A greve

7 de dezembro de 2021

A greve

Data de Publicação: 7 de dezembro de 2021 18:44:00 JÁ IMAGINOU - Quando a mulher resolve fazer um protesto suspendo o sexo, o marido se submete até a uma cirurgia maluca.

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O que Adelino nunca pensou foi que tivesse de se submeter a uma operação para ter Idalina de volta.

 

 

Adelino foi ao médico empurrado.

Não gostava nem de passar perto de consultório, mas Idalina se invocou com uma espécie de verruga que nasceu no escroto dele e cresceu com o tempo.

- Deve ser coisa ruim, ela disse.

- Não é mulher. Isso é normal. Conheço gente que tem. Nasce e some.

- Você tem de ir ao médico. Eu não vou dormir mais com você, se não for.

- Oxi, isso não Idalina.

- Oxi mesmo: isso sim.

Diagnóstico: cisto seborreico.

- É grave doutor?

- O senhor tem de ser forte, disse o doutor Cecílio, um antigo amigo da família, tão antigo que tratou do pai de Adelino.

- Como assim? É grave então? Corro risco?

Cecílio riu descompassado.

- Não homem, é brincadeira. Esses cistos são de gordura. Não fazem mal algum.

Mais calmo com a notícia, Adelino insistiu:

- Mas é melhor tirar, não é? A mulher está implicando. Acha que é coisa ruim.

- Não é. Traga ela aqui e converso com ela, disse o médico, tentando apaziguar.

- Não Cecílio, ela não vem. E disse que vai fazer greve comigo ainda.

- Inacreditável, esboçou o médico.

Marcaram a cirurgia para uma sexta-feira.

- Está com medo?, perguntou Idalina.

- Não, estou só preocupado. Não sei como é. Talvez eu fique nervoso.

- Ué, você não é mais aquele homem corajoso de sempre?

- Eu sou.

Depois da cirurgia, de volta à casa, Adelino estava com dores e meio desconsertado.

Não encontrou Idalina.

Logo depois o telefone tocou:

- Como foi lá homem?

- Olha, eu gosto de desafios. Então, posso dizer a você que foi um desafio.

- Oxi, e por quê?

- O médico é um tanto quanto idoso, você sabe? A assistente dele beira a mesma idade.

- Sim, mas o que tem isso?

- Ele me deixou com ela e foi buscar os aparatos. Ela me mandou me deitar na maca e recostar a cabeça em um suporte próprio para isso. Eu perguntei:  - Não precisa tirar a roupa? Ela ficou confusa. Foi perguntar a ele.

- Normal.

- Em seguida, o médico disse que sim, porque a cirurgia era no saco. A assistente levou um susto. Eu não sei por quê. Naquela idade ela já deve ter visto muito saco.

- Só você mesmo Adelino, ela riu.

- A assistente se virou para mim e me deu um avental transparente e curtíssimo. Pediu que eu o vestisse no banheiro, que é aberto para a sala, ou seja, não precisava ir até lá, a não ser que fosse para cagar.

A mulher riu de novo.

- Ela ainda virou o rosto para não me ver pelado Idalina. Eu não entendi, porque o avental era transparente e ele era bem curto como já disse. Então se podia ver tudo. Só não veria se fosse cega.

- Você implica.

- Deitei-me na maca e o médico voltou. Olhou para aquele avental ridículo e eu pelado e com aquele avental estava mais ridículo ainda. Então ele disse para ela levantar o avental. Mais ainda que não entendi. Fiquei pensando: por que ela me deu um avental transparente e ainda virou o rosto para eu colocá-lo e ela não ver, se agora acompanhava tudo de pertinho?

- Vai ver ela te achou pequeno, disse rindo.

- Pequeno mulher?, ele se irritou.

- Estou brincando.

- Aí perguntei se ele me daria anestesia, porque achei que pudesse doer.

- Claro que tem anestesia. Ainda mais com homem, que é tudo frouxo, zombou Idalina.

- Frouxo não Idalina, eu sou bem corajoso.

- Mas ele deu, não deu?

- Ele disse que daria, se eu quisesse. Oi? Como assim, se eu quisesse?, perguntei.

A mulher tentou falar, ele não deixou.

- Ele disse que tem gente que não usa anestesia. Eu disse: - Mas eu quero. Então mandou a assistente buscar. Ela trouxe em uma bandejinha. Muito bonitinho. Achei que estava tudo certo até que enfim. Só que não.

- Como assim?

- Ela derrubou a agulha. Aí os dois se agacharam e começaram a procurar a tal agulha como dois cegos apalpando o chão. Eles não enxergavam e estavam de óculos, imagine. Eu não podia fazer nada, porque a maca é do tipo cadeira de barbeiro. Ela levanta o sujeito lá no teto para ele olhar bem de perto, já que a luz da sala era mais fraca que a de um abajur. Tudo improvisado.

- Foi no consultório isso?

- Foi, mas ele é como se fosse um quarto da casa. O consultório é uma casa que foi adaptada para atendimento. Precário.

