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A vida secreta de Arlete Ranso
Data de Publicação: 27 de setembro de 2020 18:25:00 MISTÉRIO - Um caso de mistério envolvendo a secretária de uma revista em São Paulo: veja mais um episódio do livro.
SEM TEMPO? ENTÃO VEJA O RESUMO
Quem podia imaginar que a secretária de uma revista em São Paulo fosse quem era? Mais que isto: como resolver o impasse criado após a descoberta da vida secreta de Arlete Ranso? Resolva esse mistério comigo.
- Você é tão quietinho, né?
A frase veio de uma loira alta, de cabelos louros dourados com mechas claras, repicados à altura dos ombros, que emolduravam um rosto fino, olhos verdes vivos e uma boca carnuda.
Arlete Ranso era a secretária da revista Cozinha Industrial, em São Paulo, onde eu fui fazer um trabalho temporário como jornalista nos meses finais do ano de 2001.
Era sedutora, maliciosa, sensual.
Eu estava pesquisando arquivos quando ela apareceu às minhas costas e começou a falar.
Ao olhar para ela, para juntar a voz à dona, pude perceber que queria ser notada.
Exibia um corpo bem torneado quase como em um desfile de moda ao caminhar em torno de mim depois de dizer a frase.
Usava blusa branca transparente com mangas longas, mas com aberturas para deixar ver a pele dos ombros, e por baixo exibia um top preto que acomodava os seios fartos.
Estava com uma saia um pouco acima dos joelhos, lisa, vermelho marte, de um tecido acetinado que acompanhava o movimento do seu caminhar como se fosse a pele dela.
Não era uma roupa para trabalhar, mas Arlete Ranso não se importava. Aliás, ela parecia não se importar com nada por ali além de mim.
Os donos da revista, dois jornalistas que conheci em Campinas, eram também despreocupados com a rotina da redação.
Eu os conheci durante um trabalho que fazia para empresas de alimentação ainda no início do governo do ex-prefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, que morreu assassinado alguns meses depois da posse.
Os empresários me disseram para pedir tudo o que precisasse à Arlete e informaram que não estariam por lá quando eu fosse devido a compromissos já assumidos anteriormente.
A deixa para que pedisse a ela o que precisasse me deixou apreensivo.
Era notório que a secretária se insinuava com outras intenções e estávamos sozinhos lá, mas era um trabalho importante que eu faria e que me renderia um bom dinheiro. Não queria estragar a oportunidade que os donos da revista haviam me concedido depois de lerem um texto que assinei para um jornal de Campinas.
Quem abrira a porta e me deixara ter acesso aos arquivos que eu tinha recebido de Arlete no dia anterior fora Bruno Mendes, funcionário da revista também, mas que pouco parava lá.
Bruno me recebeu, disse para ficar à vontade e informou que sairia para trabalhos externos.
- Logo Arlete estará aí. Se precisar de mais alguma coisa, ela o ajudará.
Disse e saiu em seguida.
Seriam três dias apenas de trabalho e aquele já era o segundo. Tratava-se de uma pesquisa profunda para embasar uma série de reportagens especiais sobre o mercado. Eu teria de apresentar o relatório e, com base nele, os donos da revista venderiam espaços publicitários para garantir a publicação.
Passou-se uma hora e meia eu acho e Arlete surgia agora e dessa forma.
O que fazer para não ser indelicado com uma mulher tão charmosa e ao mesmo tempo conquistar o apoio dela, que era alguém com quem eu teria de contar para o trabalho, devido à necessidade de pesquisas a serem feitas nos arquivos da revista, arquivos aos quais só ela tinha acesso e sabia exatamente onde estavam?
Fiquei um tanto quanto paralisado pela abordagem e pela beleza de Arlete assim que ela me disse a frase e andou em torno de mim.
Após intermináveis segundos de hesitação e de planejamento mental, finalmente respondi:
- Estou um tanto quanto tímido pelo ambiente novo e por não te conhecer muito bem ainda.
Ao que a secretária tratou de agir com toda a impetuosidade que eu já descobrira ser-lhe peculiar: ela me abraçou calorosamente.
Sem se desgrudar de mim, disse ao meu ouvido calma e docemente:
- Não se preocupe: vou deixá-lo à vontade.
Um frio composto de um misto de excitação e de receio percorreu a minha espinha ao ouvir.
Não sabia exatamente o que ela faria, mas podia prever que não seria uma situação fácil.
Enquanto eu pensava em múltiplas alternativas ainda dentro do abraço dela, reapareceu inesperadamente Bruno Mendes.
- O que está acontecendo aqui?, disse com voz grave e alta, como se assistisse a um espetáculo do qual não se entusiasmava nada em ver.
Ato contínuo, a loira se desgrudou de mim como se repelisse a maior praga do universo.
Também me assustei com a intervenção e me afastei, mas com mais lentidão que ela.
- Não está acontecendo nada, gaguejou ao se explicar para ele e encontrar imediatamente algo por fazer na sua mesa de trabalho.
