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Como cocô de gato em caixa de areia
Data de Publicação: 3 de janeiro de 2021 19:22:00 COMPORTAMENTO - A partir de hoje, o leitor encontrará todos os domingos um conto com várias abordagens diferentes neste espaço.
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Que Ariovaldo era aquele tipo de homem que não interessava a ninguém. Não por sua falta de qualidades, mas por suas atitudes. E vai ver também que nada pode ser uma opinião fechada, inflexível.
A coisa mais triste a um homem é ser desinteressante, daqueles tipos dos quais as pessoas se afastam ao notar a presença.
Ariovaldo não era um sujeito feio. Tinha boa altura (1m 83), não era gordo (90 kg), caminhava ereto e vestia-se no padrão geral.
Sua voz não era grossa, mas também não era fina demais. Enfim, não destoava da maioria.
O problema era o que falava.
A conversa não era agradável a uma mulher e nem a outros homens. Ele falava muito de um assunto só. Gostava de futebol.
Só que falava sem dar chance aos outros de participarem e, se conseguiam, não lhes dava razão nunca. Sobretudo quando se fala de futebol, todos querem ter razão.
- O meu time é o melhor.
- Mas o São Paulo está tirando o couro.
- O São Paulo é um time de maricas.
- Ei Ari, não precisa ofender. Estamos conversando. Não fale assim.
- Mas é um time de maricas Prado. Se você não se der conta logo, vai virar uma também.
- Epa, está me ofendendo.
- Não estou te ofendendo. Estou falando a verdade. Todo mundo sabe que o São Paulo é um time de maricas. Se você torce para ele, vai acabar virando uma marica ora.
Prado não aceitou a ofensa outra vez.
Deu-lhe um soco no meio do nariz.
Ariovaldo não se acovardou.
Partiu para cima do outro também.
As pessoas fizeram um círculo em torno dos dois na frente do bar do Ernesto.
Começaram a torcer.
Ninguém pensava em separar.
A polícia chegou e prendeu todo mundo. Os brigões, os que assistiam. Até o Ernesto.
O bar teve de ser fechado.
Na delegacia, ao saber do motivo da briga, o delegado ficou irritado com o Ariovaldo.
- Como é que é? O senhor está dizendo que quem torce para o São Paulo é maricas?
- Delegado, essa conversa foi lá no bar. O Prado é esquentado. Não entendeu.
- O que eu não entendi? Você me chamou de maricas. Disse que ia virar maricas por torcer para o São Paulo. Eu pedi para você parar.
Ariovaldo não quis parecer o errado.
Olhou para todos como se filmasse a presença de cada um àquela delegacia.
- Ah, quer saber: é maricas mesmo. Quem torce para o São Paulo é ou vai ser maricas.
O vozerio ensurdeceu por instantes. Todo mundo irritado com o Ari. E ele reagia.
- Parem com essa zona aqui, gritou o delegado Antônio de Freitas batendo com a mão na mesa.
Um silêncio repentino tomou conta do lugar.
Todos olharam para o delegado.
- Senhor Ariovaldo, é essa sua opinião?
Ari não admitia passar recibo.
- É sim, delegado.
- Pois então, o senhor fique sabendo que eu, delegado Antônio de Freitas, sou são-paulino.
- O quê?, disse Ari assustado.
- O senhor está preso por desacato. Os demais estão todos liberados. Podem ir.
Na cela, Ari foi colocado com outros 11 detentos, todos com caras muito enfezadas.
Ao entrar, foi empurrado para o meio da cela, que não era muito grande: 2 m por 3 m.
Acabou caindo em cima dos demais. Imediatamente, Alex, um crioulo de quase 2 m, deu-lhe um soco no nariz, derrubando-o nas barras de ferro da porta onde entrara.
Ariovaldo não passava recibo.
Levantou-se e partiu para cima do outro.
Conseguiu acertar um soco no supercílio esquerdo, abrindo-o na hora.
O sangue se espalhou pelo rosto de Alex. Mesmo assim, ele reagiu. Os dois trocaram alguns socos. Foram interrompidos pelos guardas. Ao ver que começara uma briga, eles reabriram a cela e separaram os brigões.
O delegado Antônio Lopes apareceu, atraído pela confusão. Mandou que os guardas levassem Alex para fazer curativos. O sangue não parava de sair do supercílio dele.
