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Alice no País das Maravilhas
Data de Publicação: 25 de fevereiro de 2021 19:08:00 MULHER MISTERIOSA - Era era perfeita ou me parecia assim quando a encontrei inesperadamente na rua, sozinha, perto do mercado municipal.
Uma mulher envolvente e intrigante, que apareceu na rua, perto do mercado municipal. Quem era? O que fazia? Para onde ia?, perguntas que atormentavam. Até ela desaparecer rápida e misteriosamente, como se nunca tivesse existido.
Vi apenas o branco dos olhos.
Olhava para cima a tal ponto que escondia as pupilas negras debaixo das pálpebras.
Havia pedido que eu tirasse algo que incomodava os seus olhos, mas não tinha nada.
Olhei aquele branco como se estivesse procurando areia no deserto.
- Não tem nada aqui.
Nem agradeceu. Voltou as pupilas ao lugar delas e retomou o olhar. Aí vi como era forte.
- Está bem, está bem.
Saiu andando como se nunca tivesse me visto.
Ela era assim: íntima, ao ponto de pedir que olhasse um cisco no olho sem nunca ter me visto, e distante, para sair sem dizer nada.
Olhei como caminhava.
Tinha o andar de alguém decidida na vida.
Não pestanejava, não pisava torto, não olhava do lado, nem respirava, eu acho.
Fiquei encantado com sua presença.
Fora tudo tão breve e tão marcante que ela parecia mais um evento, um cometa.
Temi não a ver mais por isso.
Fui atrás dela com essa preocupação.
- Moça, moça.
- Você de novo?, ela agora parecia que me conhecia há anos e o pior: dava a ideia de que enjoara por alguma razão desconhecida.
- Desculpe.
- Não tem do que se desculpar, diga logo. Não tenho tempo. Não posso ficar de papo.
- Só queria saber seu nome.
- Você é da polícia?
- Claro que não. Por que pergunta isso? O que eu fiz? Pareço ser alguém da polícia?
Ela não respondeu.
Apenas olhou-me por inteiro.
Parecia medir o corpo para fazer o caixão.
Aquele olhar me arrepiou de medo.
- Sara.
- O que sara?
- Meu nome é Sara.
- Ah sim, desculpe.
- Você só sabe pedir desculpas?
- Não é que, eu, bem, estou meio atrapalhado, meio sem jeito de falar as coisas...
- Você nasceu assim, ela cortou.
- Você é bem agressiva, né?
- Você acha?
Disse chegando bem perto do meu rosto.
- Acho, enfrentei.
Ela me deu um empurrão tão surpreendente que quase me fez cair de costas no chão.
- Saia da minha frente.
Depois seguiu caminhando firme e decidida.
Fiquei espantado.
Não tinha feito nada para ela.
Por que me tratava daquele jeito?
Mas, apesar disso, ela me parecia atraente.
Meu olhar não se desgrudava dela.
Não via mais nada.
Ela também não viu quando um homem alto e forte entrou nos seus passos.
Rapidamente, ele a puxou pelo ombro, o que a fez virar-lhe um tapa na cara bem dado.
O impacto foi tão forte que se ouviu longe.
O homem não gostou.
Ao mesmo tempo, ele segurou suas mãos com uma das suas e com a outra sacou um revólver.
Eu assistia aquela cena como se visse um filme. Só aí me deu um estalo. Era real.
A moça estava sendo assaltada.
Eu precisava fazer alguma coisa.
Apanhei um pedaço de madeira e parti para cima do homem grande e forte.
Acertei com muita precisão uma pancada bem no meio da cabeça dele.
O impacto foi suficiente para que ele desabasse na nossa frente como um saco de batatas e para que ela sorrisse pela primeira vez.
Seus dentes eram lindos.
O sorriso era econômico, a boca pequena, os lábios finos, mas os olhos se abriram bem.
Antes que eu pudesse ter qualquer reação, ela me agarrou e me beijou na boca.
Foi um beijo tão inesperado quando o empurrão e tão forte quanto também.
Sentia a sua língua invadir a minha boca.
Ela tinha boca quente, a língua rápida, um approach enlouquecedor para o momento.
Depois que me soltou, olhou-me nos olhos.
- Você beija bem, meu herói. Agora chame a polícia ou corra daqui. Quando esse aí acordar, vai querer ajustar as contas.
Disse e saiu caminhando decidida.
Desapareceu na esquina, no final da rua.
Chamei a polícia, denunciei o assalto e informei que eu o imobilizara, mas não esperei.
Eu queria saber dela.
Não havia nenhum contato, nenhuma forma de achá-la, mas eu queria.