Aquilo foi curioso, pois antes ela parecia não se importar com nada nem ninguém e agora se portava como se estivesse traindo o marido.
Será que eram casados ou tinham algum relacionamento? Ou será que ele tinha interesse nela e a ameaçava de alguma forma?
Os pensamentos em torno de Arlete Ranso não paravam de me perturbar. Antes pela sua abordagem e presença indelével, agora pelo comportamento fortuito estranho demais. Mas eu teria de conviver com aquilo ainda.
A revista Cozinha Industrial era uma publicação mensal que fazia uma ampla abordagem do mercado de alimentação profissional, sobretudo de merenda escolar.
Tinha alcance nacional e representatividade consolidada no setor, mas era uma publicação pequena e que contava com profissionais freelances como eu para a sua produção.
Em São Paulo, mantinha um escritório que era chamado de redação, mas não tinha jornalistas, senão de forma eventual como eu. Funcionava mais como um ponto de apoio para a área administrativa e comercial.
Os donos faziam vários papéis, desde o de administradores propriamente ditos até o de contatos comerciais e vendedores de espaços publicitários, que acabavam garantindo as publicações. Um dos donos fazia o planejamento e projetava o conteúdo e o outro comercializava e acertava com quem produziria. Eles tinham um bom entrosamento.
Falaram a respeito de Arlete, descrevendo-a de forma totalmente diferente da que eu havia tido o prazer e a inquietação de conhecer.
Para os donos da revista, a secretária era uma mulher solitária que fazia o seu trabalho direitinho e era muito responsável.
Mesmo quando não há interesse ou existe um respeito profissional, homem nenhum deixa de tecer comentários a respeito dos dotes físicos de uma secretária, se eles são proeminentes como era o caso. Senão por admirá-los, ainda que com distanciamento pela ética profissional, pelo menos para me prevenir, já que não estariam lá quando eu fosse à redação, mas os donos da revista não fizeram isto.
Achei um tanto quanto estranha essa atitude. De qualquer forma, não estava ali para isso. Aquela era mais uma intercorrência entre um trabalho e outro e que eu superaria como sempre fiz na carreira. Ao menos achava isso até que aquele segundo dia terminasse.
Havia decidido que não iria embora para não perder tempo entre uma cidade e outra. No primeiro dia, voltei para casa porque ainda não havia tido acesso a todos os arquivos e achei que o meu trabalho seria mais rápido.
Depois da situação flagrada por Bruno Mendes e que fez com que Arlete se distanciasse de mim, passei o resto do dia fazendo todas as pesquisas que desejava. Percebi então que o trabalho seria extenso e que seria melhor ficar por São Paulo para agilizar o trabalho no dia seguinte.
- Você sabe de algum hotelzinho em que eu possa ficar? Não vou voltar para casa hoje. Acho que é melhor ficar por aqui para pegar mais cedo amanhã, senão não vou terminar em três dias como combinei com seus patrões.
Arlete disse que tinha uma sugestão.
- Você pode ficar na Vila Madalena.
- Ah que ótimo. É longe daqui?
- Da Vila Mariana? Imagina, uns 9 km.
- Então é perto.
- Sim, e é muito legal lá. Você vai gostar.
- Você indica algum hotel em especial?
- Pode ficar onde moro.
Ela disse a frase usando novamente o mesmo charme de antes, o que me alertou.
- Não, não acho uma boa ideia. Desculpe Arlete. Estou tentando fazer um trabalho aqui que me permita voltar e...
- Não se preocupe. Há espaço lá. É um hotel pequeno, mas tem vários quartos.
Fiquei sem graça de não aceitar.
O hotel não era tão pequeno como ela descrevera, mas também não era grande.
As acomodações eram suficientes.
A minha preocupação era o que poderia acontecer em função daquela disposição da secretária demonstrada lá na revista.
- Estou no quarto 14. Se precisar de mim, é só ligar. Estarei a sua disposição, ela disse.
Agradeci, mas não tinha intenção de sair do quarto e tampouco de procurá-la.
Mais tarde resolvi ligar para casa.
O telefone não fazia ligação do quarto. Perguntei à recepção e me disseram que só de lá daria. Descia então para fazer o telefonema.
- O senhor vai colocar a cobrança no seu quarto, o 8, ou coloco no quarto do Anderson?
- Como?
- Eu não sei se coloco o custo do telefonema nos apontamentos do seu quarto ou no do Anderson, já que foi ele quem o apresentou.
- Quem é Anderson?
Ante a cara de completo desconhecimento sobre o que eu falava, pedi que me explicassem.
Anderson era o nome verdadeiro de Arlete Ranso ou pelo menos daquela que eu conheci, o que era por si só inacreditável.
Eu quis saber mais.
- Como assim: são a mesma pessoa?
- Eu não sei como ele se apresentou ao senhor, mas para nós ele é Anderson e só.
- Eu cheguei com uma mulher, você notou? Era uma loira alta, cabelos dourados com mechas claras. Não tinha nenhum Anderson. É impossível que aquela mulher com quem eu cheguei seja um homem. Vocês não vão me convencer disso. Não vão mesmo.