- Você gosta de uma confusão, não é seu Ari?
- Não fiz nada delegado. Os seus guardas me jogaram em cima dele e ele me deu um soco. Não aceito apanhar de ninguém.
- Vai aprender muita coisa aqui então.
Logo depois, o próprio delegado fechou a cela e voltou para a sua sala sem tirar os olhos de Ari.
Os outros presos começaram a olhar para o novato com curiosidade depois de tudo.
- Ei, o que estão olhando?, provocou Ari.
Leandro, um dos presos, baixinho e gordo, com cavanhaque e olhos grandes e vermelhos, se adiantou à frente dos outros, chegando bem perto de Ari, encarando-o com indiferença.
Ari não se acovardou.
Empurrou-o para trás.
- Não venha com cara feia para mim não.
Sem se desequilibrar, Leandro sacou das costas uma pequena faca pontiaguda e afiada.
- Então você é valentão? Vamos ver se o seu sangue é azul. Vamos ver se você é rei.
À medida que se aproximava com a faca na mão direita, Leandro dava golpes no ar tentando assustar Ari e fazê-lo se afastar.
Os outros presos recuaram para um dos cantos da cela para dar espaço à luta.
Ariovaldo abriu os braços na tentativa de assustar o adversário, já que era mais alto e maior que ele e com os braços abertos o deixava mais preocupado com o que faria.
Os dois rodaram os corpos cada um estudando o outro antes do ataque final, como se fossem lutadores de MMA.
Os olhos de Leandro ficaram maiores ainda.
Os de Ari não paravam em nenhum ponto.
Após duas ou três voltas em torno do mesmo ponto, Leandro partiu para o golpe fatal.
Avançou com a faca em punho na direção do peito de Ari, mas ele saiu da frente e a mão do preso com a faca entrou no meio das grades.
Ari se aproveitou do erro e apanhou o braço da mão com a faca com os seus dois braços. Depois, segurando o braço de Leandro, bateu-o contra as grades até que ele soltasse a faca.
A lâmina caiu entre eles e, quando Leandro foi apanhá-la, Ari deu-lhe um chute forte na cabeça. Acertou o nariz. O preso caiu para trás sangrando. Ari foi para cima e desferiu uma saraivada de socos no rosto do adversário.
A sequência foi tão rápida e forte que Leandro desmaiou no chão ensanguentado.
Novamente o delegado voltou à cela, atraído pela confusão, e reabriu a porta.
Os dois guardas traziam Alex com um curativo grande na testa no mesmo momento.
Eles o colocaram para dentro e levaram o outro preso ferido. Leandro ainda estava desacordado e sangrava bastante no nariz.
O delegado puxou Ari com força para fora da cela e o algemou com as mãos para trás.
Depois fechou novamente a cela.
- Você vem comigo.
Ariovaldo estava ferido também.
O seu nariz sangrara, mas a hemorragia estancara rapidamente. Os punhos estavam machucados. O sangue ficara na roupa.
Mesmo assim, o delegado não mandou fazer curativo e nem se importou com seu estado.
- Você vai para a solitária. Só arruma confusão. Vai aprender o que é solidão.
A solitária era menor ainda que a cela anterior: talvez 1 m por 1,5 m ou nem isso.
Não tinha janelas nem banheiro.
Não havia nem luz.
Ari entrou e se sentou na cama de concreto, que ostentava um colchão surrado, fedido e fino, e viu a porta se fechar e apagar a única luminosidade que entrava naquele ambiente.
Resolveu deitar-se para refletir.
Sentia-se em um caixão.
A escuridão, o frio e o silêncio eram como se fosse a morte e ele se sentia morto.
Começou a repassar a vida na memória.
Nunca fora alguém que interessasse a ninguém. Morrer era só uma espécie de oficialização de como se sentia.
Lembrou-se de Inara.
Conhecera aquela mulher de uma forma inusitada. Trabalhava em uma lanchonete na rodoviária. Ela aparecera com uma amiga.
Antes haviam conversado por telefone.
Inara perguntara sobre um lanche que a lanchonete era a única que fazia.
Ari explicara como era e dissera o preço.
- Muito bem, gostei de você. Como é seu nome? Vou aí para experimentar, disse ela.
