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Ano passado eu morri
Data de Publicação: 2 de janeiro de 2021 09:44:00 CONTO - Com este relato, no qual mostro como perdi seis vidas, inicio "Contos de Domingo", que terá um conto novo por domingo.
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Que eu já escapei de morrer seis vezes. Se o gato tem sete vidas e eu deva ter também, estou vivendo a minha última. Se bem que o filme "A Nona Vida de Louis Drax" mostrou que podem ser nove e não sete vidas.
Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro.
Ouvi esta frase em uma música de Belchior. Acho-a muito apropriada ao que vivi durante o ano de 2019, o meu ano passado como na música. Afinal, foi neste ano que perdi a minha sexta vida.
Por conta de uma série de situações estressantes, tive problemas de coração.
O meu médico me disse em abril, que, se não fizesse uma cirurgia, eu viveria só até outubro de 2019.
Não dava para discutir: fui atrás.
Após vários exames para verificar se estava em condições ideais para a intervenção, além da necessidade médica que já tinha, consegui ser operado em Campinas e me salvei.
A minha quinta vida perdi no ano anterior, em 2018, em um acidente de carro.
Uma noite, dirigia pela Rodovia do Açúcar, vindo de Sorocaba, quando uma caminhonete, carregando abelhas africanizadas em caixas de madeira, parou na pista do nada na minha frente.
O motorista disse depois ter achado que algumas abelhas haviam invadido a cabine dele. Ele abrira o vidro traseiro para ventilar-se devido ao calor intenso. O medo de ser picado e morrer paralisou aquele homem.
A total imprevisibilidade disso acontecer em uma pista de alta velocidade me fez quase bater na sua traseira.
Ao ver a caminhonete crescer na minha frente, só tive tempo de desviar para o acostamento.
Eu estava a 110 km/h e ele não passava, acredito, de 80 km/h.
Mesmo com a manobra, acabei chocando o carro que dirigia na lateral direita da caminhonete.
O impacto foi grande.
Tanto que rachou o radiador e arrancou a bateria do meu carro. O para-brisa quebrou e a porta do lado do motorista foi amassada a ponto de não abrir. Depois da batida, ainda andei uns 100 metros como passageiro.
Apesar do impacto e do susto pelo qual passei, não sofri nenhum arranhão, mas tudo que havia dentro do carro foi ao chão.
Fiquei duas horas esperando o seguro no escuro.
Estive a ponto de morrer em outro acidente de carro na mesma rodovia do último e em dois outros acidentes de moto na Santos Dumont e em Campinas, além de um quase afogamento, em Salto.
No acidente anterior ao das abelhas, em 2014, o choque foi com um caminhão e dois carros. Era noite, voltava de São Paulo e fui atingido pela guarnição de carga de um caminhão. O motorista não deve ter amarrado as guarnições direito.
Estava cruzando um viaduto sobre a Estrada da Taperinha, próximo a Itu, quando a peça de ferro se soltou em parte e se enganchou na porta do passageiro quando eu começava a ultrapassar o caminhão.
A guarnição rasgou a lataria da porta e se soltou com o movimento. Mas fez o meu carro rodopiar na pista.
Fiquei atravessado no meio do caminho depois e o motorista do caminhão fugiu.
Um carro logo atrás bateu na lateral dianteira esquerda do meu carro.
Rodopiei e parei atravessado de novo, agora de frente para o outro lado da pista.
De novo outro carro que vinha atrás daquele bateu no meu carro, desta vez na minha lateral dianteira direita. O carro voltou a rodopiar e parar atravessado de frente para o lado anterior.
Por pouco um terceiro carro não bateu na porta do motorista. Vinha em alta velocidade, mas freou a um metro de mim.
Salvo, respirei fundo, liguei o motor do carro e o tirei de cima do viaduto e o coloquei no acostamento.
Não dava para andar mais: o pneu dianteiro direito furou e a roda ficou quadrada.
Nenhum dos motoristas que se envolveram no choque, a exemplo do motorista do caminhão, parou para prestar socorro.
Felizmente, não sofri nada em nenhum dos impactos.
Um motoqueiro quis ajudar:
- Vamos atrás deles. Eles têm de pagar. Sobe aí.
Preferi esperar o seguro.
Os acidentes de moto aconteceram quando eu voltava de Campinas, onde trabalhava na Folha de São Paulo.
O primeiro foi em 1993 e foi o mais grave e inesperado.
Ele aconteceu na Rodovia Santos Dumont, saída de Campinas.
Motorista de carro não respeita quem anda de moto, então eu ia margeando o acostamento na rodovia.