- Como derruba uma agulha? Mesmo que achassem, não poderiam usar. Ela estaria contaminada, não?

- Bom, eu pensei em desistir da anestesia. Nem lembrei na contaminação. Perguntei se doía muito fazer sem anestesia. Ele disse: - Doer, não dói muito, mas é que arde. Aquilo me deixou muito preocupado.

- Você escolhe.

- Arde como?, eu perguntei. Ele disse que é que nem urtiga, mas tem gente que não sente tanto. E a agulha ainda não tinha sido achada. Os dois procurando. Mesmo assim, preferi insistir com a anestesia.

- O senhor fique calmo, Cecílio me disse. Mas como ficar calmo assim? Perguntei se não tinha outra agulha para tentar resolver aquilo logo. Eu já estava agoniado. Ele disse que não. Algum tempo depois eles acharam a tal. Felizmente, pensei. Àquela altura, eu já estava comemorando até isso.

- Mas a agulha não estava contaminada?

- Não, ela tinha uma capinha protegendo.

- E eles não achavam uma agulha com capinha? Como pode?

- Eu não sei.

- E daí?

- Depois ele fez a cirurgia finalmente. Fiquei contente, porque não senti nada da urtiga. Fiquei mais contente ainda quando ele disse: - Acabou. Não aguentava mais aquela sala. Em seguida ele começou a fazer aquele gesto com a boca, que termina com um barulho da língua estralando nos lábios, como se estivesse lamentando alguma coisa.

- Como assim?

- Fiquei com medo de perguntar, mas não precisou. A assistente contou logo: - Está sangrando muito, né doutor? Ele respondeu calmo: - Verdade, não sei por quê.

- Ai meu Deus.

- Nessa hora eu tive de intervir: - Como assim? Ele disse: - Normalmente não sangra. Não tanto. Eu disse: - E agora? Ele falou: - Não saía daqui. Eu já volto. Como se eu pudesse pular de lá de cima pelado e com o saco cheio de sangue. A assistente tentou me acalmar: - Não fique nervoso. Muito poucas cirurgias do doutor não dão certo. - Ah tá?, eu disse querendo bater nela.

- E onde ele foi?

- Dali a pouco o médico voltou. Colocou um treco no meu saco que sugava que nem uma ventosa. Eu fiquei desesperado. Pensei: - Esse treco vai sugar o meu saco inteiro. Logo depois ele disse: - Parou, felizmente. - Felizmente mesmo, eu disse. Ele respondeu: - Não, felizmente, porque essa era a última bomba de sucção que a gente tinha aqui.

A mulher riu de novo.

- Se um olhar fuzilasse, ele estava morto agora. Mas ainda bem que não foi o caso, porque ele disse em seguida: - Vou ter de dar ponto. Abriu muito. Eu não via nada do que estava acontecendo. Só aquela assistente velha e cheia de pudores tinha esse privilégio. Eu disse: - Como assim? Ele disse: - Fique calmo. Pegou linha e agulha e começou a costurar o meu saco. Eu não sabia se pulava de lá e saía correndo ou se colocava tudo na mão de Deus e torcia por um milagre. Estava tudo contra mim.

- E doía enquanto costurava?

- Não, anestesia tinha pegado firme. Mas é o medo do que estão fazendo com o seu saco e você nem está vendo, não é?

- Imagino. Ainda mais homem que morre de medo de mexer nessas partes.

Ele olhou com certo desacordo para o telefone, como se olhasse para ela.

Depois continuou:

- Demorou um pouco mais e tudo foi resolvido finalmente. Aí ele veio no meu ouvido e disse que tinha uma coisa desagradável para me falar.

- Meu Deus, mais?

- Eu disse: - Fala. Nada pode ser pior, eu acho, pensei. Ele disse que não tinha como fazer curativo no saco. - Não para nada lá. Use essa pomada que vou receitar. Eu saí de lá todo dolorido e com o saco ardendo e fui à farmácia. A pomada que ele deu custava 200 reais. Eu disse: - Não compro. Mas eram fortes a dor e a ardência. Resolvi comprar uma genérica de 60 reais. Agora estou aqui com o saco costurado, dor até lá atrás e esperando você chegar. Mas está tudo bem.

- Que coisa tudo isso.

- Culpa sua que me fez passar por toda essa tragédia com essa história de greve.

A mulher riu novamente, gargalhou mesmo desta vez e não conseguia parar.

- Do que está rindo tanto?

- De você. Não vou fazer greve mais não. Só que você não vai poder fazer nada por um bom tempo com esses pontos e essas dores.

- O quê?, ele derrubou o telefone.

Ao se levantar para apanhá-lo sentiu dores mais fortes ainda e percebeu que sangrava.

- Não é possível, disse quase chorando.

A mulher ria sem parar.

 

 

Informação complementar

Toda terça-feira você encontrará uma crônica nova neste espaço.

Imagem da Galeria O medo de tudo dar errado na cirurgia se transformou em realidade
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