Bem pra lá do fim do mundo

22 de julho de 2021

Bem pra lá do fim do mundo

Data de Publicação: 22 de julho de 2021 16:23:00 FUTURO - Uma visão de como estaremos daqui a pouco em relação às pessoas que nos cercam, se já não estivermos mais ou menos assim.

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Ninguém se preocupa com o amanhã, com o outro, com nada e irremediavelmente vamos acabar em uma vala comum.

 

 

- E foi assim que o mundo acabou,

disse o gato, atrás dos óculos,

com uma tristeza de saudade,

daquelas que embargam a voz.

Nascido depois,

o menininho de olhos azuis

não tinha a dimensão.

- Como pode, senhor gato?

 

- Eu não sei como vivem,

disse o gato, olhando o infinito.

- Se procurar uma pilulazinha

de sinceridade, uma só,

não se encontra, não existe.

 

- Então as pessoas mentem

o tempo todo?, indagou o menino.

- O tempo todo, respondeu o gato.

- Mas como podem amar desse jeito?

- É o que eu digo, suspirou o gato.

- Não podem, elas fingem.

Elas dizem para si mesmas

que é verdade e acham que está bem.

 

- O macaco sacudiu um homem

outro dia querendo que acordasse,

retomou o gato.

- O homem lhe queria vender o coração.

- Mas sem coração não se vive,

senhor gato, concluiu o menino.

- Eu sei, você sabe, mas eles não.

 

O gato continuou o seu lamento:

- Vendem o coração,

trocam a alma, atiram fora

o amor, como se fosse pilha velha.

Não sentem mais nada.

O gato estava desconsolado.

- Procuram pílulas de amor

como drogados viciados.

Não tem mais, não se encontra mais.

Só tem pílulas de ódio agora.

 

- Nossa, assustou-se o menino.

Vendo os olhinhos azuis arregalados,

o gato chamou o menininho

para mais perto de si e contou,

como se fosse um segredo,

só tem uma saída.

- E qual é essa saída, senhor gato?

- As pessoas precisam se olhar,

se olhar no espelho.

 

- Bem isso é fácil, disse o menino.

- Não é como pensa, atalhou o gato.

- Por quê?, arregalou os olhinhos azuis de novo.

- Porque não existem mais.

Os espelhos acabaram.

Foi quando acabaram as pílulas,

as pílulas de sinceridade.

 

- E onde encontrar espelhos,

onde, senhor gato?

- Eu não sei, eu não sei,

disse abaixando a cabeça.

- Então, voltamos ao início?,

irritou-se o menininho.

 

- Espere, tem um jeito,  

iluminou-se o gato.

Os olhinhos azuis arregalaram-se outra vez.

- É só olhar nos olhos de cada um.

Olhe nos olhos sem medo.  

Dentro de cada ser humano

está o reflexo do outro.

As pessoas não se olham mais.

Perderam a referência.

 

- E como fazê-las olhar nos olhos?,

perguntou o menininho.

- Eu não sei, eu não sei,

mas sei que dá certo,

vislumbrou o gato.

- Alguém tem de começar,

continuou ele.

- Comece você, que tem

olhos azuis tão doces.

E o menininho olhou o infinito

com a certeza de que tinha

uma grande missão.

 

 

Informação complementar

Todas as quinta-feiras você encontrará uma poesia nova neste espaço.

Imagem da Galeria O gato conta tudo para o menininho de olhos azuis
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