Combinaram para terça-feira.
Quando Ari a viu ficou encantado de cara.
Inara não era um mulherão. Miúda, de seios grandes, fala destrambelhada, estava mais para a simpática que para a musa. Mas ele se encantou com o jeito tímido dela. Achava-a bonita, inteligente e charmosa também.
Depois de fazer o lanche para as duas, Ari ficou por perto para saber mais dela.
- Você gostou do lanche?
- Gostei sim: era tudo o que me disse.
- Fico feliz que tenha gostado.
- Eu ficaria mais feliz se arranjasse um emprego aqui para mim, o que acha?, disse ela.
- Você está procurando emprego?
- Estou trabalhando hoje, mas queria mudar de ares. Aqui me parece um bom lugar. Você acha que tenho alguma chance?
- Claro que tem. Eu vou ver o que consigo. Depois falamos, me deixa seu telefone.
Quando Inara foi embora, Ari ficou olhando para ela se distanciar. Ficou imaginando como seria ter aquela mulher em seus braços.
- Senhor Moreira, tenho uma amiga que gostaria de trabalhar aqui. O senhor teria uma vaga para ela?, disse ele ao patrão logo depois.
- Tenho sim. A sua vaga. Pode chamá-la.
- Como assim?
- É isso mesmo. Você está demitido. Pensa que não vi que colocou mais ingredientes no lanche daquela mulher que esteve aqui há pouco. Não é ela a sua amiga, é?
Sem expressão e totalmente afrontado, Ari não sabia o que dizer:
- Sim, é ela, limitou-se a concordar.
Quando contou a Inara o que acontecera, ela reagiu de forma inesperada para ele:
- Também, você é burro. Não devia ter posto nada além no meu lanche. Precisa se ligar.
Então ele a ajudara e agora ela o criticava.
A lembrança lhe trouxe dor de cabeça.
Ari se virou na cama tentando esquecer Inara.
Mas ela era uma lembrança forte para ele.
Quando arranjou emprego em outra lanchonete, Ari se deparou com Inara de novo.
Ela também fora contratada.
Que sorte a dele: a mulher por quem se apaixonara estava junto com ele agora.
Bastaria que se acertassem.
Inara não sabia muito bem o serviço.
Pediu ajuda a ele e ele a ajudou risonho e feliz.
No final do turno, se decepcionou.
Inara saiu na companhia de outro colega da lanchonete, na verdade o chefe das garçonetes.
Ela acabara de entrar e já estava apaixonada pelo chefe dela. Ari não aprovou, mas fazer o quê? Nunca conseguira ser interessante a ninguém. Seu papo não saía do futebol.
Era natural que ela se interessasse por outro.
Ari ficou observando os dois se distanciarem.
Ele falava e ela ria.
Como se entrosavam bem.
Estava na hora de ele cair na real e esquecer Inara. Ela não era para ele. Tinha de se conformar com o desprezo dela.
No outro dia, foi conversar com ela.
Queria entender o que a atraía no chefe.
Ela não parecia ser uma pessoa interesseira.
Depois desistiria de vez.
- Ah, não sei Ari. Ele é muito legal. A gente conversa por horas. Eu rio muito. Logo que começamos a conversar, as pessoas já perceberam que a gente se dava bem. Acho que é porque ele é simpático, carinhoso. Mas não tenho nada com ele. Nada mesmo.
Ari saiu da conversa mais triste ainda.
Tinha a intenção de se demitir.
Conversando com uma colega, a Sílvia, ficou sabendo que Inara era casada, mas não vivia bem com o marido havia um tempo já.
- Parece que ele a trai.
- Mas ela saiu com o chefe esses dias.
- Está certa ela. Tem de botar chifre no safado. Ele não faz a mesma coisa com ela.
- Não sei se é por aí Silvia. Se bem que ela disse que não tem nada com o chefe.
- Bom, se é ou não é, se tem ou não tem, a vida é dela e você não tem nada a ver com isso.
- Está certo, disse ele.
Toda a atenção que sempre dera a Inara de nada adiantara, nem mesmo com o fato de ela não viver bem com o marido, pois ela escolhera de cara o chefe dela em vez dele.
- Por que você está saindo com o chefe?
Ari foi direto.
- Quem disse que estou saindo com ele? Eu já disse a você. Somos só amigos. Não tenho nada com ele. O que está insinuando?
