As frialdades da morte

23 de setembro de 2020

As frialdades da morte

Data de Publicação: 23 de setembro de 2020 07:12:00 ANGÚSTIA - Tantas perdas nos marcam como se fossem facas cortando a carne e abrindo o peito, mas é a vida diante da morte.

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SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO

A morte é inevitável para todos, mas ninguém quer se defrontar com ela. Tem horas que a gente fica pensando em tanta gente que se foi que dá a impressão de que ela nos ronda. É o dilema da existência. 

 

 

Quando era ainda bem pequeno, a morte

era para mim uma completa desconhecida.

Até que um dia do terceiro ano de escola

cruzei com ela em Salto na esquina do Paula Santos.

 

Um caminhão esmagou a cabeça de um desconhecido.

 

Até hoje não sei qual a razão de ter ido ao velório.

Talvez tenha sido o cemitério perto,

o inusitado dos fatos que levaram aquilo.

Não importa: fui e testemunhei tudo.

 

Mais tarde a morte veio visitar minha avó.

A mãe do meu pai fazia um doce de goiaba delicioso.

Deve ter sido isso que a atraiu a Pederneiras.

A morte ficou por lá uns dois anos.

Um dia, como um lobo mau que leva Chapeuzinho Vermelho,

ela a tirou de nós de madrugada

e nunca mais teve doce de goiaba gostoso.

 

Na adolescência, a morte foi lá no meu colégio.

Atrevida, pegou carona na moto dos garotos mais populares.

Ela e meus quatro amigos sumiram no caminho para Itu.

 

Em outras oportunidades, a morte esteve bem perto,

de passagem.

Sempre a via tomando conta de acidentes pelas estradas.

Parecia polícia rodoviária.

 

Em um desses acidentes, ela olhava uma amiga grávida

e fez ventar como um tornado.

Depois a arrancou de um ônibus que voltava de Sorocaba.

 

Um dia a morte resolveu morar na casa do meu irmão.

Passou 15 dias lá, mas eles se desentenderam de cara.

Ele foi parar até no hospital por causa da briga.

A morte não se abalou com isso

e, quando se encheu, foi lá e o raptou de nós em uma segunda de noite.

 

Dia desses a morte passou pelo meu trabalho

e levou mais dois amigos meus com ela.

Com um deles ela se atracou por meses

e só largou com ele caído.

O outro foi de supetão.

Um golpe só quando ele foi a uma clínica com a filha.

 

Tenho certeza de que eles não queriam ir.

 

Mas o pior foi a traiçoeira ação contra meu pai.

A morte esperou que ele voltasse do hospital.

Quando tudo parecia bem, foi lá e meteu a mão no peito dele.

No susto, ela arrancou-lhe o coração.

Aquilo foi tão inesperado que pareceu falta de energia na cidade.

Um escuro medonho acabou com o nosso dia.

 

É abusada demais essa morte.

Um dia eu vou me acertar com ela.

 

 

FIQUE SABENDO

Toda quarta-feira tem uma poesia nova neste espaço.

Imagem da Galeria Morrer impacta tanto que é capaz de nos tirar a paz a qualquer momento
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