- Senhor, eu não sei exatamente do que o senhor está falando. Não vi a mulher que o senhor diz que o acompanhava. Mas no quarto 14 está o Anderson e foi ele quem deu o seu nome para o registro e o apresentou.
Aquela situação me intrigou muito.
Sabia que havia homens que se vestiam de mulheres e que se passavam muito bem por mulheres, mas não era o caso. Definitivamente não era a situação vivida por aquela mulher que eu conheci e que era deslumbrante.
Mesmo com a cabeça fervendo com tantos pensamentos em torno do assunto, fui para o meu quarto e tentei dormir.
Evidentemente, não consegui.
Passei aquela noite acordado tentando entender o que havia acontecido. Está certo que a descrição dos donos da revista não batia com aquela mulher, mas aquela mulher não batia com a descrição dada pela recepcionista.
O que será que estava acontecendo?
Eu precisava descobrir, mas essa não era a minha missão lá e, se fosse atrás das informações, perderia tempo e não terminaria o trabalho em três dias como estava previsto.
Não conseguia dormir.
Levantei-me e sai para caminhar na rua.
Andei pelas vias mais próximas meio sem destino, apenas tentando espairecer.
Quando voltei ao hotel, encontrei Bruno Mendes conversando com a recepcionista.
- Boa noite, tudo bem?, eu disse.
- Então seu Anderson, esse moço disse que é para colocar o telefone na conta do quarto dele.
Ao ouvir a recepcionista se referir a ele como Anderson entendi o que estava acontecendo.
- Anderson? Você não se chamava Bruno?
- É melhor você esquecer que me viu aqui.
- Como esquecer? Olha, eu não estou entendendo nada. Por que não me conta?
- Não vai dar, ele disse e se virou para sair.
Não teve tempo nem de dar três passos e foi cercado por policiais militares.
Enquanto alguns dos policiais o levaram, outros entraram no hotel.
Logo depois desceram com Arlete Ranso algemada cobrindo o rosto para não ser identificada, sobretudo por mim.
- O que está acontecendo?, perguntei a um dos policiais e ele disse que eram bandidos.
Fiquei pasmo com tudo aquilo.
Quis saber para qual delegacia eles estavam sendo levados e fui atrás para saber o que estava acontecendo de fato.
Não havia mais como dormir.
Lá descobri que a dupla era procurada já havia algum tempo por conta de golpes que aplicavam em empresas da região da Vila Madalena, Paraíso, Itaim, Vila Nova Conceição, Vila Clementino, Ibirapuera e Vila Mariana.
Também conheci a verdadeira Arlete Ranso, uma senhora muito simpática, que estava triste com tudo aquilo, porque a Arlete falsa era sua sobrinha na realidade e ela não sabia dos crimes.
Nem ela sabia nem ninguém, nem os donos da revista sabiam. A sobrinha se passava pela tia como se ela tivesse uma vida secreta que ninguém conhecia de crimes, prostituição e drogas em toda aquela região.
- Ela é tão bonita. Poderia ter uma vida certinha em qualquer profissão, mas escolheu se unir a esse bandido do Anderson. Coitada da minha sobrinha, uma inocente nessa história.
- A senhora não sabia de nada?
- De nada.
- Nossa.
- Eles achavam que havia um cofre lá na revista. Por isso, ficaram todos esses dias se passando por funcionários.
- Só não entendi por que me trouxe para esse hotel e se hospedaram aqui também.
- Eles queriam roubar você. Ela iria no seu quarto de madrugada. Depois levaria tudo o que tivesse de valor. Sempre agiam assim.
- Estou pasmo.
- A gente não conhece ninguém. Pensa que conhece só. Na verdade, vivemos com estranhos e chamamos inimigos de irmãos.
- Custo a acreditar, mas acho que a senhora tem razão dona Arlete. Como conheceu o Anderson e como sua sobrinha entrou nisso?
- Eu conheci o Anderson quando eles começaram a sair, mas não imaginava nada disso. Ela o conheceu na academia que frequentava. Ele era personal lá. Agora vou perder o meu emprego por causa desses dois. Quando os donos da revista souberem que ela e ele estiveram lá usando a minha chave e que ficaram dois dias lá, não terei chance alguma.
- Converse com o porteiro e não conte nada a eles, eu disse, tentando ajudar.
- Não sei. Vou ver o que faço. Obrigada.
No dia seguinte, terminei a minha pesquisa e fui embora. No outro dia apresentei o relatório via e-mail aos donos da revista, mas nunca disse nada sobre a dupla a eles, ao menos não antes de hoje, com receio de prejudicar a secretária.
Não sei se a verdadeira Arlete Ranso disse.
Creio que não.
FIQUE SABENDO
Em breve lançarei um livro intitulado "Coração Jornalista" com este texto e outros que estou preparando para contar coisas que vivi nos bastidores das reportagens que fiz ao longo de quase 40 anos de profissão.
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