- Nada, não estou não.
Ari ficara até mais tarde naquele dia e acabou vendo que Inara ia embora conversando e rindo na companhia do chefe de novo.
Resolveu segui-los.
Quando chegaram ao apartamento dele, ela entrou e não saiu mais, ao menos não imediatamente como ele esperava.
Quer dizer, por ele, ela nem entrava.
Ari se demitiu em seguida ao flagra.
Algum tempo depois, quando arranjou emprego em outra lanchonete e tentava esquecer Inara, Ari recebeu uma mensagem.
- Como você está?
- Quem é?, perguntou ele.
- É Inara. Não lembra mais de mim? Sou assim tão sem importância para você? Algo como cocô em caixa de areia, o cocô dos meus gatos?
- Nossa, claro que não Inara.
- Então por que não me reconheceu?
- Eu não esperava sua mensagem.
- Não esperava ou não queria?
- Querer, eu sempre quis. O problema não é esse. Se dependesse disso, eu resolveria fácil.
- E qual é o problema então?
- O que aconteceu com o seu chefe?
- Que chefe?
- Da lanchonete onde trabalhávamos. Você disse que não tinha nada com ele. Mas um dia eu te segui e você entrou no apartamento dele e não saiu mais. Eu vi acontecer.
- Você me seguiu?
- Sim, eu queria ter certeza.
- E por quê?
- Porque eu gosto de você, mas não dá para ter mais uma pessoa no meio.
- Você tem razão. Sabe, eu sou casada, mas gosto de você. Sempre gostei. E não estou bem com meu marido. Vamos nos separar.
- Eu também gosto de você, mas e o seu chefe? Como ficou isso?
- Esqueça esse cara. Ele era só um amigo. Bom, já não estou lá na lanchonete mais.
- Sei, mas e o seu marido então?
- O que tem aquele bosta?
- Você disse que não estão bem, que vão se separar. O que está acontecendo?
- Ele me traiu.
- E o que pretende fazer?
- Me separar, eu já disse.
- Sim, mas por que me mandou mensagem?
- Bom, eu quero conversar com você. Faz tempo que não nos vemos. Estou com saudade.
- Conversar?
- É, conversar. Você não quer?
- E o seu marido?
- Ah que saco, esquece aquele bosta. Só vamos conversar, nada demais.
- Está certo então. Eu saio às 19h. Onde posso te encontrar? Fale o endereço.
- Eu sei onde trabalha. Eu vou te encontrar.
Inara apareceu de carro e apanhou Ari na saída da lanchonete como combinara.
Foram para uma rua próxima e mais deserta.
Conversaram sobre o trabalho, sobre o encontro que tiveram e sobre o futebol.
Ela até aceitou que ele chamasse são-paulinos de maricas e não quis discutir por nada.
Ao final, se despediram e Inara o cobrou:
- Não vai nem me dar um beijo?
- Claro, disse ele, se dirigindo ao rosto dela, mas Inara virou a boca na direção da boca dele.
O beijo na boca foi inevitável.
Inara abriu a boca e se permitiu um beijo mais profundo. Ari não resistiu à possibilidade com a qual sonhara tanto tempo. O beijo se tornou mais lascivo. As mãos de ambos percorreram os corpos e o momento os deixou em brasa.
Ari queria ir além, mas teve receio de que ela o achasse abusado demais e que tudo aquilo se perdesse. Recuou. Inara também.
O encontro acabou como o de amigos.
Inara voltou a mandar mensagem no dia seguinte para agradecer o beijo.
Ari comentou sobre o recuo e explicou o seu temor, mas ela disse que não se preocupasse.
- Quero vê-lo de novo hoje.
- Hoje?
- É.
Só a possibilidade já o deixara excitado.
Não tinha como evitar.
Encontraram-se no mesmo lugar. Ela passou e o pegou na saída da lanchonete. Desta vez foram para outra rua mais distante e deserta.
- Aqui é melhor, porque fica perto da academia onde treino.
- Entendi.
- Assim, podemos ficar mais tempo.
- Mais tempo?
- É, eu preciso voltar dentro do tempo do treino e, estando perto, chego rápido.
- Voltar dentro do tempo?
- Esquece isso. Quero só que me beije.
