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A menininha da fila da confissão
Data de Publicação: 11 de fevereiro de 2021 19:08:00 INOCÊNCIA - Ninguém conseguiria imaginar que uma garotinha de oito anos tivesse cometido pecado tão grave para se confessar.
Silvinha deu o que falar ao entrar na fila da confissão da igreja matriz em Salto. Uma garotinha de apenas oito anos teria cometido que pecado para justificar a busca de um perdão? Mas ele existia de fato.
Carregava uma pequena bolsinha plástica amarela desenhada na forma de um mamão.
A imagem da fruta era definida por uma armação de arame bem dura.
Dessa armação saía um cordão feito alça todo trançado com o qual ela prendia a bolsa ao braço, como se tivesse muito mais idade.
Devia ter uns oito anos.
Não mais que isto.
Mas mostrava que queria aparentar mais.
O vestidinho exibia um decote discreto.
A boca pintada por um batom vermelho muito vivo e realçado pelo brilho.
Usava saltos altos.
Altos demais para a sua idade até.
Ao vê-la ali, na fila da confissão na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Monte Serrat, a maior de Salto, várias pessoas se perguntavam se já teria feito a primeira comunhão.
Antes de a missa das crianças começar era comum na cidade quem ia à igreja ficar conversando até dar a hora.
O assunto era sempre alguma coisa que estava acontecendo no momento.
A menininha era o tema em questão.
As pessoas avaliavam o seu gesto na fila.
Mesmo que tivesse feito primeira comunhão, que pecado confessaria?
Alguns expressavam preocupação com a bronca que o padre Mário Negro, conhecido por suas chamadas de atenção mais duras, lhe daria por ir até lá contar bobagens de criança.
Isto porque a fila se estendia até a porta e chegava a contornar os bancos do centro no fundo da igreja e nem era Semana Santa.
O horário de início da missa já estava se aproximando, mas a fila seguia longa.
A julgar pela demora das pessoas que se confessavam, não daria tempo para o padre atender a todos com certeza.
Era isso o que afirmavam as beatas próximas.
Mais um motivo, comentavam entre si as pessoas que olhavam a menininha com cara de pureza na fila, para que ela não ficasse lá.
Silvinha não se importava com os olhares.
Abaixava a cabeça lentamente sempre que se deparava com algum mais direto.
De vez em quando passava os olhos por todas as pessoas que estavam na igreja.
Olhava como se fosse uma câmera de televisão, filmando tudo, sem perder detalhe.
Como se quisesse enfrentar a todos de uma vez com a sua coragem que ela sentia enorme.
Intrépida a menina.
Algumas beatas tentavam tirar conclusões.
Uma dizia que para ela a culpa era da mãe.
- As mães de hoje largam os filhos. Veja essa garota. Uma menininha dessas vestida desse jeito como adulta. Não pode.
A outra dizia que o padre Mário ficaria louco com aquilo e que daria uma carraspana nela.
- É falta de rezar mais em casa, afirmava a outra beata de vestido de bolinhas.
Silvinha disfarçava o embaraço com tantos olhares para ela tentando pensar longe.
O zum-zum-zum crescia à medida que chegava mais perto do confessionário.
Um colega de escola da menininha, sentado em um dos bancos próximos do confessionário, fez sinais incompreensíveis para ela.
Tentava, na verdade, fazê-la entender que era sobre ela que todos falavam.
Que talvez ela não devesse estar lá na fila.
Mas os gestos não eram muito claros.
Silvinha sabia que falavam dela, mas não se importava com o falatório das beatas.
Outra vez desviou o olhar.
De repente, as luzes da igreja se acenderam.
Os últimos bancos estavam tomados.
O sacristão se preparava.
A missa já ia começar.
Apenas uma pessoa separava Silvinha do confessionário na fila agora.
Uma filha de Maria passou por ela.
Acariciou seus cabelos loirinhos e lisos candidamente como a desfazer a imagem construída pelas beatas.
A mulher demonstrava com o gesto que se tratava, sem dúvida, de uma criança inocente.
Quando chegou a sua vez, a menininha foi surpreendida com o padre no confessionário.
Não era o padre Mário Negro.
O padre era um desconhecido.
Assim que a viu, o sacerdote disse que não poderia atendê-la e se desculpava por isso.
O horário da missa já estava em cima.
Ele pediu que ela voltasse outra hora.
Silvinha agarrou-se às mãos do padre.
Disse que era urgente se confessar.
O sacerdote ficou impaciente, mas intrigado também e decidiu sentar-se para ouvi-la.
- Pois então fale minha filha, mas seja breve. Quais são os seus pecados?
- Não são pecados, padre.
Ao olhar de quem não entendeu do vigário, ela explicou rapidamente:
- É só um.
- Diga então.
- Eu estou apaixonada.
- Ora, menina. Eu perco meu tempo com você. Na sua idade isso não existe.
- Existe sim, ela disse com cara de birra.
- Tudo bem, tudo bem. Mas isto não é pecado, minha filha. Por que veio aqui?
- Isto não, eu sei padre. O que é pecado é que estou apaixonada por um homem casado.
- Meu Deus do céu. Minha filha, o que você está dizendo? O que puseram na sua cabecinha? Você me faz atrasar a missa para ouvir bobagens como essa? Uma menininha da sua idade, meu bem, nem sabe o que é paixão, quanto mais o que seja sentir isto por um homem casado. Vá se sentar lá. E ouça bem o meu sermão. Acho que você está confusa. Esqueça essa história definitivamente.
- Não é bobagem, padre.
- Claro que é.
- Não é, padre. Eu tenho certeza.
- Então quem é ele, minha cara? Diga para que eu possa aconselhá-la.
- É meu pai.
Com cara de alívio, o padre perguntou:
- Então é isso? Esse é o homem? Olha, meu bem, todo filho gosta do pai. Isso não é pecado não. Também não é paixão. É amor de filha pelo pai. É um sentimento normal, tá?
- Então estou perdoada?
- Sim, está, minha filha. Vá, você anda assistindo muita televisão ultimamente. Muita novela, entendeu? Precisa ler a bíblia, rezar.
- O senhor acha mesmo, disse ela enquanto era acolhida pelo padre em um grande abraço.
Ele fez que sim com a cabeça.
Ela se encaminhou para um dos bancos da frente da igreja de onde assistiria à missa.
A pequena menininha ficara aliviada com as palavras que ouvira do padre.
O sacerdote não.
- Cada uma que me acontece, dizia para si.
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