitor, estude muito o mundo infantil e use a lógica dele para se expressar.
Escrever literariamente é sempre um desafio, mas escrever para crianças é um desafio dobrado, pois ninguém é mais sincero que gente pequena.
Enquanto no mundo dos adultos vivemos e experimentamos muita falsidade e situações construídas para demonstrar coisas que nem sempre acontecem, no mundo infantil a mentira só é permitida como fantasia, como imaginação.
Não se atreva a escrever uma história para crianças que não tenha verdade por trás de todas estrepolias que os personagens infantis gostam de fazer, porque fatalmente o leitor irá dizer o que pensa ou se afastará definitivamente da história e do seu autor como consequência.
Monteiro Lobato conquistou um lugar perene como escritor de histórias infantis por perceber essa alma pura que não se deixa enganar com o que não seja fantasia e imaginação.
Veja quanta verdade há em uma Emília feita de pano e retros que não consegue falar porque engoliu muitas palavras.
Sem se preocupar muito com o mundo dos adultos, Monteiro Lobato partiu para colocar na sua história tudo aquilo que uma criança pensaria. Se uma boneca feita de pano não fala é porque, certamente, engoliu as palavras.
Esse é o primeiro conselho: deixe de lado o mundo dos adultos, as lógicas dos adultos.
Criança tem uma lógica totalmente diferente.
Lázaro Ramos, consagrado como ator, se aventurou com muita felicidade a escrever para crianças e está lançando agora mais um livro: “A Velha Sentada”, que conta a história de Edith, uma menina sem amigos vidrada em computador e que, de repente, fica incomodada com a observação de uma vizinha de que, sentada daquele jeito na frente do computador, ela parecia ter uma velha sentada na cabeça.
A partir disso, a menina vai em busca de um autoconhecimento que acaba por revelar a ela que o mundo do computador, em princípio condenado pela observação da vizinha, não é de todo mal e pode contribuir para o crescimento.
Observe que o escritor foi buscar novamente o que a criança pensa, a sua lógica.
Ninguém entra na cabeça de ninguém, mas, se existe uma velha sentada na minha cabeça, então eu vou entrar sim para ver o que ela está fazendo lá e, se puder, me livrar dela.
Outro conselho para escrever histórias infantis é ter paciência para desvendar esse mundo das crianças. Converse muito com os pequeninos, faça perguntas, perceba as reações. Veja como se comportam diante da apresentação de um problema como o da menina Edith.
A criança não entende um problema como tal. Em geral, ela considera que tudo é possível. O que existe, na verdade, são alguns obstáculos que precisam ser contornados, não problemas.
Essa é uma conclusão de adulto.
Problema é coisa de adulto.
Criança vê algo que atrapalha e procura fazer com que isto deixe de acontecer.
A busca para atingir esse objetivo é sempre a partir de outra pessoa, que pode ajudar.
Em todas as histórias infantis há um doutor Caramujo, como no Sítio do Pica-Pau Amarelo, que tudo cura e que tudo conhece.
É esse artifício que ajuda a construir a história e tirá-la do conflito do personagem.
Os personagens têm de ter relação com o mundo das crianças. Por que uma boneca de pano? Por que o visconde feito de sabugo de milho? Por que um príncipe sapo?
Enfim, todos esses personagens fazem parte das brincadeiras infantis. Que criança que nunca ouviu a mãe dizer que um sapo beijado vira príncipe? Ou que uma boneca pode ser feita de pano ou retalhos? Ou ainda que um sabugo de milho pode ganhar vida e brincar com elas?
É assim que nascem as grandes histórias.
Pinóquio era um pedaço de madeira.
Tudo é possível no mundo infantil, menos a mentira, uma história com subterfúgios.
Criança é pureza, é alma leve.
Junte uma massinha falante, um gatinho perdido e um vilão malvado.
Pronto, a história começa.
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