Ari não esperou outro pedido.
O beijo foi mais quente que no outro dia.
As mãos também foram mais ágeis e rápidas.
Os vidros ficaram embaçados com a respiração ofegante dos dois.
De repente, ele tirara os seios dela para fora e ela o sexo dele. Enquanto se tocavam e se excitavam mais, alguém bateu no vidro.
O som do toque fez com que o coração dos dois disparasse a ponto de quase terem um infarto ou de sair pela boca.
Inara pensou em quem seria.
Se fosse o seu marido, ela estaria morta e Ari provavelmente também.
Se fosse um policial, seria um escândalo da mesma forma e chegaria ao marido e tudo iria acabar mal de maneira idêntica.
Qualquer hipótese que ela pensava a deixava nervosa e com medo da confirmação.
Ela tremia tanto que não conseguia fechar a blusa aberta. Só tivera articulação para puxar o sutiã para cima, cobrindo os seios volumosos.
Ari pensou que poderia ser a polícia e, se fosse, ele estaria bem encrencado, afinal estava na rua seminu e com uma mulher casada.
O seu receio era tanto que não conseguiu segurar a urina e acabou se molhando todo.
A batida no vidro insistia.
Os dois conseguiram finalmente se arrumar dentro do carro para ver quem era.
Em um gesto rápido, Inara limpou o vidro com as mãos para ver antes de abrir.
Só aí os dois perceberam que se tratava de um menino de rua que queria uma doação.
Inara olhou para Ari e suspirou:
- Que foda esse pivete.
Ari riu nervoso.
- Esse desgraçado me fez mijar nas calças.
Os dois riram desbragadamente com o inusitado e não abriram o vidro.
Para se livrar do moleque, Inara fez sinal de que não tinha nada para doar.
O pivete foi embora contrariado.
- Você ficou nervoso?
- E acha que não era para ficar?
- Mas fazer xixi nas calças é demais.
- O que você queria?
- Seja homem, ora, disse ela, depois amenizou: - Estou brincando.
Ari não gostou, mas não reagiu.
Preferiu se calar.
Não havia mais clima e os dois tiveram de ir embora novamente, despedindo-se com um beijo, e mais uma vez o encontro acabou como sendo um encontro de amigos.
Amigos era o que Ariovaldo não tinha.
Com sua conversa parada no futebol e as ofensas contra os torcedores de outros times, ele não conseguia nem conversar.
Saía do trabalho e ia direto para casa.
Não falava e ninguém falava com ele.
Inara desaparecera também.
Um dia uma vizinha pediu ajuda.
- Seu Ariovaldo, o senhor pode trocar o gás para mim? Eu tenho medo e meu marido vai demorar para chegar. Tenho de fazer o jantar.
Ari foi solícito.
Trocou o botijão, fez o teste de vazamento e deu por encerrado o que viera fazer.
A vizinha perguntou:
- Você sabe por que o meu nome é Rosa?
- Não faço ideia.
- Não faz?
- Não.
- É por que eu sou uma flor.
Os dois riram.
- Quer um café?
- Não obrigado, dona Rosa. É bom eu ir. Sabe como é, se seu marido chega, pode ser um problema me encontrar aqui tomando café.
- Aquele zero à esquerda não sabe nem porque está vivo: não se preocupe.
Ari ouviu a frase com certo interesse.
Rosa não era uma mulher de se desprezar.
Ainda mais para ele, que não arranjava ninguém havia tempo e nem com Inara se acertara, tanto que ela o despachou.
Rosa era uma mulher alta, magra, de cabelos encaracolados e de seios grandes.
O que mais lhe chamou a atenção foram os lábios carnudos e a forma como ela os molhava com a língua enquanto falava.
Era sedutor para ele.
Meu Deus, o que estava pensando ou fazendo. Aquela mulher tinha um marido. Ele poderia ser morto ali e com toda razão.
Antes que saísse da cozinha em direção à saída da casa, ela o segurou pelo braço:
- É só um minuto. Faço rapidinho.
Não havia como evitar o café mais.
Enquanto aguardava o café coar, Rosa tocou os ombros de Ari e elogiou:
- Você é forte. Faz academia?
- Não, eu sempre fui assim, mas não sou forte.
- Ah é sim, disse chegando perto do rosto dele e suspirando como se sentisse o seu cheiro.