Estava caminhando em direção ao mercado municipal, um lugar amplo com muita gente, quando a vi comprando laranjas.
Aproximei-me bem devagar.
- Sara, posso falar com você?
- Você de novo? Eu já não te disse que não posso ficar de papo? Diga logo.
- Bem, eu queria agradecer aquele beijo.
- Não agradeça. Ele foi o meu agradecimento por ter me salvado. Era só isso?
- Você sai beijando as pessoas assim para agradecer e depois as expulsa?
- Não, gostei de você. Mas não tenho tempo. Não posso ficar de papo.
- Você parece o Coelho Branco de “Alice no País das Maravilhas”: está sempre correndo.
- Não, meu caro: eu sou a Rainha de Copas.
Quando ela disse isso, temi pela minha cabeça e me lembrei do olhar que lançara antes.
Era alguém que gostava de ler, supus.
Conhecia o livro de Lewis Carroll.
- Ao menos é inteligente e lê, eu disse.
- Quem disse?, ela rebateu.
- Você citou a Rainha de Copas. Deve ter lido o livro. Se lê, é uma pessoa que se informa.
- Meu herói, você não sabe de nada.
Disse com um olhar impenetrável e intrigante e me deixou falando sozinho.
Eu a segui guardando uma certa distância.
Caminhou firme e decidida pelas ruas próximas ao mercado municipal.
Olhei para o seu corpo pela primeira vez com um desejo de homem. Ela era magrinha, pequena, cabelos lisos curtos. Vestia-se quase como um menino. Usava um All Star rosa. Não expressava nenhuma sensualidade.
Mas eu a queria. Não sei por quê. Talvez fosse a sua braveza. Ou o seu mistério. Ou ainda a sua boca quente. A língua rápida.
Entrou em uma casa velha de portas altas.
- Será que morava lá?, disse alto.
Não tinha ideia.
Titubeei um pouco e acabei entrando pela mesma porta. Era uma casa grande, muitos móveis, muito pó. Não havia ninguém lá.
A casa tinha uma escada longa que levava ao andar superior. Sara deveria ter subido, pensei. Depois de olhar os cômodos próximos, comecei a subir os degraus bem devagar.
A escada era de madeira e rangia à medida que pisava, mesmo fazendo-o devagar.
Ao chegar ao segundo andar da casa, percebi que havia vários quartos naquela parte.
Abri a porta do primeiro lentamente.
A iluminação não era boa. Mesmo assim, não vi ninguém nem nada que se mexesse.
No segundo quarto, uma música de balada tocava alta. O som estava preso dentro do cômodo. Quando abri a porta senti como se as batidas secas batessem em mim.
As luzes piscavam e um globo no centro do teto projetava luzes picadas pelo ambiente.
Ao entrar no terceiro quarto senti um cheiro de lavanda no ar, que encheu minhas narinas.
Lembrei-me da frase de Fernanda Young na hora e senti uma certa curiosidade: “O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda...”.
Sara apareceu atrás de mim quando eu olhava a janela aberta para o quintal.
Estava nua ou quase isso, pois estava enrolada em uma toalha grande e felpuda.
Fiquei sem ação imediatamente.
Eu a persegui até ali e queria encontrá-la. Agora não sabia o que fazer. Ela sabia.
Andou lentamente pelo quarto se posicionando de costas para a janela.
Tirou a toalha e me deixou ver o seu corpo todo, que resplandecia na contraluz.
Em seguida me empurrou para a lateral da cama e foi tirando o meu sapato, depois a minha calça e todo o resto desapareceu sem que eu visse como ela fez aquilo tudo.
Abaixou-se aos meus pés e me levou a pensar que estava entrando no paraíso.
Quando despertei daquele transe maluco e comecei a olhar em volta, não a vi mais.
Era mesmo um cometa aquela mulher.
Levantei-me rapidamente da cama e fui olhar onde ela havia se escondido agora quando me deparei com ela toda vestida com uma roupa preta de couro, um boné militar e botas.
Não vi quando caminhava na minha direção o que trazia nas mãos, o que só fui me dar conta quando a polícia chegou e derrubou a porta do quarto em que estávamos com armas nas mãos.
Sara foi presa e algemada.
Ela era uma serial killer que gostava de fazer amor e matar as suas vítimas em seguida.
Estavam atrás dela havia meses. A polícia a seguiu como eu, mas esperou antes de entrar. Quando ela deixou o quarto, tiveram a certeza de que iria buscar o que trazia nas mãos: uma faca de trinta centímetros que usaria no crime.
Ela era perfeita.
Tinha a boca quente, a língua rápida, mas o coração frio, gelado eu diria.
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