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Comigo não
Data de Publicação: 28 de janeiro de 2021 19:11:00 PREVENÇÃO - O medo de errar provoca erros na maioria das vezes e alguns são irreparáveis: por isso, temos de ter coragem e enfrentar.
Ex-trabalhador rural no Paraná, Zeca mudou-se para Salto em busca de uma vida melhor. Tirar a carteira de motorista era mais um avanço. Só que ele se deparou com o examinador que reprovava todo mundo.
Zeca tinha estudado muito para tirar a carteira de motorista e estava bem afiado em tudo.
Nas aulas de volante, se valeu dos aprendizados com o tio nas estradas de terra do sítio da família no Paraná, nos quais já tinha saído do caminho várias vezes e atropelado uns pés de milho.
A experiência evitou os pés de milho da cidade.
Nas aulas teóricas, suas garantias estavam nos dias seguidos que tirou para estudar.
Nem a namorada Sofia ele quis ver.
Dedicação exclusiva.
Tirar a carteira era fundamental para conseguir um trabalho melhor que o de empacotador de supermercado e ele já até tinha umas propostas.
Tudo estava dentro do combinado, como se dizia lá no Paraná, de onde viera para Salto, ainda pequeno, com a família, em busca de dias melhores.
Só uma coisa não estava.
Já o tinham prevenido que tomasse cuidado com o examinador conhecido como Neto.
Era um senhor já, que somara tempo para se aposentar, mas não deixava o serviço.
Diziam dele que era mal-humorado e que usava pegadinhas para surpreender os alunos.
Quem caía nas surpresas, não passava.
E a má notícia, que corria solta, era que aqueles que caíam com ele nunca passavam.
Mas Zeca disse:
- Comigo não.
Procurou se informar o que o Neto fazia.
Contaram que ele mandava parar ou virar onde não podia e reprovava se o obedeciam, mas como não o obedecer, se ele era bravo e mandão?
Zeca repetia:
- Comigo não.
Disse para todos com quem conversou:
- Se mandar fazer errado, não faço. Quero ver se me obriga. Se gritar, grito também.
Zeca era invocado.
Não aceitava perder a oportunidade de tirar a carteira e deixar as chances de mudar de vida voarem pelos ares como uma bexiga.
Chegou o dia do exame e Zeca teve o azar que ninguém esperava ter: caiu com o Neto.
Os amigos presentes ao local da prova já o desestimularam assim que souberam:
- Dançou Zeca. Vai ter de voltar daqui um mês, disse rindo Pedrinho, seu vizinho.
Os exames aconteciam só uma vez a cada 30 dias e os reprovados ainda tinham de pagar uma taxa.
- Comigo não, repetiu Zeca.
Estava uma pilha quando entrou no carro com o tal do Neto.
Disposto a agredir o examinador até.
- Segue, disse o Neto.
Ele seguiu como se dirigisse uma carreta.
Todo cuidado era pouco.
Mas tudo foi bem, ao contrário do que diziam.
Neto se comportou e não lhe pediu nada suspeito nem fez nenhum comentário.
Zeca repetia nos pensamentos:
- Comigo não.
Alguns metros antes de terminar o percurso da prova, o examinador pediu que parasse.
- Pronto, pensou Zeca. - Ele ia aprontar agora. Mas não deixaria. Estava preparado para o pior.
Neto disse que não estava bem.
- Aquela casa amarela ali, está vendo? É lá onde eu moro. Pare ali, por favor. Preciso tomar um remédio e isto é urgente. Pare.
Zeca repetiu em alto e bom som dentro dos próprios pensamentos:
- Comigo não.
- Pare, você não me ouviu?, gritou o Neto.
- Não vou parar.
- Como não vai parar? Eu estou mandando. Pare agora. Você não entendeu que eu sou o examinador aqui? Sou eu quem manda.
- Não vou parar. Eu já estou sabendo das manhas. O senhor não vai me pegar.
Disse e seguiu até o portão do Cemitério da Saudade, onde terminavam todos os percursos.
O homem ficou possesso dentro do carro.
Nem desceu quando Zeca parou.
- Desça, você está reprovado, ordenou mordendo as palavras.
- Como estou reprovado? O que eu fiz de errado? O senhor não pode me reprovar?
- O que você fez de errado?, ele disse irritado, mostrando as próprias pernas.
O examinador estava todo cagado.
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