A intenção era evitar de ficar na frente de algum carro e acabar sendo atingido.
De nada adiantou, pois o motorista que me atingiu estava bêbado.
Ele perdeu o controle, bateu no guard-rail central e veio se chocar contra a traseira da moto.
O choque me arremessou para depois da vala de escoamento de água na lateral do acostamento.
Cai de costas, rasguei o ombro e depois rolei de frente até para na grama depois da vala de escoamento de água.
O corte no ombro foi de oito pontos e raspei tanto o queixo no chão que essa parte do capacete acabou.
Quando meu corpo parou na grama, virado de barriga para cima, o sangue lavava a minha camisa.
Como não sabia se havia quebrado alguma coisa e, com medo de que alguém me movesse na tentativa de ajudar, fiquei imóvel e de olhos fechados. Vários motoristas pararam, mas ninguém tocou em mim.
Ouvi a frase repetidas vezes: “Esse já era”.
O outro acidente de moto ocorreu em 1994 na Via Expressa Waldemar Paschoal, próximo ao Hospital Mário Gatti, dentro de Campinas.
Voltava para casa por volta de meia-noite e chovia continuadamente.
Não havia ninguém na pista.
Eu estava na via mais rápida e veio um carro atrás dando sinal de luz.
O motorista queria que eu saísse da frente próximo a uma curva, onde pegaria a Avenida Prestes Maia.
Não saí com medo de cair e ele se irritou, ultrapassou e me fechou.
Ao frear para não bater, a moto derrapou e eu caí na pista rolando várias vezes até parar batendo a cabeça.
A moto escorregou para o outro lado da pista.
Demorou para que eu conseguisse recobrar as forças e levantar.
Quando consegui, apanhei a moto, que estava toda danificada, mas funcionava.
Subi e segui viagem.
O motorista tinha fugido sem se preocupar.
O quase afogamento aconteceu na minha adolescência ainda, em 1980.
Eu e um grupo de amigos que estavam sempre juntos fomos nadar na represa do ribeirão Piraí.
Esse manancial é o maior abastecedor de Salto e tinha represa com águas profundas.
A aventura era o nosso norte e aquela situação era a ideal para nós.
Começamos a saltar no ribeirão e a atravessá-lo de início, o que não era difícil, pois as margens eram próximas, mas depois passamos a mergulhar e a testar o fôlego.
Eu nadava razoavelmente.
No grupo, a maioria tinha a mesma performance que eu.
Felizmente, nem todos.
Genivaldo, o Geni, era diferente.
Vivia na água e nadava muito bem.
Quando eu nadava na parte mais funda, alguém gritou:
- Cuidado, aí é fundo demais.
O medo e a insegurança de adolescente me fizeram afundar rapidamente.
Um martelo sem cabo.
Engoli água enquanto afundava e subia novamente e morreria, se não tivesse sido salvo.
Geni pulou na água, conseguiu me alcançar e me jogou para a margem, onde agarrei arbustos e fiquei de olhos arregalados tentando colocar a água que engolira para fora.
Geni se recuperou do esforço puxando o ar.
Depois foi até onde eu estava e me arrastou para fora do ribeirão.
Vomitei toda a água que engolira e me salvei.
O funileiro que tentou tirar os amassados do meu carro após o acidente de 2018 me intrigou:
- A gente conserta carros e objetos, mas quem conserta a gente é Deus.
Depois brincou que eu deveria ter sete vidas como um gato, mas, se tinha, já gastei seis.
Na época desse acidente ainda eram cinco vidas perdidas.
E aquele funileiro me deu um vaticínio:
- Se Deus te salvou da morte tantas vezes como você me disse, é porque ele tem uma missão para você. Preste atenção que os sinais virão e você terá de cumprir essa sina.
Nossa vida é feita de ciclos.
Iniciamos vários ao mesmo tempo. Terminamos uns, outros não, alguns ficam pela metade às vezes. Não é só a morte que quebra ciclos.
Viver não é fácil, já dizia o poeta e eu aprendi isso muito cedo.
Por isto, agora inicio um novo ciclo e este é para cumprir a missão divina como me disse o funileiro.
Eu não sei qual é essa missão e nem tenho medo do que seja, mas eu quero fazer as pessoas felizes e a primeira sou eu.
Agora é você.
Sorria, pois eu estou te filmando.
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Este texto abre a seção "Contos de Domingo, que inicio hoje.
Em todos os domingos você encontrará um conto novo neste espaço.
Esta é a música de Belchior que ouvi e que me inspirou a escrever este conto: "Sujeito de Sorte": https://www.youtube.com/watch?v=5MV_Fa3MQuA&feature=youtu.be
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