Ari estava tentado a beijá-la ou agarrá-la até.
Antes que desse um passo, ambos ouviram:
- Rosa, meu amor, cheguei.
- Meu marido, meu Deus. Você precisa sair daqui agora. Por favor, ele não pode te ver aqui.
- Como vou sair? Só tem um portão. Ele está lá. Vou dar de cara com ele.
- Saía pelos fundos e suba no telhado.
Ari não pensou duas vezes.
Fez o que a mulher sugerira.
Teve dificuldade para subir, mas conseguiu andar por cima das telhas e descer na sua casa.
Estava tremendo de medo.
Que coisa, ele não fizera nada e fugira como um ladrão. Essas mulheres só o colocavam em fria. E ele era um bananão. Já poderia ter tirado o atraso de que vinha sem relacionamento desde os tempos de Inara e nada.
Saiu à frente da casa para olhar se estava tudo bem e aí se surpreendeu ainda mais.
Inara e o marido estavam na frente da casa da vizinha. Os dois conversavam com Rosa e o marido dela, o chamado zero à esquerda.
Eram amigos então.
O marido de Inara olhou para ele como quem avista um inimigo. Em seguida disse alguma coisa ao marido de Rosa, que Ari não entendeu.
Os dois passaram a olhar para Ari com o mesmo olhar que lhe parecia de ódio.
Como se aqueles olhares fossem um vento, Ari entrou varrido em sua casa e fechou a porta em seguida. Trancou com duas voltas na chave. Colocou até o suporte de segurança que trazia uma corrente pequena para evitar a porta abrir.
Sentou-se no sofá e começou a pensar no que poderia acontecer se os dois maridos viessem atrás dele e o mais incrível era que ele não tinha feito nada a nenhuma das mulheres.
Só beijara Inara. Beijo, só isso. Nada mais.
Depois de algum tempo, Ari começou a frequentar o bar do Ernesto.
Sentava-se a uma mesa no canto e não falava com ninguém. Tomava uma cerveja e ia embora. Só observava as rodas de amigos nas mesas.
Incentivado por Ernesto, tentou se enturmar com alguns empregados da construção civil.
Prado era mestre de obras e foi o que mais permitiu a sua aproximação. Os demais o tratavam com frieza e com distância.
Aos poucos foi ganhando a confiança dos demais. Ari era muito bom de matemática. Ajudava os outros com as contas.
Quando começou a chegar e ser chamado para se sentar à mesa deles, achou que estava em casa e começou a falar de futebol.
Foi aí que a confusão se estabeleceu.
Armou uma briga com Prado e todos foram para a delegacia. Acabou ficando preso. O delegado Antônio Lopes esticara sua detenção para lhe dar uma lição. Ainda o deixou na solitária durante todo o tempo.
Quarenta dias depois foi libertado.
Caminhava pelas ruas como se tivesse alguma doença contagiosa. As pessoas se afastavam dele. A coisa mais triste a um homem é ser desinteressante aos outros.
Passou na frente da casa de Inara e ela estava na janela. Acenou para ela e ela retribuiu. Pediu para esperar. Desceu e veio ao seu encontro.
- Você não quer entrar?
- Está louca? E o seu marido?
- Ele foi embora.
- Como foi embora?
- Está vivendo com o Alcides.
- Que Alcides?
- O marido da Rosa, lembra da sua vizinha?
- Como está vivendo com ele? Eles são maricas? É isso que está dizendo?
- Não é maricas que fala. Eles são bissexuais. Tiveram relacionamento comigo e com ela, mas também têm entre eles.
- Estou passado.
- A Rosa está em casa me visitando. Por que não vem tomar um café?
- Tomar um café?, ele perguntou com a cara de quem tinha outras ideias.
- É, começamos pelo café, ela respondeu como quem entendeu as intenções dele.
Ariovaldo não esperou outro convite.
Ao entrar na casa, viu Rosa seminua e Inara começou a se despir também.
Ari entendeu tudo e passou a tirar a roupa.
Os três foram nus para o quarto.
Com tanta sorte, por que o azar, que não foi convidado, tem de aparecer?
Dez minutos depois, as duas já estavam vestidas e Ari ainda não se levantara da cama.
- Eu juro: isto nunca me aconteceu, dizia ele.
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