O que é uma opinião que te dão sem você pedir ou que não tem a ver com você

- Carro preto é carro de funerária.

Ouvi da minha mãe quando mostrei o carro novo todo preto, bem ao contrário do anterior, que era todo branco.

- Não gostou?

- Você sai de uma ambulância, porque carro branco é ambulância, e vai para o carro de funerária. Não sabe escolher carro? Acho que não sabe não.

- Mas, mãe, que cor te agrada?

- Prata.

- Prata é cor de carro de velho.

- Ué e você não é velho?

- Claro que não mãe. Escolhe outra cor.

- Vermelho.

- Vermelho? Vermelho é o carro da Peppa Pig. Não dá vermelho mãe.

- Quem disse?

- Todo mundo disse.

- Vermelho é a cor do carro do futuro meu filho. Eu li. Designers estão estudando isso. O vermelho já é uma cor muito usada.

- Mas, se for assim, mãe, o branco é muito mais usado. Hoje é a cor mais adotada para carros no Brasil. Até o preto do meu carro novo é mais adotado.

- Você verá.

Não é só minha mãe que não gosta de carro preto. Muita gente me falou do calor, dos riscos, da sujeira, tudo que aparece mais. Bom, não importa. Agora é preto.

Fui para a academia com ele.

Parei no estacionamento ao lado.

A academia que eu frequento é toda envidraçada. Dá para ver de lá os carros no estacionamento. Fiquei feliz vendo que todo mundo ficou olhando para ele.

Também pudera.

Mandei lavar, encerar e polir.

Estava brilhando.

Vieram me perguntar se era carro novo ou se só estava testando.

- Novo. Escolhi. Bonito, né?

- Não gosto muito, mas, se você gosta, ok, disse uma das colegas de treino.

Outras mulheres não gostaram também. Não fizeram tanto pouco caso, mas torceram o nariz. Só umas poucas gostaram e disseram que teriam um assim. Os homens ficaram mais nas críticas.

Muitos deles falaram horrores.

O carro era reprovado por eles e não era unanimidade entre as mulheres.

Estava confuso já.

Não vou na conversa, mas era tanta crítica que fiquei meio sem amor pelo carro preto. Sabe aquela sensação de que “ah, talvez não tenha sido uma boa escolha”.

Entreguei-me ao treino e esqueci.

Depois de malhar, saí acabado, quase me arrastando para chegar ao carro novo.

Quando cheguei na academia uma hora e tanto antes havia um carro de um lado e outro de outro, mas agora ele estava sozinho no lugar onde havia deixado.

Esse isolamento me permitiu ver na porta uma marca amarela.

Meu Deus, pensei. Rasparam no meu carro novo. Agora entendi o problema do carro preto. A marca amarela era visível de longe. Não estava acreditando.

Cheguei perto, passei a mão, não saía.

Molhei o dedo na saliva e passei de novo para ver se saía e nada.

Depois vi que a marca ia até a traseira.

Não é possível que alguém muito barbeiro tenha ralado o meu carro desse jeito. Vai ficar uma nota para consertar. O pior é que não fica bom.

Minha mãe vai falar: eu não disse?

Caminhei até a traseira acompanhando a marca e aí fiquei mais frustrado.

A traseira estava ensacada.

Alguém bateu ali também.

Isso já era demais.

Liguei para um funileiro amigo meu, contei a situação e pedi um orçamento.

Pelo estrago, você vai gastar de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil, ele disse.

Nossa, exclamei. Que prejuízo. Pensei em voltar para a academia. Perguntar se tinham câmeras. Tinha de cobrar do infeliz que fizera aquilo. Antes de voltar vi que não havia câmeras. Não tinha o que fazer.

Resolvi ir embora e pensar no problema depois. Quem sabe passar alguma coisa para ver se saía a marca.

Era isso: iria a um lava-rápido. Eles têm produtos para isso. Vão tirar a marca.

Apertei o botão do alarme e nada. Agora o alarme não funciona. Coloquei a chave na fechadura para abrir manualmente. Nada.

Outra vez apertei o botão e só aí percebi que o som do destravamento vinha dois carros à frente daquele.

Aquele não era o meu carro.

O meu carro novo estava lá: intacto.

Dei graças a Deus pelo erro.

Olhei em volta dele e estava perfeito.

Não importavam mais as críticas, amei o carro preto outra vez.

Que benção é ter carro preto, suspirei.